Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Carlos I. S. Azambuja
Em setembro de 1996 a revista “Marie
Claire” publicou uma reportagem com o título acima, resultado de uma
entrevista com seis mulheres que “foram à luta armada”.
É interessante recordar essa matéria.
Muitos dirão: “Caramba! Eu não sabia!”. Em nenhuma outra época no
Brasil se viu tanta mulher pegar em armas. Participaram de atentados,
seqüestros de diplomatas e de aviões comerciais, assassinatos de policiais e
militares, “justiçamentos” e das guerrilhas urbana e rural. Segundo
o “Dossiê de Mortos e Desaparecidos Políticos a partir de 1964”, editado
pelo grupo “Tortura Nunca Mais”, 24 foram mortas e 20 estão
desaparecidas. Embora seja difícil fazer as contas, participaram da luta armada
cerca de 100 mulheres.
Dulce de Souza Maia, militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), foi
uma das primeiras mulheres e pegar em armas em ações de absoluto atrevimento. A
pegar e usar. Segundo ela, “a guerrilha está aí, revisitada, e desta vez na
ofensiva, cobrando do Estado reparações morais e indenizações por conta de seus
mortos e desaparecidos, entre eles quase 50 mulheres”.
Dulce Maia, um misto de agitadora cultural e guerrilheira urbana,
considerada “boa de pontaria e expropriação”, foi uma das
presas a receber a visita do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, nos idos de
1969.
Foi ela quem expropriou a ambulância
utilizada pela VPR para o roubo de armas do Hospital Militar do Cambuci, em São
Paulo, em 1968. Também foi ela quem participou da pesquisa que
resultou no “justiçamento” do capitão do Exército dos EUA
Charles Chandler. Também integrou o grupo que assaltou a loja de armas Diana que,
segundo ela, lhe rendeu de presente “uma arma bonita, um
Smith 32”.
Dulce Maia aprendeu a atirar com o então capitão Carlos
Lamarca, no quartel de Quitauna, em São Paulo. “Tenho boa pontaria porque
tenho bom olho. Usei 32, 38, metralhadora INA, FAL, M2...”, diz ela. Dulce foi
presa em 26 de janeiro de 1969 e banida do país em junho de 1970, em troca da
liberdade do embaixador Von Holleben, seqüestrado no Rio de Janeiro. No
exterior, com seu companheiro, também banido, José Diógenes Carvalho de
Oliveira – o Diógenes, do PT/RS – perambulou pelo México, Cuba, Argélia, Chile,
Bélgica, Guiné-Bissau e Portugal, retornando ao Brasil após a Anistia de agosto
de 1979.
Vera Silvia Araújo de Magalhães foi militante do Movimento Revolucionário Oito de
Outubro (MR8), no Rio de Janeiro. Quando estudante de Economia da Universidade
Federal Fluminense, em 1967, passou a integrar a Dissidência da Guanabara
(cisão do PCB) e, logo depois, o Comitê Central dessa Organização.
Na entrevista, Vera Silvia diz que
sua primeira “ação” foi uma “expropriação” de
armas no gasômetro do Leblon, ocasião em que um agente de segurança foi ferido.
Duas metralhadoras INA e dois revólveres 38 foram o saldo da “ação”.
No início de 1969, Vera
Silvia passou a integrar a Frente de Trabalho Armado da Dissidência (DI)
e participou de diversas “expropriações”: carros, supermercados,
carros-fortes, bancos, etc. “Carros, era um por semana”. Em 19 de
agosto de 1969, cerca de 15 dias antes do seqüestro do embaixador dos EUA,
Charles Burke Elbrick, Vera Silvia participou do assalto ao apartamento do
deputado federal Edgar Guimarães de Almeida, uma cobertura em Copacabana, de
onde foram roubados dinheiro, jóias e quadros.
Em seguida, Vera também
integrou o grupo que seqüestrou o embaixador dos EUA, cumprindo a tarefa de
levantar os hábitos do embaixador. Para isso, esteve várias vezes na embaixada,
na rua S. Clemente, em Botafogo, passando-se por doméstica em busca de emprego.
Durante o seqüestro propriamente dito, em 4 de setembro de 1969, Vera participou
do “esquema de segurança”.
A partir daí passou a viver na
clandestinidade, em “aparelhos” da Organização nos subúrbios
do Rio de Janeiro, evitando contatos com a família e os amigos. Afinal, Vera foi
presa durante uma “ação”, no Jacarezinho, dando e recebendo tiros
em decorrência de um cerco da polícia, sendo ferida na cabeça. Vera
Silvia foi banida do Brasil em junho de 1970, em troca da liberdade do
embaixador Von Holleben. No exterior viveu em vários países com três diferentes
companheiros, um deles Fernando Paulo Nagle Gabeira, também banido, também
pertencia à DI e também participante do seqüestro do
embaixador Charles Elbrick.
Recentemente Vera Silvia concedeu uma longa
entrevista a uma emissora de TV narrando as suas peripécias e dizendo que suas
atividades atuais são as de ministrar palestras sobre temas
diversos, em favelas do Rio de Janeiro. A entrevista foi divulgada para todo o
país pelo canal 10 da NET: TV Câmara...
Lucia Maria Murat Vasconcelos, que foi militante do MR8, disse que sua última “ação”
foi em 1971: um assalto a um supermercado, no Rio, integrando dois grupos “com
revólveres e metralhadoras”. “Foi um momento de grande clarividência". – disse
ela – “Ali ficou claro que aquele bando de gente de classe média estava
contra nós (...). Foi a primeira sensação forte de que a gente tinha acabado.
Naquele momento percebi que estávamos isolados, que era preciso sair daquele
círculo vicioso”. Para o MR8, o ano de 1971 foi o começo do fim.
Na entrevista, Lucia Murat,
que foi presa em 13 de março de 1971 e que hoje é cineasta, preferiu manter em
segredo suas muitas “ações” realizadas no Rio de Janeiro e em
Salvador, Bahia.“Eu era uma gatinha da Zona Sul do Rio. Debutei. Era
bem-nascida. Tenho orgulho do compromisso que assumimos com a revolução (...)
Tenho a impressão que caí porque tinha gente infiltrada. Fui seguida por dois
órgãos diferentes, o Exército e a Aeronáutica”.
Renata Ferraz Guerra de Andrade tem um currículo que junta educação clássica,
formação em artes cênicas e participação direta em diversas“ações”, como
o roubo de armas do Hospital do Exército, no Cambuci, São Paulo, de onde foram
roubados 11 fuzis, e a explosão de um carro-bomba contra a entrada do QG do
então II Exército, quando morreu estraçalhado o soldado Mario Kosel Filho.
Segundo ela, “essa ação não serviu para nada. Somente para matar o
rapazinho”.
Diz ela: “Eu usava um
revólver 32 ou uma Beretta com cabo de madrepérola porque o 38 era grande e
dava um tranco forte. Fiz curso de explosivos com João Lucas Alves (ex-sargento
da Aeronáutica que participou do “justiçamento”, no Rio de Janeiro,
em 1 de julho de 1968, do major da RFA Edward Von Westernhagen, aluno da Escola
de Comando e Estado-Maior do Exército), a primeira vítima da
repressão”. “Uma vez estávamos treinando perto da represa Billings: eu, Dulce
Maia e Wilson Fava. Enquanto atirávamos, chegaram dois guardas-florestais. A
situação ficou grave. Chamei a Dulce e disse: ‘Ou a gente apaga esses caras ou
oferece dinheiro’. Felizmente venceu o suborno”.
Antes de integrar a VPR, Renata
Ferraz foi militante da POLOP (Política Operária). Foi ela quem
recrutou Carlos Lamarca para a VPR, depois de várias idas ao quartel de
Quitauna, “que na época era um simpatizante descontente com o Partido
Comunista Brasileiro (...). Logo no primeiro encontro que tivemos ele falou da
possibilidade de desertar, saindo com um enorme arsenal”.
Formalmente expulsa da VPR, com
vários outros companheiros contrários à realização de ações armadas face ao
ainda pequeno grupo de militantes, Renata fugiu para o Uruguai,
retornando ao Brasil após a Anistia, após viver no Uruguai e no Chile. Nunca
foi presa.
Perguntada pelos “justiçamentos”, respondeu: “Estávamos
em uma guerra e alguns dos procedimentos adotados na guerra são mesmo
execráveis em tempo de paz”.
Yara Xavier Pereira, membro da Comissão de Mortos e Desaparecidoscriada
pelo Ministério da Justiça em 1995. Foi militante da Ação Libertadora Nacional,
juntamente com pai, a mãe, dois irmãos e o marido. Iniciou sua entrevista
dizendo: “Dadas as condições da época eu faria tudo de novo”. Yara começou
sua militância em 1968, aos 18 anos, juntamente com os irmãos Yuri Xavier
Pereira e Alex de Paula Xavier Pereira, a mãe, Zilda Xavier Pereira (que
cuidava da segurança de Marighela) e o pai, João Batista Xavier Pereira. Yara diz
que recebeu a notícia da morte de Marighela – 4 de novembro de 1969 - em Cuba,
“onde foi aprender a ser guerrilheira”.
Em 1971, de volta ao Brasil, passou a
integrar um Grupo Tático Armado (GTA), “ora com um 38, ora com um 32”.
Diz ter “expropriado” carros, assaltado firmas “e até
ajudou a intimidar um estrangeiro suspeito de espionagem, um erro, soube-se
depois. Ele morava no Morumbi e fomos lá para levá-lo e assustá-lo. Éramos em
cinco. Só duas mulheres, eu e Ana Maria Nacinovic, uma grande guerrilheira.
Entramos na casa, mas o cara se trancou no banheiro e não saiu de jeito nenhum.
Desistimos. O grupo acabou pichando frases nas paredes e destruindo móveis da
mansão”.
Em 1972, seu irmão Alex foi morto em São Paulo, em um
tiroteio de rua com a chamada “repressão”. Cinco meses depois, seu outro
irmão, Yuri, foi também morto, em São Paulo, juntamente com Ana Maria Nacinovic
Correia, a “grande guerrilheira”.
Yara, em setembro de 1972 passou a viver com um dos dirigentes
da ALN, Arnaldo Cardoso Rocha, que, meses depois, também foi morto em São
Paulo, e com quem teve um filho.
Em 1973 Yara viajou para Cuba, onde passou a viver e nasceu seu filho,
que morreu em 1993, em um acidente de trânsito. Posteriormente, viajou para a
Itália e, daí, para o Brasil, em 1979, após a Anistia. No Brasil casou-se com o
ex-preso político Gilney Amorim Viana, hoje deputado federal.
Os familiares de seus dois irmãos e do seu marido, ou seja,
ela e seus pais, foram indenizados “a título reparatório” – como diz a Lei – pela Comissão de
Mortos e Desaparecidos Políticos da
qual ela faz parte.
A última entrevistada foi Maria
do Carmo Brito, que integrou a Direção Nacional da Vanguarda
Popular Revolucionária (VPR) com o
codinome de “Lia”. Seu marido, Juarez Guimarães de
Brito, também dirigente da VPR, cometeu o suicídio, na sua frente, em 18 de
abril de 1970, no Rio, quando cercados pela chamada“repressão”, após terem sido denunciados por um companheiro que havia
sido preso. “Lia” era a responsável pela concepção logística das “ações” da Organização. Segundo Maria do Carmo, eles haviam se casado em fevereiro de 1962 “ao
som da Internacional Comunista”.
Então, ela era do PCB e ele da POLOP.
Sobre sua participação na luta
armada, nega-se a detalhar seus“feitos armados”. “Participei
de todos e não participei de nenhum (...). A luta armada é um conjunto de
ações. No caso do japonês, por exemplo (seqüestro
do Cônsul do Japão, Nobuo Okuchi, em São Paulo, em 12 de março de 1970), eu
não participei diretamente, mas tive total responsabilidade”. O motivo do seqüestro do Cônsul, o militante da VPR Chisuo
Osawa (“Mario Japa”), preso em
São Paulo em 1970, com informações importantes sobre o treinamento que a VPR
vinha realizando no Vale da Ribeira, é, hoje, o marido deMaria
do Carmo Brito. Ambos residem no Rio de Janeiro,
ondeMaria do Carmo é funcionária municipal.
“Lia” e “Mario Japa” são algumas das poucas pessoas que conhecem o destino dado
aos dois milhões e quatrocentos mil dólares roubados em Santa Teresa, Rio de
Janeiro, em 18 de julho de 1969, por 13 militantes da Organização, da residência de Ana Benchimol Capiglione, tida como
amante de Ademar de Barros. Essa “ação” ficou conhecida como o “Roubo do Cofre do
Ademar”.
“Lia” concluiu a entrevista dizendo: “Eu
acho que a gente cumpriu a nossa função. Porque ganhar não tem importância
nenhuma. Nisso eu estou com Ulisses Guimarães: navegar é preciso. E com
Lamarca: ousar lutar, ousar vencer. A ditadura ganhou. Tudo bem, mas não foi
sem dor. Porque senão ficava de graça...”
Maria do Carmo Brito,
libertada em junho de 1970, também em troca da liberdade do embaixador Von
Holleben, viveu na Argélia.
Ela teve “total responsabilidade” no seqüestro do Cônsul do Japão e também, depois, em 21 de
abril de 1970, três dias após ter sido presa, teve também “total
responsabilidade” pela prisão, em São Paulo, de seus
companheiros de VPR Ladislas Dowbor, Joaquim dos Santos e Lizst Benjamim
Vieira, que haviam participado daquele seqüestro. Isso ela não disse na
entrevista...
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
2 comentários:
Só gente boa, de boa indole.
http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/congresso/psdb-renuncia-ao-auxilio-conjuge-de-eduardo-cunha/
Me senti honrado pelo PSDB. Nunca pensei que, neste fim de campeonato, um partido me respeitaria como Brasileiro e Patriota. Não tenho nem como explicar. Encheu meus olhos de lágrimas de alegria.
Nunca vou esquecer deste ato.
Sou apartidário. Mas o PSDB, acabou de ganhar meu respeito.
Que se ferre a aliança PT + PMDB + Simpatizantes.
A verdade sempre vem à tona.
Postar um comentário