Por João Baptista Herkenhoff
Muitos atores compõem o chamado universo jurídico:
juízes, membros do Ministério Público, advogados, peritos, serventuários e
funcionários da Justiça em geral.
Cada qual tem seu papel mas a pretensão desta
página é refletir sobre a missão do advogado.
Ao nos colocarmos à face do Advogado para desvendar
sua missão, acabamos por enveredar por outros caminhos. Tratamos, por exemplo,
da luta pela sacralidade da pessoa humana. Cuidamos dos Direitos Humanos e dos
compromissos concretos que decorrem da decisão existencial de optar por essa
causa.
Figuras sagradas da Advocacia, nem sempre
conhecidas pelos jovens como deveriam ser, são mencionadas com reverência.
Num mundo e numa época em que se perdem os
referenciais éticos, os mais velhos têm o dever de ajudar os mais jovens a
buscar o sentido essencial das coisas.
Ex-alunos que se tornaram advogados e alunos de
hoje que se preparam para um dia servir ao Direito, como advogados ou mesmo
noutros misteres ligados ao mundo jurídico, frequentemente me interpelam sobre
o que entendo deva ser o fundamento da ética profissional.
Destaco três pontos na ética do advogado:
seu compromisso com a dignidade humana;
seu papel na salvaguarda do contraditório;
sua independência à face dos Poderes e dos
poderosos.
Em primeiro lugar, creio que é a luta pela
dignidade da pessoa humana que faz da Advocacia, não uma simples profissão, mas
uma escolha existencial.
Se nos lembramos de Rui Barbosa, Sobral Pinto,
Heleno Cláudio Fragoso, qual foi a essência dessas vidas?
Respondo sem titubear: a consciência de que a
sacralidade da pessoa humana é o núcleo ético da Advocacia.
Esta é uma bandeira de resistência porque se
contrapõe à “cultura de massa” que se intenta impor à opinião pública, no
Brasil contemporâneo.
A “cultura de massa” inocula o apreço “seletivo”
pela dignidade humana. Em outras palavras: só algumas pessoas têm direito de
serem respeitadas como pessoas.
Há um discurso dos Direitos Humanos que é um
discurso das classes dominantes. Nações poderosas pretenderam e pretendem
“ensinar” direitos humanos. Esquecem-se essas nações que o imperialismo
político e econômico é talvez a mais grave violação dos Direitos Humanos.
Os Direitos Humanos que propomos aos jovens como
“opção de vida” não são, obviamente, os Direitos Humanos dos poderosos da
Terra, dos que fazem dessa causa um instrumento da mentira.
Preferimos buscar noutras fontes a seiva dos
Direitos Humanos. E, a nosso ver, a mais rica seiva são os
movimentos populares.
De minha parte, não foi somente nos livros que
aprendi Direitos Humanos. Suponho que aprendi muito mais na prática, ao me
comprometer com a luta dos oprimidos. Não foi um esforço solitário, mas, pelo
contrário, coletivo. Companheiros que aprendiam e ensinavam – partilhavam – na
Comissão “Justiça e Paz” da Arquidiocese de Vitória.
Aprendemos Direitos Humanos:
a) nas prisões, defendendo a dignidade humana dos
presos, que não podem ser tratados como se bichos fossem;
b) nas chamadas “invasões”, que devem ser
consideradas “ocupações”, quando se trata de terras ociosas, guardadas para
fins meramente especulativos, e o suposto invasor santifica esse pedaço de chão
com o seu trabalho, para sustento da família;
c) na Catedral de Vitória, que foi aberta aos “sem
teto”, quando ocorreram “despejos em massa” na capital do Espírito Santo;
d) nas margens do Rio Doce, onde famílias estavam
desabrigadas, por causa das enchentes do rio.
A apropriação dos Direitos Humanos pelos movimentos
populares não significa desprezar a construção dos Direitos Humanos a partir de
outros referenciais e outras origens.
Se o objetivo é a dignidade da pessoa humana, é a
ruptura de todas as formas de opressão, as vertentes acabam por encontrar-se e
os militantes hão de comungar as mesmas lutas.
Nosso segundo ponto lembra que o Advogado
salvaguarda o contraditório, isto é, o embate de teses e provas que se defrontam
perante o juiz. Já Sêneca percebeu a necessidade do contraditório
quando afirmou que “quando o juiz após ouvir somente uma das partes sentencia,
talvez seja a sentença justa. Mas justo não será o juiz”.
Finalmente, vejo a independência em face dos Poderes
e dos poderosos como atributo inerente ao papel do Advogado. Não
tema o advogado contrariar juízes, desembargadores ou ministros. Não tema o
advogado a represália dos que podem destruir o corpo, mas não alcançam a alma.
Não tema o advogado a opinião pública. Justamente quando todos
querem “apedrejar” aquele que foi escolhido como “Inimigo Público Número 1”, o
advogado, na fidelidade à defesa, é o Supremo Sacerdote da Justiça.
João Baptista Herkenhoff, magistrado aposentado, é
palestrante pelo Brasil afora e escritor. Acaba de publicar Encontro do
Direito com a Poesia – Crônicas e escritos leves (GZ Editora, Rio de
Janeiro). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br
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