Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Carlos Henrique Abrão
O campo penal sempre polêmico e muito aquém da expectativa
da sociedade precisa sofrer reformas estruturais no encaminhamento do inquérito
e no julgamento colegiado.
A apresentação do réu preso ao juízo em 24h é uma inovação
que tem sua razão de ser, porém é essencial que adotemos a metodologia do
juizado de instrução, como há bastante tempo funciona em França.
Caberia ao magistrado a direção do inquérito e zelar pelas
circunstâncias típicas relevantes, quebra do sigilo bancário, quebra do sigilo
telefônico, dos meios eletrônicos, tudo que fosse relevante à verdade real.
E nesse passo a Lei 12.694/12, há quase três anos em
vigor, criou a colegialidade para os casos de organizações criminosas. No
entanto, comporta reforma, na medida em que a exposição do magistrado singular
perpassa delitos de facções criminosas, encontrando-se nos crimes contra a
vida, colarinho branco, de corrupção invariavelmente. Daí porque a importância
de termos um magistrado que presida ao inquérito, outro que responda pelas
provas durante a instrução e que todos se comuniquem na aplicação da sanção
penal. Isto é, os três juízes assinariam o comando da norma penal e o regime a
ser cumprido.
O Brasil prende demais e de forma errática. Essa
mentalidade arcaica precisa ser revista, entregando ao magistrado a presidência
do inquérito com a presença do promotor de justiça avaliando as provas e a
legalidade e também o delegado de polícia.
A reforma proposta traria um incomum ímpeto ao
acompanhamento das prisões em flagrante e os casos de requerimento de soltura, reduzindo
os habeas corpus, recursos que tomam a maioria do tempo das cortes inferiores e
superiores.
Qual a razão de se manter a colegialidade, ou seja, atuação
de três juízes num determinado processo?
Há casos rumorosos, existem processos complexos, com
desmembramentos dos réus, proximidade da prescrição e o alentado número de
testemunhas de defesa, inclusive fora do País. Por tal regra e com maior
flexibilidade ao juiz competiria acusar essa realidade e determinar a formação
do colegiado em primeiro grau. Com isso a vida do magistrado estaria bem mais
preservada, notadamente quando se trata de crime de drogas, ou que exista um
desgaste amplo na jurisdição exercida.
E a pergunta que não pode calar é a seguinte: em toda e
qualquer instância haveria essa possibilidade de se formar o órgão colegiado?
Sim, sem dúvida, desde a entrância inicial, até a final, todas
elas poderiam, no livre exercício do magistrado propor o julgamento colegiado, pois
que além de mais célere, passa pela
fiscalização e supervisão de três juízes. Tal situação também deveria ocorrer
com maior frequência e também nos casos mais delicados na execução penal, progressão
de pena e benefícios correlatos.
A transformação da macrocriminalidade envolve nuances e
especificidades que não podem ficar sob a esfera de exclusiva responsabilidade
do magistrado singular, que muitas vezes adoece, precisa tomar licença, ou se
ausentar da comarca. Assim, quando presente a colegialidade a normalidade do
processo está preservada e garantida, já que todos estão exercendo de
comum e livre consenso a respectiva
jurisdição.
O termo de organização criminosa é vago, lacunoso e
impreciso. Assim defendemos que todos os crimes que tenham repercussão, envolvendo
o mercado financeiro, de colarinho branco, de improbidade administrativa, sobretudo
de corrupção, possa o magistrado de primeiro grau suscitar a formação do
colegiado que terá por objetivo zelar e julgar aqueles casos concretos.
Dentro desse âmbito de visão, a posição do juiz de
instrução é inadiável. Ele cumpre seu papel de estar à frente do inquérito e de
antemão vedar qualquer abuso ou ilegalidade, pois que se precisar da quebra do
sigilo ele autorizará de forma fundamentada, entregando pronto procedimento, a
fim de que seja feita a denuncia criminal e recebida por outro magistrado que
se encarregará da fase instrutória. Finda essa, os magistrados, atentos ao
desenvolvimento da persecução criminal, tomarão suas posições e assinarão todos
os três a sentença proferida, não importando se houver alguma divergência entre
eles, pois que prevalecerá o posicionamento da maioria. Por tal ângulo, mesmo
vencido em alguma parte, esse magistrado participa do conjunto exarado na
prestação jurisdicional.
Com essas pequenas alterações, boa parte da superlotação
dos presídios seria debelada, haja vista que não haveria excedimento do prazo
ou prisão ilegal, ao menos é o que se intenciona.
Reduzir ao máximo a exposição do magistrado, possibilitar
a formação do colegiado em primeiro grau e submeter inquérito à presidência do
juiz de instrução, eis alguns ingredientes que fariam do nosso direito penal
uma ciência jurídica do futuro, dando maior segurança à sociedade, agilidade do
julgamento, e principalmente a seleção daqueles obrigados ao cárcere e os
demais que podem receber penas alternativas.
Feita essa microreforma, os tribunais receberiam menos
habeas corpus, a tríade velaria pela legalidade e as ameaças veladas ou até
mesmo supostos pleitos de suspeição estariam superados por força do colegiado
responsável pelo sentenciamento não apenas de crimes de organizações
criminosas, mas daqueles com inegável interesse público, coletivo e de
prestação jurisdicional coerente com as exigências da justiça em tempo real
Carlos Henrique Abrão, Doutor em Direito pela USP com
Especialização em Paris, é Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo.
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