Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Arnaldo Jabor
Não, não sei mais analisar a situação
brasileira. Os fatos estão muito à frente de qualquer interpretação, que é
sempre fugaz, com uma lógica que se perde em poucos instantes.
A sensação que tenho — estamos
reduzidos a sensações — é que os hábitos tradicionais do velho patrimonialismo
brasileiro, com suas teias ocultas de escândalos, estão arrebentando juntos e
irrompendo da lama escondida por séculos.
Uma das razões é que nossa corrupção
deslavada, nosso secular desgoverno se fragilizaram neste mundo contemporâneo
global e digital. Nosso atraso ficou atrasado. As informações na velocidade da
luz fizeram a opinião pública acordar sem saber bem para que ainda, mas já é um
avanço.
Aquele estranho país, oscilando desde
sempre entre o público e o privado, está deparando com um perigo: a própria
ideia de “país” está ameaçada, se esgarçando com ilhas de civilização cercadas
de miséria por todos os lados. Instituições continuariam existindo, mas sem
poder para regular a vida social.
A consciência do desastre é grande,
mas ninguém sabe o que colocar no lugar da merda que está aí. Não sabe porque
talvez não haja. Como traçar um plano político onde a política se desintegrou?
O Brasil é uma quadrilha. Todos estão implicados de algum modo. Nunca existiu
vida sem o Caixa 2.
Nisso, o Lula acertou. Esse era o
método de funcionamento “normal”. Era impossível um político ignorar isso. Era
normal. Agora, estão abertos os intestinos da pátria que nos pariu. E surge
mais uma verdade óbvia: não há inocentes para ocupar cargos públicos. Todos são
cúmplices. Não há fichas limpas. O Temer sabe disso e inteligentemente nomeou a
melhor equipe econômica que já tivemos, sem contar líderes como Meirelles, Serra,
Maria Silvia Bastos, Pedro Parente etc. Eles partiram para impor o óbvio na
economia destroçada pelos ladrões e imbecis. Conseguirão?
A Lava-Jato está matando o velho país
vira-lata, graças a Deus, mas como salvá-lo, como organizar um país melhor?
Tudo funcionava mal, mas funcionava pelas regras da velha roubalheira
analógica. Havia até uma certa doçura nos ladrões de galinha. Depois do PT,
tudo enguiçou. Sempre achei que o PT no poder seria uma previsível ladainha de
slogans comunas, de voluntarismo, de gastos públicos malucos, mas nunca supus
que eles pudessem causar um estrago desse porte, com 170 bilhões de buracos
negros no Estado. Isso foi o resultado da estupidez ideológica aliada à direita
mais feudal do país, de Lenin a Sarney. O PT não me decepcionou apenas por seus
erros; ele me fez descrente da raça humana.
E vamos combinar: já há uma
catástrofe. Queremos não ver, mas a evidência é perturbadora. O país foi
metodicamente danificado econômica e socialmente. Eu e provavelmente muitos de
vocês leitores não vamos sofrer tanto com a estagflação que vivemos. Agora, os
que não lerão esta coluna, milhões de desvalidos, vão sentir na carne o novo
estilo para a miséria. Vem aí a nova miséria — um “arrière-goût”, um toque
de... África e Índia. Sim.
A miséria era o grande capital do
governo Lula. O PT sempre teve ciúmes da miséria. Sempre que o FHC tentou
cuidar da miséria, o PT reagiu como um marido enganado.
Antes, havia uma miséria “boa”,
controlável. Tínhamos pena, ela aplacava nossa consciência, desde que ficasse
no seu lugar. A miséria tinha uma “função social”. Achávamos que nosso
escândalo ajudava os pobres de alguma forma. Para nós pequenos burgueses, a
miséria era bandeira abstrata, a miséria dos outros era nosso problema
existencial. O fim das ilusões gerou um desalento que dá lugar a um alívio
quase feliz.
A situação é gravíssima e ninguém
sabe como revertê-la. Como imaginar esse Congresso sujo aprovando reformas e
ajustes contra o atraso, justamente eles que desejam o atraso, tão propício a
roubalheiras mais tradicionais? O escândalo foi desmoralizado — estamos sendo
arrasados pela “normalidade”. Isso. Estamos nos acostumando a essa anomalia e
vamos aceitando a crescente desgraça com fatalismo ou cinismo: tinha que ser
assim ou dane-se...
E aí surge a turma do “precisamos”,
da qual eu faço parte, tristemente. “Precisamos” disso, daquilo, mas ninguém
sabe como resolver. Não temos agentes executores da política do “precisamos”.
“Precisamos” resolver o problema da
administração nos estados e municípios, que já estão sem verbas para pagar os
funcionários públicos, os hospitais sem remédio, os limpa-fossas, sei lá.
“Precisamos” combater a violência, mas nada funciona para impedir o crime
crescente. A polícia não tem dinheiro. Os criminosos têm grana para comprar até
canhões antiaéreos no Paraguai. Não é que a violência vai apenas crescer; não
há como impedi-la, com traficantes vagando de metralhadora no Centro da cidade,
estuprando e matando.
Como imaginar um plano possível para
salvar e melhorar as favelas no Rio ou Recife ou Alagoas, em todas as cidades
principais, para além das UPPs? O que fazer? Cartas para a Redação.
Esta crise é especial, talvez
invencível.
Em geral, as crises surgem, acontecem
e, quase sempre, somem. Acabam. Até a terrível ditadura tinha um fim
previsível, mas, depois de 12 anos de absurdos do PT, esta crise agora é de
areia fina, de areias movediças; ela talvez não acabe, pois não tem um defeito
único a combater — é uma miscelânea de crimes históricos. A crise não tem um
inimigo só — é um ramalhete de equívocos.
A miséria é a ponta suja de uma
miséria maior. Nós fazemos parte dela. O Brasil está contaminado de misérias.
Não existe um mundo limpo e outro sujo. Um infecta o outro.
A burocracia é miséria, a corrupção é
miséria, a estupidez brasileira é miséria. A miséria não está nas periferias e
favelas; está no centro da vida brasileira.
Somos uns miseráveis cercados de
miseráveis por todos os lados.
Arnaldo Jabor é Cineasta e Jornalista. Originalmente publicado em O Globo em 21 de junho de 2016.
Um comentário:
O Jabor cada vez mais certeiro. E apesar de não querer falar, tal qual o amigo Serrão, todos nós sabemos que só existe uma solução.....INTERVENÇÃO MILITAR. O resto é balela, mais daquilo que já temos.Até quando seremos covardes e ignorantes de não querer ver e manifestar a verdade?
Robertho Camillo.
Postar um comentário