Por João Baptista Herkenhoff
No momento em que o Papa Francisco visita o Brasil, meu espírito se
volta para a lembrança de São Francisco de Assis.
Ao nos postarmos à face de Francisco de Assis, a primeira ideia que nos
vem é a do santo que amou a natureza e viu os animais como irmãos. Mas além
deste amor universal a todos os seres vivos, Francisco amou os seus semelhantes
com a paixão do devotamento irrestrito.
Na sua tradição biográfica, registra-se que ele recebeu de Deus esta
missão: “Vai, Francisco, reconstroi a minha casa.”
A casa humana tinha sido transformada numa casa de indiferença e
egoísmo. Francisco recebia a missão de reconstruir a casa incendiando-a de
Amor. Mais do que beijar a perna do leproso, Francisco beijou-lhe a alma. Nesse
ósculo de dimensão infinita, o irmão Francisco reconstruía a casa de Deus.
A casa que tinha de ser reconstruída não era a casa de ateus ou de
descrentes. Era a casa dos que se ajoelhavam, rezavam, cantavam hinos de louvor
mas esqueciam que o legado de Jesus Cristo não foi feito de ritos, mas de atos.
Assumindo o nome de Francisco, o Papa que foi Bergoglio assina o
compromisso de, novamente, reconstruir a casa de Deus, hoje certamente bem mais
em frangalhos do que no tempo do visionário de Assis.
Não me parece relevante que Francisco seja tão somente um Papa do
Terceiro Mundo, de nossa vizinha Argentina. Mas que ele seja uma voz profética
do Terceiro Mundo, tão corajoso e despojado quanto seu compatriota o Prêmio
Nobel da Paz Adolfo Péres Esquivel. Este testemunhou em favor de Francisco
quando, após a eleição papal, pretenderam atribuir ao então
Cardeal Bergoglio cumplicidade com a ditadura comandada pelo General Videla.
Esquivel repudiou a infâmia levantada e afirmou, peremptoriamente, que a
acusação não tem o mínimo fundamento.
Compartilho a esperança do sempre inspirado Frei Leonardo Boff no
sentido de que um revolucionário silencioso e humilde assentou-se na cátedra
romana. Creio que não será um Papa disposto a impor pena de silêncio à voz
discordante mas, pelo contrário, propenso a ouvir e dialogar, consciente de que
Roma não detém o monópolio da verdade.
E ao refletir, no meu universo interior, sobre Francisco de Assis, leio
que os Alcoólicos Anônimos ganharam o Prêmio Franciscano. A láurea foi
concedida em reconhecimento ao trabalho dos AA para a recuperação de vidas.
Quanto serviço essa benemérita instituição tem prestado à dignidade da
pessoa humana! Quão profundo é o vínculo de Francisco com todas as
manifestações de amor que possam irromper no mundo!
João Baptista Herkenhoff, escritor, é Juiz de Direito aposentado e
membro emérito da Comissão Justiça e Paz da Arquidioces de Vitória.
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
Um comentário:
Parabéns, parabéns pelo lindo artigo. Pelo menos um articulista falou do que importa, que é refazer e reconstruir o espírito e remover o "espírito de porco" que tomou conta do Brasil.
A vinda do Papa é simbólica, na hora certa, e convida a refletir sobre o que podemos fazer melhor, em vez de dar energia à toda uma cultura de corrupção e crime.
Em tempo: este Papa é meio milagroso. O maior milagre dele se encontra no impacto que a simples presença dele faz nos corações das pessoas. Eu moro na Europa, e desde que ele foi eleito vejo um milagre por dia -que não aparecem na mídia nem são espetaculares, mas são os mais difíceis de se conseguir que existem - que é ver uma pessoa desesperançada e descrente da humanidade retomar a esperança e a fé.
E acreditem, o europeu é cínico. E se até estes estão mudando a postura por causa do Papa, há esperanças para o mundo.
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