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Por Demétrio Magnoli
Eike Batista valia
US$ 1,5 bilhão em 2005, US$ 6,6 bi em 2008, US$ 30 bi em 2011 e US$ 9,5 bilhões
em março passado, depois de 12 meses nos quais seu patrimônio encolheu num
ritmo médio de US$ 50 milhões por dia. Desconfie das publicações de negócios
quando se trata do perfil dos investimentos de grandes empresários.
Apenas
cinco anos atrás, uma influente revista de negócios narrou a saga de Eike sem
conectá-la uma única vez à sigla BNDES. Mas o ciclo de destruição implacável de
valor das ações do Grupo X acendeu uma faísca de jornalismo investigativo.
Hoje, o nome do empresário anda regularmente junto às cinco letrinhas
providenciais — e emergem até mesmo reportagens que o conectam a outras quatro
letrinhas milagrosas: Lula.
A
história de Eike é, antes de tudo, um emblema do capitalismo de estado
brasileiro. Durante o regime militar, Eliezer Batista circulou pelos portões
giratórios que interligavam as empresas mineradoras internacionais à estatal
Vale do Rio Doce. Duas décadas depois, seu filho converteu-se no ícone de uma
estratégia de modernização do capitalismo de estado que almeja produzir uma
elite de megaempresários associados à nova elite política lulista.
“O
BNDES é o melhor banco do mundo”, proclamou Eike em 2010, no lançamento das
obras do Superporto Sudeste, da MMX. O projeto, orçado em R$ 1,8 bilhão,
acabava de receber financiamento de R$ 1,2 bilhão do banco público de
desenvolvimento, que também é sócio das empresas LLX, de logística, e MPX, de
energia. No ano seguinte, o banco negociou com o empresário duas operações de
injeção de capital no valor de R$ 3,2 bilhões, aumentando em R$ 600 milhões sua
participação na MPX e abrindo uma linha de crédito de R$ 2,7 bilhões para as
obras do estaleiro da OSX, orçadas em pouco mais de R$ 3 bilhões, no Porto do
Açu, da LLX. Hoje, o endividamento do Grupo X com o banco mais generoso do
mundo gira em torno de R$ 4,5 bilhões — algo como 23% do seu valor total de
mercado.
“A
natureza sempre foi generosa comigo”, explicou Eike. “As pessoas ricas foram as
que mais ganharam dinheiro no meu governo”, explicou Lula. A política, não a
economia, a “natureza” ou a sorte, inflou o balão do Grupo X. Dez anos atrás, o
BNDES não era “o melhor banco do mundo”. Ele alcançou essa condição por meio de
uma expansão assombrosa de seu capital deflagrada no fim do primeiro mandato de
Lula da Silva. A mágica sustentou-se sobre o truque prosaico da transferência
de recursos do Tesouro Nacional para o BNDES. O dinheiro ilimitado que irrigou
o Grupo X e impulsionou uma bolha de expectativas desmesuradas no mercado
acionário é, num sentido brutalmente literal, seu, meu, nosso, dos filhos de
todos nós e das crianças que ainda não nasceram, mas pagarão a conta da dívida
pública gerada pela aventura do empresário emblemático.
Eike
é emblema, mas também indício. A saga da célere ascensão e do ainda mais rápido
declínio do Grupo X contém uma profusão de pistas, ainda não exploradas, das
relações perigosas entre o círculo interno do lulismo e o mundo dos altos negócios.
Na condição de “consultor privado”, em julho de 2006, o ex-ministro José Dirceu viajou à Bolívia, num jatinho da MMX, exatamente quando o governo de Evo Morales recusava licença de operação à siderúrgica de Eike. Nos anos seguintes, impulsionado por um fluxo torrencial de dinheiro do BNDES, o Grupo X atravessou as corredeiras da fortuna. Durante a travessia, em 2009, o empresário contou com o beneplácito de Lula para uma tentativa frustrada de adquirir o controle da Vale, pela compra a preço de oportunidade da participação acionária dos fundos de pensão, do BNDES e do Bradesco na antiga estatal. Naquele mesmo ano, o fracasso de bilheteria “Lula, o filho do Brasil”, produzido com orçamento recordista, contou com o aporte de um milhão de reais do empreendedor X.
A
parceria entre os dois “filhos do Brasil” não foi abalada pela reversão do
movimento da roda da fortuna. Em janeiro passado, a bordo do jato do virtuoso
empresário, Eike e o ex-presidente visitaram o Porto do Açu. O tema do encontro
teria sido um plano de transferência para o Açu de um investimento de R$ 500
milhões de um estaleiro que uma empresa de Cingapura ergue no Espírito Santo.
Em março, depois que Lula recomendou-lhe prestar maior atenção às demandas dos
empresários, Dilma Rousseff reuniu-se com 28 megaempresários, entre eles o
inefável X. Dias depois, numa reunião menor, a presidente e um representante do
BNDES teriam se sentado à mesa com Eike e seus credores privados do Itaú,
Bradesco e BTG-Pactual.
Equilibrando-se
à beira do abismo, o Grupo X explora diferentes hipóteses de resgate. O BNDES,
opção preferencial, concedeu um novo financiamento de R$ 935 milhões para a MMX
e analisa uma solicitação da OSX, de créditos para a construção de uma
plataforma de petróleo. Entrementes, diante da deterioração financeira do
“melhor banco do mundo”, emergem opções alternativas. No cenário mais provável,
o Porto do Açu seria resgatado por uma série de iniciativas da Petrobras e da
Empresa de Planejamento e Logística. A primeira converteria a imensa estrutura
portuária sem demanda em base para a produção de petróleo na Bacia de Campos. A
segunda esculpiria um pacote de licitações de modo a ligar o porto fincado no
meio do nada à malha ferroviária nacional, assumindo os riscos financeiros da
operação.
No
registro do emblema, a vasta mobilização de empresas estatais e recursos
públicos para salvar o Grupo X pode ser justificada em nome da “imagem do país
no exterior”, como sugere candidamente o governo, ou da proteção da imagem do
próprio governo e de seu modelo de capitalismo de estado, como interpretam as
raras vozes críticas. No registro do indício, porém, o resgate em curso
solicitaria investigações de outra ordem e de amplas implicações — que, por
isso mesmo, não serão feitas.
Demétrio Magnoli é sociólogo. Originalmente publicado em O Globo em 25 de abril de 2013.
2 comentários:
Tem algo que não fecha nessa história aí. Citou-se Lula, Eike mas onde esta o Sérgio Cabral Filho? Afinal Cabral é intimamente ligado tanto a Lula quanto a Eike. Ainda esta faltando uma peça do quebra cabeça. Lembrando que quem financia as tais UPPs são o Sr. Eike Batista. Aquelas Pickups da Nissan que a PMERJ usa foram compradas por ele...o estado apenas fez a plotagem, ou seja o adesivamento. Já que ele estaria intermediando a construção de uma fábrica na Nissan em terrório Fluminense.
Caro Serrão,
governador e baba-ovos de políticos salafrários são muito machos para encarcerar menores.Não que tenham que ficar impunes pelos atos criminosos que estão deflagrando. Mas e a contrapartida? Quem se disponibiliza a capturar os corruptores milionários com suas mercedes e mansões?
Ninguém. A fábrica de marginais só vai apressar a formação de mais marginais. Não adianta matar o vírus da dengue, tem que matar o mosquito.
Ronaldo Fontes
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