Os povos que não conhecem seu passado estão
condenados a repeti-lo.(Hegel)
Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Carlos I. S. Azambuja
“Só se salvarão os que souberem nadar”. Essa foi uma
frase memorável, pronunciado por Cataneo, cantor do trio cubano Taicuba, na
manhã de 8 de janeiro de 1959, quando Fidel Castro fazia sua entrada triunfal
em Havana, à frente de seus guerrilheiros. Hoje, Cataneo é chamado de “o
profeta”.
A lógica revolucionária limita o campo político a duas e
somente duas posições. Quem não está comigo, está contra mim; quem não é
revolucionário, é contra-revolucionário. Essa simplificação recebeu a benção
filosófica de Lenin, que a transformou em dogma. Frase semelhante foi repetida
pelo presidente W. Bush, após os atentados de 11 de setembro de 2001, nos EUA.
Na década de 60 no Brasil, e em toda a América Latina,
diversas organizações voltadas para a luta armada, influenciadas pelo êxito da
revolução cubana e objetivando “acelerar o processo”, vislumbraram a
possibilidade de substituir os tradicionais partidos comunistas pela guerrilha,
baseados nos escritos de Che Guevara sobre a guerra de guerrilhas e de Regis
Debray (foto acima) sobre o “foco guerrilheiro” e passaram a aplicar a doutrina
acima enunciada: “quem não está comigo está contra mim”.
Muito já se escreveu na América Latina e no mundo sobre
esse tema. As organizações guerrilheiras, surgidas dos setores radicalizados da
pequena burguesia das cidades, priorizavam a luta armada, as ações imediatas,
que serviriam de motor da revolução, negando, com essa prática, o papel
histórico do proletariado, doutrinariamente reivindicado pelos partidos
comunistas.
A teoria do “foco guerrilheiro”, materializada pelo
sucesso de Fidel Castro e Che Guevara em Cuba, foi sistematizada na época por
Regis Debray, um intelectual francês, em seu livro “Revolução na Revolução”,
que lhe teria sido ditado por Fidel Castro. Posteriormente, já em 1974, Regis
Debray, em outro livro, intitulado “A Crítica das Armas”, faria uma
autocrítica, mas voltaria a justificar essa teoria com novos argumentos.
Na década de 60, Debray – nascido na França em 1941 – era
um jovem jornalista, formado em Sociologia e seduzido pelas idéias marxistas e
ainda mais pela revolução cubana e pelo fotogênico espetáculo de uma ilha
paradisíaca governada por audazes barbudos que preparavam o assalto final
contra a fortaleza imperialista norte-americana, logo ali, a apenas 80 milhas.
Na época, em Cuba não faltavam os homens de ação, mas não
existiam teóricos capazes de explicar em que lugar ficariam os partidos
comunistas e as tradicionais organizações marxistas-leninistas ortodoxas. Desde
uma perspectiva teórica tornava-se fundamental explicar a ruptura da guerrilha
fidelista com o velho almanaque escrito por Marx e complementado por Lenin.
Afinal, não estava escrito que o comunismo surgiria como conseqüência da luta
de classes dirigida pela vanguarda revolucionária com base no proletariado,
organizada pelo seu estado-maior, o partido comunista?
Foi atribuída a Debray, então, a tarefa de compor outro
almanaque revolucionário para os novos tempos, a fim de justificar a tática
cubana que ele denominou de “teoria do foco guerrilheiro”, uma vez que
ele iria, seguramente, provocar a ira dos partidos comunistas tradicionais,
todos dependentes do Ouro de Moscou.
Assim surgiu o livro “Revolução na Revolução”, já
mencionado, que continha três teses fundamentais: a primeira advertindo que as
revoluções na América Latina deveriam partir de um “foco” militar rural
que, no momento adequado, daria à luz uma vanguarda política; a segunda,
afirmava que quando se inverte a ordem dos fatores – criando primeiro a
vanguarda política para depois gerar o “foco” – acarreta que a
organização política converte-se num fim em si mesma e adia para um futuro
distante a eclosão da luta armada; e a terceira indica o inimigo a ser
destruído: “o imperialismo ianque e seus capatazes locais”.
Segundo Debray, Che Guevara dizia que uma das três regras
de ouro era a desconfiança constante. Desconfiança de quem? Das massas, segundo
Debray.
A revolução, para os partidários do foco, seria
desencadeada não pelos partidos comunistas tradicionais e sim por um grupo
selecionado de homens armados, apartado das massas. Esse grupo, pelo exemplo de
suas ações, seria o “pequeno motor” que motivaria e daria a partida ao “grande
motor”, as massas. Nesse sentido, desprezavam o trabalho político que,
segundo a ortodoxia do marxismo-leninismo, precede a luta armada, uma vez que “sem
teoria revolucionária não há prática revolucionária” (Lenin). O partido
era, então, substituído pelo “foco”, sob a alegação de que o “foco”
formaria o partido.
Ao negar a necessidade do partido os “foquistas”
assumiam a direção da revolução, tirando-a das mãos do proletariado – a “única
classe conseqüente e verdadeiramente revolucionária”, segundo a doutrina, “dirigido
pelo estado-maior da classe operária, o partido” – colocando-a nas mãos da
classe que representava: a pequena burguesia urbana, condenando, assim, a
revolução à derrota, segundo os marxistas-leninistas ortodoxos.
Tudo isso havia sido exposto por Che Guevara em seu livro,
escrito na década de 60, “Guerra de Guerrilhas”, Che proclamava a
necessidade de “criar dois, três Vietnãs” e que, nesse sentido,
situar a guerrilha sob a dependência tática ou estratégica de um partido, ou
como ramificação de um partido, acarretaria, como conseqüência, uma série de
erros militares mortais. Para que o “pequeno motor”– a guerrilha –
pusesse realmente em marcha o “grande motor” - as massas - seria
necessário, primeiro, que seja reconhecido por essas massas como seu único
intérprete e guia, sob pena de dividir e debilitar as forças populares. Para
que se opere esse reconhecimento é preciso que a guerrilha assuma todas as
funções de comando político e militar.
Che Guevara nem de longe poderia suspeitar o irônico que
soaria essa sua frase na década de 90, pois converter a América Latina em um
Vietnã seria conduzi-la velozmente ao capitalismo. Sob uma ditadura que cada
vez mais vai sendo menos comunista, o atual regime vietnamita abriu as
comportas do regime ao capitalismo ocidental e os estragos feitos pela
Coca-Cola e pelo McDonald´s são muito mais significativos que os da revolução
comunista do Vietcong. O mais importante, no entanto, é que ninguém obrigou o
Vietnã a pôr em prática essa sua atual política. O país, simplesmente,
livrou-se dos herdeiros de Ho-Chi-Min.
Nos países do Terceiro Mundo foram editados mais de um
milhão de exemplares do livro “Guerra de Guerrilhas”. Che Guevara, ao
redigi-lo, partiu de três axiomas extraídos da experiência cubana: a guerrilha
pode derrotar os exércitos regulares; não é necessário aguardar que exista um
clima insurrecional, pois ele será criado pelo “foco guerrilheiro”; o
cenário natural para a guerrilha é o campo e não as cidades.
A partir desses dogmas, CHE explica a estratégia geral, a
tática do “morde e foge”, a formação das unidades
guerrilheiras, o tipo de armamento, o apoio à saúde, o papel das mulheres, e a
qualidade de apoio que deve ser ministrado pelos guerrilheiros urbanos. Com
esse livro, Che Guevara, o Von Clausewitz do Terceiro Mundo, buscou demonstrar
que todos os comunistas dos países subdesenvolvidos poderiam fazer sua
revolução caseira sem grandes contratempos.
Regis Debray complementava o raciocínio de CHE, aduzindo
que os partidos comunistas tradicionais “aspiram a uma vida legal e a
participar da vida política normal por um certo tempo, visando consolidar-se e
fazer nome”,preparando, assim, as condições para a luta armada. Nesse
terreno, todavia, é pouco a pouco absorvido, tragado pela rotina. Recruta
alguns quadros, alguns militantes, realiza o Primeiro Congresso, mimeografa um
jornal e panfletos. Depois vêm as assembléias anuais, mil reuniões, os
primeiros contatos internacionais, o envio de delegados ao exterior, pois é
preciso assistir a múltiplos congressos, fazer-se representar permanentemente
em diversos organismos, manter relações públicas.
O saldo é sempre positivo: os funcionários funcionam, a
imprensa imprime, os delegados viajam, crescem os apoios e as amizades
internacionais, os dirigentes estão cheios de trabalho. Em resumo, “a
máquina anda”.
Ela custou caro e é preciso cuidá-la. A perspectiva de luta insurrecional, no entanto, passa de alguns meses para alguns anos; o tempo passa e a abertura de hostilidades é considerada cada vez mais algo sacrílego, aventureiro, eternamente prematuro. Torna-se necessário acalmar alguns militantes inquietos que exigem ação. A cada ano é formado um pequeno contingente de quadros militares, assunto afeto à alta direção do partido, mas conhecido de toda a militância, que vai segredando as suas esperanças. Ah! Mas o momento ainda não é chegado, pois sempre surgem os imprevistos.
Ela custou caro e é preciso cuidá-la. A perspectiva de luta insurrecional, no entanto, passa de alguns meses para alguns anos; o tempo passa e a abertura de hostilidades é considerada cada vez mais algo sacrílego, aventureiro, eternamente prematuro. Torna-se necessário acalmar alguns militantes inquietos que exigem ação. A cada ano é formado um pequeno contingente de quadros militares, assunto afeto à alta direção do partido, mas conhecido de toda a militância, que vai segredando as suas esperanças. Ah! Mas o momento ainda não é chegado, pois sempre surgem os imprevistos.
Os militantes precisam compreender que passar “imediatamente”
à luta armada seria romper a unidade do partido, que é a sua razão de ser. Em
resumo: o partido vê em si mesmo a finalidade de sua existência. Não passará à
luta armada porque, primeiro, deve constituir-se em um sólido partido de
vanguarda. “Esse círculo vicioso vem corrompendo a luta armada há alguns
anos”, escreveu Che Guevara.
Definindo as tarefas militares como prioritárias, os
partidários do “foco” relegam as tarefas políticas, ignorando a máxima
de Mao-Tsetung, segundo a qual “as armas são um fator importante numa
guerra, mas não o decisivo. O decisivo é o homem, não as coisas”.
Alguns partidários do “foco guerrilheiro”,
entusiasmados com a revolução em Cuba e com algumas eventuais vitórias contra
as forças da ordem em alguns países, chegaram ao ponto de etiquetar o “fidelismo”
como a “terceira etapa do marxismo-leninismo”.
Em artigo, “Fidelismo, a longa marcha na América Latina”,
Regis Debray foi um dos que afirmaram, na época, ser o “fidelismo” essa
“terceira etapa do marxismo-leninismo”. Embora sem atingir esse
ridículo, Carlos Marighela, em seus escritos, adotou posição semelhante.
A teoria do “foco” foi, no entanto, uma divergência
entre comunistas, que parece superada. O “foco guerrilheiro” foi
eliminado. O “trabalho de massas” dos PCs ortodoxos permaneceu e,
em alguns países deu frutos, com a legalização dos partidos comunistas
clandestinos e a garantia de alguns cargos nos governos burgueses, como ocorreu
no Brasil.
Será, no entanto, que os partidários do “foco guerrilheiro”, ao adotá-lo como “uma forma de luta”, renegavam o marxismo-leninismo, pelo fato de fazerem a substituição do marxismo pela guerrilha?
Será, no entanto, que os partidários do “foco guerrilheiro”, ao adotá-lo como “uma forma de luta”, renegavam o marxismo-leninismo, pelo fato de fazerem a substituição do marxismo pela guerrilha?
NÃO! O “foco guerrilheiro”, tal como foi concebido,
nada mais era do que uma versão particular do partido – escreveu Regis Debray,
em 1977, em seu livro “A Crítica das Armas” -. À semelhança do que fora
definido por Lenin em “O que Fazer?”, um pequeno grupo de elite,
compacto e disciplinado, devotado de corpo e alma à revolução, sujeito às suas
próprias regras de funcionamento, à sua disciplina e aos seus métodos
clandestinos de trabalho, sem ligação orgânica com os movimentos de massas
abandonados às suas reivindicações econômicas setoriais. O “foco
guerrilheiro”, diz Regis Debray, “é o partido em verde”. Significa
importar a guerrilha, de fora, para a região escolhida, assim como – diz o
marxismo-leninismo – a “consciência de classe é importada, de fora, pelos
intelectuais burgueses, portadores da doutrina científica do socialismo”, para
o interior do movimento operário.
Da mesma forma que o movimento operário é dado,
historicamente, como incapaz de produzir, com suas próprias forças, uma “organização
política consciente”, também o chamado “proletariado rural” é
incapaz de passar do descontentamento latente à utilização consciente da “violência
revolucionária”. Torna-se, portanto, necessário, a uns e outros, a
intervenção de um elemento exterior, portador da “violência iluminada”.
Por outro lado, mais além de “O que Fazer?”, escrito
por Lenin em 1902, poderia ser dito que as origens do “foco guerrilheiro”
estariam nas fontes da social-democracia: em Karl Kaustky, guia intelectual da
II Internacional e mestre do pensamento de Lenin entre 1900 e 1914, pois os
considerandos que deram origem à teoria do “foco guerrilheiro” foram
enunciados, pela primeira vez, em Viena, em 1901, no projeto do Partido Social
Democrata Austríaco. As implicações desses postulados teóricos viriam a ser
desenvolvidos, posteriormente, por Lenin, numa teoria revolucionária,
inexistente no que Marx e Engels haviam escrito.
Segundo Regis Debray, em “A Crítica das Armas” não
existe uma só frase que em “O Que Fazer?” não possa ser traduzida
em linguagem “foquista”, pois – assinala Debray – o “esquema foquista”
e o que Lenin escreveu têm a mesma lógica e partem dos mesmos pressupostos:
pode-se substituir, por exemplo “organização de revolucionários
profissionais” por “vanguarda político-militar”, sem destruir a
coerência da argumentação leninista.
Em 1996, Regis Debray foi mais longe em sua profissão de
ideólogo das revoluções. Em 12 de maio de 1996, em Paris, em entrevista à
imprensa, falando sobre o seu mais recente livro, “Elogiados Sejam Nossos
Senhores”, um livro carregado de desilusões e de ceticismo, no
entanto, entusiasmou-se e ainda atiçou uma esperança: o “Subcomandante
Marcos”, do Exército Zapatista de Libertação Nacional.
Segundo Debray escreveu em seu livro, Marcos é um
revolucionário pós-moderno, pois encarna um novo estilo. Para Debray, o
zapatismo não deixa de ser uma “Revolução na Revolução”.
Um comentário:
Vida Incipiente
O facto real da vida é que estamos de novo todos juntos sem se saber como nem porquê, é o imponderável que liga os seres e os deixa andar á deriva como pedaço de cortiça em praia batida pelo norte - o resto, se se quiser analisar, é uma babugem de relações sem eira nem beira ao deslizar da corrente que tanto vem dos outros lados do Atlântico como da disposição em cada um de nós. Os dias foram andando dentro de cada um de nós e na marcha de pormenores domésticos gastámos horas preciosas de nós mesmos. Acerca de comédias fizemos considerações pessoais e quando se tratava de analisar uma tragédia usufruíamos um gozo espiritual de dever cumprido sexualmente.
Passaram-se anos, também não sei quantos. Houve uns que casaram, outros que ficaram para ornamento ímpar de jantares familiares e ainda outros que se ambulanteiam pelas esquinas do vício à procura de óleo para uma máquina donde se desprendeu já a mola real do entendimento.
Afinal também não importa que o ritmo das coisas tenha sido o mesmo, se todas as coisas existem para um ritmo que lhes é íntimo à sua própria expressão de coisas. Houve sábados e domingos sextas e quintas segundas e terças e sempre uma quarta-feira a comandar no equilíbrio do princípio e do fim. Com os dedos mataram-se formigas que estavam fáceis ao alcance de um piparote e através das mãos fizemos a construção de novos dias. Cada um de nós teve uma história mais ou menos grande e mais ou menos importante para contar no seu íntimo. Às vezes eu lá encontrava um de nós para logo ter a impressão que se apoderava de todos uma moléstia sentimental de visão acabrunhada e de história em história ou de pieguice para pieguice caminhávamos inúteis no amorfo de abatjours contemplativos.
Ruben A., in 'Caranguejo'
Portugal 26 Mai 1920 // 23 Set 1975
Escritor/Ensaísta/Historiador
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