Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Carlos I. S. Azambuja
Mais uma análise da obra de Michael
S. Voslensky: A Nomenklatura - Como Vivem as Classes Privilegiadas na União
Soviética. Editora Record – 4ª edição, 1980.
“A bosta do boi é mais útil que os
dogmas, pois serve para fazer estrume” (Mao-Tsetung)
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O Terceiro Reich valorizava a origem
ariana, como a URSS valorizou a origem proletária. A propaganda soviética
não se cansou de querer alegar as provas da origem não ariana dos dirigentes
nazistas. Seus esforços foram em vão. Ela se esforçou em provar a origem
proletária de seus dirigentes. Também sem sucesso: malgrado todos os seus
esforços para se apresentar como antigos proletários, a maior parte dos
dirigentes jamais levou a cabo nenhum trabalho manual.
A respeito disso, nada de espantoso:
vimos que Lenin não tinha a intenção de formar a organização dos
revolucionários profissionais – embrião da NOVA CLASSE – sobre uma base
operária. Do mesmo modo, os carreiristas da Nomenklatura stalinista, não eram antigos
operários.
Mas, era-lhes extremamente difícil
admiti-lo abertamente, pois o Partido se definia como “vanguarda da classe
operária”, “destacamento organizado da classe operária”, ou como “a mais alta
forma de organização da classe do proletariado”(Stalin).
Como uma lenda faz nascer outra,
depois se disse que a direção e o aparelho do Partido representavam o conjunto
da classe operária. Apparatchiks de mãos cuidadas, que jamais tinha
posto os pés na fábrica, escreviam “operário’ no item “estado social” de
todos os questionários. O ridículo do caso era gritante: um suspiro de alívio
atravessou as fileiras da Nomenklatura quando se abandonou a terminologia
“Partido da classe operária” e se fez do PCUS o “Partido do Povo“ .
Pode ainda ocorrer que um
nomenklaturista se gabe de ter iniciado a vida como operário. Espera-se, com
isso, provar que a classe operária está representada na direção do Estado. O
fato de que um nomenklaturista, Secretário de um Comitê de Região há 40 anos,
tenha passado um ano numa fábrica, não provará, jamais, que ele é um
representante da classe operária. Durante a guerra, os estudantes
universitários foram recrutados para a agricultura. Foi assim que comecei minha
vida profissional, numsovkhose, e não será por isso que sou um proletário.
Que “um antigo operário” dessa
espécie seja Secretário de Comitê de Região do Partido, não provará que a
classe operária dirige o país. Não faltam miliardários americanos que começaram
como verdureiros ambulantes ou jornaleiros. Isso não quer dizer que os
verdureiros ambulantes ou os jornaleiros sejam a classe dirigente do
capitalismo americano.
O papel real que representa uma
classe na sociedade demonstra o destino daqueles que pertencem a essa classe.
Quando a propaganda soviética sublinha a origem operária de alguns de seus
elementos, prova, por isso mesmo, que só se conquistou o Poder na URSS
afastando a classe operária. Os funcionários de direção jamais foram afastados
da Nomenklatura e continuam a viver ali tranqüilamente.
Em que camadas sociais se recruta a
Nomenklatura?
Em 1971,
o Kommunist, jornal do Comitê Central do PCUS, anunciou que 80% dos
Secretários dos CC de repúblicas federadas, dos Comitês de Região, e cerca de
70% dos ministros de presidentes dos Comitês de Estado eram originários do
campesinato e do proletariado.
70 a 80% é uma percentagem menos
elevada do que a do ano de 1929. Naquela época, a percentagem de operários e
camponeses se elevava a 87,7%. 70 a 80% coincide exatamente com a percentagem
de operários e camponeses em relação à população total da URSS. Onde reside,
pois, a particularidade dessa vanguarda operária?
Examinemos as estatísticas com
atenção. Por que nos dão uma cifra global, reunindo operários e camponeses? O
que nos interessa é conhecer a representação da classe operária no pessoal do
Partido. A classe camponesa nos interessa menos, já que se trata, supostamente,
da “ditadura do proletariado”. Os necrológios de funcionários da Nomenklatura
levam a acreditar que a enorme maioria dos nomenklaturistas da primeira geração
eram de origem camponesa.
Pode-se também perceber a relação
entre o número de operários e o número de camponeses da Nomenklatura, de acordo
com o seguinte exemplo: em 1946 havia 855 funcionários de direção somente pra a
região de Minsk; 709 dentre eles eram de origem camponesa – ou seja, quase 80%
-, e 58 tinham vindo do meio operário.
A tese da origem operária da
Nomenklatura não é verdadeiramente confirmada por esses números. Por outro
lado, esses números dão uma imagem fiel da composição social da região de Minsk
na época. Quando os nomenklaturistas iniciaram sua carreira, os camponeses
representavam efetivamente 80% da população daquela região, enquanto os
operários representavam uma minoria pouco importante. Vamos recair sempre no
mesmo ponto: a origem social da Nomenklatura corresponde simplesmente à
composição social do conjunto da população. Ou seja, a Nomenklatura não é
recrutada no proletariado. É recrutada em todas as camadas da população.
Se a Nomenklatua não pode provar a
sua característica proletária, podemos esperar que ela prove, pelo menos, sua
característica democrática. Ela representa o conjunto do povo? Não, a
Nomenklatura não representa absolutamente ninguém. Todos os Ivan Ivanovich
fazem acrobacias para atingir os primeiros escalões da Nomenklatura, mas
só as fizeram enquanto eram representantes de suas classes de origem.
Se tivermos uma conversa um pouco
mais privada com um nomenklaturista, poder-se-á dar conta que ele só tem
desprezo e antipatia pela classe de que é originário, e que ainda está colada
nas solas de seus sapatos importados. Mikhail Kotov, Secretário-Geral do Comitê
Soviético para a Paz, representante típico do camponês russo na sua atitude e
na sua fala, sempre nos deixava estupefatos pelo profundo desprezo que tinha
por tudo aquilo que lhe lembrava o campo e os costumes camponeses.
A hostilidade dos nomenklaturistas
pelo seu meio de origem não é somente revelada nas palavras de desdém: sua ação
destruidora também largamente os trai. São precisamente os leninistas os
destaques daintelligentsia, os que oprimiram, por todos os meios possíveis, os
intelectuais russos. A Nomenklatura stalinista, hoje envelhecida, era, na
maioria, de origem camponesa, e foi precisamente ela quem perseguiu os
camponeses durante anos, e de todas as maneiras imagináveis.
O desgosto hostil dos
nomenklaturistas por seu meio social de origem é um estado de espírito muito
instrutivo. Os nomenklaturistas não representam ninguém. Assim que atravessam
os primeiros escalões da Nomenklartura, representam apenas eles próprios.
A Nomenklatura se considera, com
razão, uma nova comunidade social, não como uma simples comunidade entre as
outras, mas como um grupo à parte, investidos do direito de olhar os outros de
cima. Essa concepção se justifica: não pelas virtudes excepcionais da
Nomenklatura, mas porque ela É UMA CLASSE DOMINANTE.
A Nomenklatura não reúne
representantes de todas as classes sociais. Ela reúne os homens sem classe: os
desclassificados.
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