Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Carlos
I. S. Azambuja
O texto abaixo foi escrito por Lew Rockwell - Chairman e CEO
do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com, e autor
dos livros Speaking of Liberty e The Left, the Right, and the State. Tradução de Leandro Roque
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Antes da Revolução Russa, o Partido
Comunista tinha duas alas: Bolchevique/Menchevique.
Os Bolcheviques acreditavam na imediata
imposição do socialismo por meios violentos, com confisco armado das
propriedades, das fábricas, e das fazendas, e o assassinato dos burgueses e
reacionários que porventura oferecessem resistência.
Já os Mencheviques (que também se auto-rotulavam social-democratas)
defendiam uma abordagem mais gradual, não-violenta e não-revolucionária para o
mesmo objetivo. Para estes, a liberdade e a propriedade deveriam ser
abolidas pelo voto da maioria.
Os Bolcheviques venceram a Revolução
Russa e implantaram o terror. No entanto, após cometerem crimes inimagináveis, eles praticamente
desapareceram do cenário. Já os Mencheviques, no entanto, não apenas
seguem vivos como também se fortaleceram e se expandiram, e estão no poder de
boa parte dos países democráticos.
Os Mencheviques modernos seguem, em
sua essência, as mesmas táticas dos Mencheviques russos. Ao invés de abolirem a
propriedade privada e a economia de mercado, como queriam os Bolcheviques, os
atuais Mencheviques entenderam ser muito melhor um arranjo, no qual a
propriedade privada e o sistema de preços são mantidos, mas o Estado mantém os
capitalistas, e uma truncada economia de mercado, sob total controle,
regulando, tributando, restringindo e submetendo todos os empreendedores às
ordens do Estado.
Para os Mencheviques atuais,
tradições burguesas como propriedade privada e economia de mercado devem ser
toleradas, mas a economia tem de ser rigidamente regulada e tributada.
Políticas redistributivistas são inegociáveis. Uma fatia da renda
dos indivíduos produtivos da sociedade deve ser confiscada e redistribuída para
os não-produtivos. Grandes empresários devem ser submissos aos interesses
do regime e, em troca, devem ser beneficiados por subsídios e políticas
industriais, e também protegidos por tarifas protecionistas.
Acima de tudo, cabe aos burocratas do
governo — os próprios Mencheviques — intervir no mercado para redistribuir toda
a riqueza e manter a economia funcionando de acordo com seus desígnios.
No entanto, a estratégia menchevique
não se resume à economia. A questão cultural é tão ou mais
importante. Para os Mencheviques atuais, a cultura burguesa deve ser
substituída por uma nova mentalidade condicionada ao modo de pensar
social-democrata, e a estratégia para isso consiste na imposição lenta e
gradual de uma revolução cultural.
Os Mencheviques, fiéis ao seu ideal
"democrático", sempre se sentiram desconfortáveis com a idéia de
revolução, preferindo muito mais a "evolução" gradual produzida pelas
eleições democráticas. O Estado deve ser totalmente aparelhado por
intelectuais partidários e simpatizantes, de modo a garantir uma tomada
hegemônica das instituições culturais e sociais do país. Daí a
desconsideração pelos gulags e pela revolução armada.
Como
tudo começou
As raízes do menchevismo atual não
estão na Rússia de Lênin, mas sim na Londres de 1883, quando um grupo de
socialistas, adeptos do gradualismo, fundou a Sociedade Fabiana. Liderada por um
cidadão chamado Hubert Bland, os mais
famosos membros da sociedade eram o dramaturgo George Bernard Shaw, os autores Sidney e Beatrice Webb,
e o artista William Morris.
A Sociedade Fabiana tem este nome em
homenagem a Quintus Fabius Maximus, político, ditador e general da
República Romana (275-203 A.C.), que conseguiu derrotar Aníbal na Segunda Guerra Púnica, adotando
a estratégia de não fazer confrontos diretos e em larga escala (nos quais os
romanos haviam sido derrotados contra Aníbal), mas sim de incorrer apenas em
pequenas e graduais ações, as quais, ele sabia que podia vencer, não importando
o tanto que ele tivesse de esperar.
Em suma, Quintus Fabius Maximus era
um estrategista militar que evitava qualquer confrontação aberta e decisiva; em
vez disso, ele preferia fatigar seus oponentes com táticas procrastinadoras e
cansativas, manobras enganadoras e assédios contínuos.
Fundada exatamente no ano da morte de
Marx com o intuito de promover as idéias do filósofo alemão por meio do
gradualismo, a Sociedade Fabiana almejava "condicionar" a sociedade, como disse a fabiana Margaret Cole, por meio de medidas
socialistas disfarçadas. Ao atenuar e minimizar seus objetivos, a
Sociedade Fabiana tinha o intuito de não incitar os inimigos do socialismo,
tornando-os menos combativos.
Ao contrário dos revolucionários
marxistas, os socialistas fabianos conheciam muito bem o funcionamento das
políticas públicas britânicas. Sendo os especialistas originais, eles
fizeram várias pesquisas, elaboraram planos, publicaram panfletos e livros, e
criaram várias propostas legislativas, sempre contando com a ajuda de aliados
nas universidades, igrejas e jornais. Eles também treinaram oradores,
escritores e políticos. Sidney Webb foi além e fundou a London School of
Economics em 1895 para ser o quartel-general desse trabalho.
Embora a Sociedade Fabiana jamais
houvesse tido mais do que 4.000 membros, foram eles que criaram, promoveram e
conduziram pelo Parlamento a maior parte das políticas sociais britânicas até o
início da década de 1980. O resultado foi uma economia em frangalhos e
uma sociedade esclerosada, situação esta que só começou a ser revertida quando
Margaret Thatcher começou a "desfabianizar" a Inglaterra.
Os fabianos foram bem-sucedidos em
seu objetivo de criar um "estado provedor", um estado assistencialista que cuidaria não
apenas dos pobres, mas também da classe média, do berço ao túmulo.
Seja na forma de compensações
trabalhistas, ou de pensões e aposentadorias, seguro-desemprego e medicina
socializada, os fabianos sempre enfatizaram a "reforma
social". Segundo o escritor John T. Flynn, os
fabianos perceberam prematuramente o imenso valor das reformas sociais em
acostumar os cidadãos a ver o Estado como a ferramenta para curar todas as suas
doenças e inquietudes. Eles viram que uma agitação em prol de um Estado
assistencialista poderia se tornar o veículo ideal para incutir idéias
socialistas nas mentes do cidadão comum.
Outra inovação fabiana: reformas
sociais invariavelmente envolviam algum tipo de "seguridade". As pessoas seriam induzidas a aceitar o socialismo
caso este fosse apresentado por meio de modelos oriundos das ciências
atuariais, tendo empresas de seguro como base.
Empresas de seguro genuínas,
baseando-se em estatísticas de distribuição aleatória de acidentes, coletam
dinheiro de seus segurados na forma de um consórcio e concentram-no em um
fundo, desta forma tornando o mundo menos incerto para seus membros. Os
fabianos, muito espertamente, pegaram esse modelo e disseram: concentremos a
riqueza de todos nas mãos do Estado e seremos felizes, saudáveis e teremos uma
vida melhor.
Aneurin Bevan, o Ministro da Saúde fabiano
do governo trabalhista dos pós-guerra, que criou o National Health
Service — o sistema estatal de saúde britânico, chegou
realmente a argumentar que tal modelo iria drasticamente
aumentar a expectativa de vida de todos, chegando ao ponto de postergar a morte
indefinidamente.
Mas a verdadeira visão fabiana do
Estado foi mais bem explicitada no livro de Sidney e Beatrice Webb intituladoSoviet Communism: A New
Civilization?, publicado em 1935 (o ponto de interrogação foi
removido do título após a primeira edição). O livro glorificava a URSS de
Stalin como se fosse virtualmente um paraíso na terra.
Como marxistas, embora de outra
estirpe, os Webbs aprovavam o stalinismo — se não os meios, os fins.
"Os fabianos eram, de uma certa forma, marxistas mais bem treinados do
que o próprio Marx", disse Joseph Schumpeter.
Concentrar-se nos problemas que podem
ser alterados por métodos políticos práticos, adaptar-se à evolução das
questões sociais, e deixar o objetivo supremo ser alcançado automaticamente
[por meio da alteração cultural das massas] é algo que está muito mais de
acordo com a doutrina fundamental de Marx do que a ideologia revolucionária que
ele próprio propôs.
Conclusão
No linguajar fabiano, impostos são
"contribuições", gastos do governo são "investimentos", criticar o governo é "entreguismo" ou "falta de patriotismo", donos de propriedades são "elites", "reacionários" e "privilegiados", e "mudança" significa " socialismo".
Quando os atuais social-democratas
pedem "sacrifícios" da
população em prol dos "ajustes" do
governo, tenha em mente que os fabianos diziam exatamente o mesmo, defendendo,
segundo as próprias palavras de Beatrice Webb,
a "transferência" da "emoção
do serviço sacrificante" de Deus para o Estado.
Para os fabianos, o Estado (seus
burocratas e toda a sua mentalidade) é o único Deus por quem a população deve
se sacrificar.
Por fim, vale ressaltar que o
desaparecimento dos bolcheviques nunca foi lamentado pelos social-democratas
fabianos. Muito pelo contrário: os social-democratas fabianos agora detêm
o monopólio da marcha "progressista" da História rumo à Utopia.
A janela de vidro pintada que adorna
a casa de Beatrice Webb em Surrey, Inglaterra, mostra George Bernard Shaw e Sidney
Webb remodelando o mundo com uma bigorna, tendo ao fundo o brasão da Sociedade Fabiana:
um lobo em pele de cordeiro.
Aquele lobo está hoje entre nós.
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
Um comentário:
Belíssimo artigo. Esclareceu todas as dúvidas que tinha. Parabéns e muito obrigado.
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