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Por Carlos I. S. Azambuja
A República Democrática Alemã (RDA)
foi colocada pelos historiadores, durante o período de Guerra-Fria,
entre os Estados que mais ativamente patrocinaram o terrorismo. A abertura dos
arquivos do Ministério do Interiorde Segurança do Estado mostrou
que o HvA, de fato, colaborou com diversas organizações, bem
como apoiou grupos revolucionários envolvidos com o terrorismo.
Markus Johannes Wolf (“Misha”),
o denominado “Homem sem Rosto”, que por 33 anos foi o chefe do setor de Informações
Exteriores do Ministério, evidentemente sabia de tudo. Sabia dos
muitos vínculos que a RDA tinha com organizações terroristas do Ocidente.
O fato é que está mais do que
comprovado que a RDA e seus Serviços de Informações deram
apoio técnico, financeiro e treinamento a organizações engajadas no terrorismo
contra governos e instituições civis como parte de suas estratégias.
A Frente Patriótica Manuel
Rodriguez, do Chile, foi um dos grupos terroristas que
receberam treinamento na RDA e em Cuba. Além do mais, a RDA também protegeu
terroristas que escaparam da RFA, como os do grupo Baader
Meinhof. Sobre isso, Markus Wolf,
cinicamente, escreveu que a RDA tolerava as organizações de libertação nacional que empregavam o
terrorismo.
“Como poderíamos saber
com certeza que o que oferecíamos poderia ser usado de maneira que
desaprovássemos?” Ora, o general Markus Wolf deveria
saber que a luta terrorista para derrubar governos constituídos não era um pic-nic e que a aprovação estava implícita no próprio treinamento.
Markus Wolf, em seu livro “O
Homem sem Rosto”, editora Record, 1997, escreveu sobre isso.
Reconheceu que o que seu país tenha feito de errado “equivalia ao que o
Ocidente fez na batalha contra o comunismo”, e que “era assim que a
guerra era travada em algumas frentes”.
Reconheceu também que a dignidade e a
liberdade humanas em alguns regimes são restringidas em conseqüência de uma
política excessivamente zelosa de segurança do Estado, bem como o uso
sistemático de torturas para punir adversários. “E isso aconteceu na RDA”,
completa.
O fato é que ao final dos anos 70 o
Ministério e o Departamento chefiado por Markus Wolf estiveram envolvidos em
inúmeras alianças com forças estrangeiras que utilizavam o terror como forma de
luta, como a Al-Fatah da OLP, o terrorista autônomo e
assassino venezuelano Ilich Ramirez Sanchez (“Carlos, o Chacal”), os
chilenos da Frente Patriótica Manuel Rodriguez, o grupo terrorista
alemão ocidental Fração do Exército Vermelho (“Baader
Meinhof”), George Habash chefe da radical Frente Popular pela
Libertação da Palestina (que mantinha um apartamento em Dresden e sua
filha estudava em uma Universidade na então Alemanha Oriental), Abu Nidal (os
militantes de seu grupo receberam treinamento em técnicas de lançamento de
mísseis) e outros. Além do treinamento a grupos terroristas, o Serviço mantinha
contatos com a Eta-Basca e o Exército Republicano
Irlandês (IRA). Esses contatos eram conhecidos por um reduzidíssimo
número de funcionários.
Além de oferecer treinamento na RDA,
o Serviço também deu assistência a membros da Fração
do Exército Vermelho que haviam buscado refúgio no país. Alguns deles
receberam novas identidades e documentos com novas vidas fornecidos
pelo Ministério de Segurança do Estado, entre os quais Susanna
Albrecht, acusada de conduzir um grupo de extermínio até à casa de um amigo de
seu pai, Jürgen Ponto, diretor-executivo do Dresdner Bank; e Christian Klar e
Silke Maier-Witt, envolvidos no seqüestro e assassinato de Hans-Martin Schleyer,
presidente da Associação dos Industriais Alemães.
Três outros integrantes da Fração –
Inge Viett, Regina Nicolai e Ingrid Siepmann - também foram acolhidos pela RDA
procedentes da Checoslováquia, para onde haviam fugido. Cada um desses
terroristas recebeu uma história de fachada para justificar
suas presenças na RDA.
Além de tudo isso, seções de treinamento também ocorriam na RDA para
ex-membros da Fração ainda vivendo no Ocidente. Em 1981 e 1982
um grupo foi treinado em disparar armas pesadas contra o assento de passageiros
de um automóvel Mercedes, bem como instruídos de como se livrarem dos destroços.
Guerrilheiros do Congresso
Nacional Africano (CNA), a partir de meados dos anos 70 em diante,
também receberam treinamento na RDA e, sobre isso, nunca ocorreu qualquer
vazamento para o exterior. Os contatos eram feitos entre Joe Slovo, líder do Partido
Comunista Sul-Africano e o Comitê Central do Partido Comunista
da RDA.
“Carlos, o Chacal”, esteve por várias vezes na RDA. A primeira vez em
1979 através de ligações feitas pelo Iêmen do Sul, portando um passaporte
diplomático sírio. Ele havia reservado uma suíte no Palast Hotel.
Nos relatórios dos agentes da Stasi ele aparecia como um
fanfarrão, um burguês mimado que virou terrorista e que violava todas as regras
básicas de discrição, pondo em risco todos os que trabalhavam com ele.
Postava-se no bar do hotel até tarde da noite, bebendo copiosamente e paquerando
as mulheres, com uma pistola pendurada na cintura. Essas informações eram
reportadas ao Serviço pelas prostitutas.
O Serviço tolerava a
presença de estrangeiros envolvidos em atividades terroristas na esperança de
poder usá-los mais tarde em “casos graves” – um eufemismo para a
guerra total às nações que compunham a OTAN.
Apesar das promessas feitas pela OLP e outros grupos,
pelo menos dois ataques terroristas foram desfechados a partir do território da
RDA: o atentado à bomba ao Consulado da França em Berlim Ocidental, em 1983, e
o atentado à discoteca La Belle, ponto de encontro de militares
norte-americanos, também em Berlim Ocidental.
Nesse atentado perderam a vida dois
soldados norte-americanos e uma mulher, ferindo 150 pessoas. Os EUA alegaram
que o atentado fora orquestrado na embaixada da Líbia em Berlim Ocidental e a CIA alegou
também que o Serviço da RDA sabia de antemão dos preparativos
para o ataque.
De fato, um relatório do controle de
fronteira de Neiber reportava que os diplomatas líbios haviam entrado na RDA
com explosivos em sua bagagem. Suas identidades bem como ligações com
terroristas eram bem conhecidas. Isso levou a nada menos que o presidente
Reagan anunciasse que os EUA tinham provas cabais do envolvimento líbio.
Por que? O principal organizador do
atentado, de nome Chreidi, viajara com facilidade entre as duas Berlim durante
um período de intensificação das medidas de segurança no Checkpoint
Charlie. Todavia, fontes da OLP, citadas em documentos
encontrados no Serviço após a queda do Muro de Berlim
relatavam que Chreidi não era apenas um terrorista líbio, mas de fato um agente
a soldo dos EUA. Dez dias após o seu pronunciamento, o presidente Reagan
autorizou um ataque maciço à Líbia.
Também um grupo de militantes do
Partido dos Trabalhadores do Brasil recebia treinamento político ideológico na
RDA, em novembro de 1989, quando caiu o Muro, tendo retornado apressadamente ao
Brasil sem concluir o curso.
Após o chamado Massacre de
Munique, em 1972, realizado pelo Setembro Negro, a RDA decidiu
oferecer um status semi-diplomático à Al-Fatah.
Logo em seguida os guerrilheiros palestinos foram convidados aos acampamentos
secretos na região rural da RDA para treinamento militar (uso de armas, explosivos
e táticas de guerrilha).
“Um treinamento de rotina para
grupos de libertação nacional”, segundo escreveu Markus Wolf. Esse
treinamento era supervisionado por dois Departamentos do
Ministério, responsáveis por tarefas militares e treinamento: o HÁ-II (Contra-Espionagem)
e o AGM (Grupo de Trabalho do Ministro), bem como pelo Departamento chefiado
por Markus Wolf, o HvA. Para visitantes palestinos, os Oficiais do HvA ministravam
regularmente palestras sobre coleta de informações, codificação e
decodificação, bem como transmitiam suas experiências em técnicas de
contra-espionagem.
A maioria dos terroristas árabes que estavam ocultos na RDA cruzava a
fronteira sob cobertura diplomática árabe.
Segundo Markus Wolf, “em troca da
nossa ajuda e treinamento, esperávamos ganhar acesso às informações da OLP
sobre segurança, estratégia global e armamento dos EUA” (sic). É verdade
que os contatos com a OLP também facilitaram as operações dos
agentes do Serviço em Damasco e Aden.
É verdade que após a reunificação da
Alemanha, em todos os arquivos abertos por uma zelosa equipe de promotores da
RFA, não foram encontradas provas da cumplicidade de Markus Wolf com o
terrorismo. Ele apenas sabia, mas não fez nada... Escreveu em seu livro que “os
Serviços eram compartimentados” e que “nossa cooperação com a
OLP de Arafat e outros grupos semelhantes fazia parte de uma complexa manobra
política pela qual eu era pessoalmente responsável, e sei disso. Era uma
colaboração a serviço de nossa liderança política, e éramos tão politicamente motivados
nessa implementação quanto nas missões do passado no Terceiro Mundo”.
Nota: Além de apoiar o terror internacional, a STASI
também se notabilizou por fornecer assessoria para a polícia secreta de várias
ditaduras comunistas pró-soviéticas, como o governo do MPLA em Angola, o regime
genocida de Mangistú Marian na Etiópia e os sandinistas na Nicarágua, entre
outros.
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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