Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por José Serra
Já mencionei aqui a existência de uma
espécie de cláusula pétrea do petismo que consiste em empregar o máximo de
palavras para expressar um mínimo de conteúdo. Quem duvida deve ler as 470
páginas da mensagem que a presidente Dilma Rousseff enviou ao Congresso.
Destaque-se que, pela enésima vez, o governo fala em reforma política, agora
com uma novidade: desta feita nada sugeriu - nem mesmo aquelas ideias
alucinadas de plebiscito para definir forma de financiar campanhas políticas.
Limitou-se a dizer que espera do Congresso a iniciativa e a materialização das
propostas. Permito-me aceitar o desafio, não porque assim quer Dilma, mas
porque a reforma é necessária. A questão é saber como e por onde começar.
Volto ao tema do voto distrital,
projeto que apresentei depois da Constituinte. Eu era deputado federal e
constatei, então, a imensa dificuldade para alterar o sistema de eleição de
deputados, apesar de todos os seus defeitos, entre os quais aponto três: os
elevadíssimos custos das campanhas eleitorais, o excesso de candidatos e a
fraca representatividade dos parlamentares eleitos. Por que é tão difícil mudar
se os defeitos são tão evidentes? Porque muitos parlamentares temem que a
alteração das regras eleitorais ponha em risco a meta que lhes é mais preciosa:
a reeleição.
No início da década passada, depois
da eleição presidencial que perdi (2002), levantei uma hipótese nova e propus
ao então líder do PSDB na Câmara, deputado Jutahy Jr. (BA), que a transformasse
numa proposta de emenda constitucional (PEC). Depois da eleição de 2010 sugeri
ao recém-eleito senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) que reapresentasse essa PEC.
A ideia é promover o sistema
distrital nas eleições de vereadores dos grandes municípios, os com mais de 200
mil eleitores. São 90 municípios, onde moram 38% dos eleitores. Ao trabalhar a
emenda, o senador concluiu que o novo sistema poderia ser criado mediante lei
ordinária. Uma PEC só seria necessária para implementar o voto distrital para
deputados.
Na expectativa de que a mudança
pudesse valer para as eleições de 2012, fiz uma peregrinação junto a
presidentes e líderes de todos os partidos à procura de apoio. O projeto acabou
não prosperando, mas a romaria foi útil: percebi não haver resistências
insuperáveis a tal mudança.
A introdução no organismo político de
um vírus benigno - que gera anticorpos contra o peso do poder econômico e a
favor do aumento da representatividade dos eleitos - é viável e necessária.
Basta mencionar que dois anos depois de cada eleição cerca de três quintos dos
eleitores não lembram o nome do parlamentar em quem votaram! O que dizer,
então, da cobrança de desempenho, coerência, cumprimento de promessas?
Sobre os custos de campanha, é
suficiente citar um exemplo eloquente: o Município de São Paulo tem 8,8 milhões
de eleitores. Nas eleições municipais de 2012 houve 1.277 candidatos, caçando
votos em todos os cantos da cidade e em todos os segmentos sociais. Evidentemente,
alguns deles têm fortes redutos eleitorais, mas, sob a pressão da concorrência,
ninguém deixa de ultrapassar suas fronteiras. Isso aumenta imensamente o custo
do voto per capita, sem falar no imenso número de postulantes.
No sistema distrital, a cidade de São
Paulo seria dividida em 55 regiões eleitorais - esse é o número de vereadores
da capital paulista. Cada um desses distritos, com aproximadamente 160 mil
eleitores, elegeria um representante. Haveria apenas um candidato por partido,
de modo que, num distrito, dificilmente se ultrapassaria o número de 10 ou 15
postulantes. Imaginem, caros leitores, a economia em matéria de gastos
eleitorais. No caso das 90 cidades brasileiras com mais de 200 mil eleitores,
essa economia seria da ordem de R$ 5 bilhões, segundo estimativas da nossa
assessoria no Senado!
Recentemente participei de um debate
no Instituto de Direito Público, dirigido pelo ministro do STF Gilmar Mendes,
com o vice-presidente Michel Temer e o presidente do TSE, Dias Toffolli,
figuras altamente qualificadas para tratar do tema. Por isso mesmo considerei
valiosa a opinião de ambos sobre minha proposta: a introdução do voto distrital
nos grandes municípios poderia ser uma experiência decisiva para testar o
modelo e, paralelamente, quebraria a modorra nacional em matéria de reforma
política, hoje diretamente proporcional à distância entre o tanto que se
menciona o tema e o nada que se faz a respeito.
Mediante contribuições da consultoria
do Senado, de ministros e ex-ministros do STF, bem como de advogados
especializados em Direito Eleitoral, reelaboramos o projeto com vista,
inclusive, a habilitá-lo a entrar em vigência nas eleições de 2016. Para isso
tem de ser aprovado até o fim de setembro deste ano.
Todos temos convicções, pontos de
vista, ideologia, afinidades eletivas, gostos. São coisas legítimas e fazem
parte do jogo. Mas é preciso reconhecer que há benefícios para a sociedade que
não têm coloração partidária. Baratear as campanhas eleitorais, aproximar o
eleitor do eleito, permitir que a população acompanhe e avalie mais de perto o
trabalho do seu parlamentar, tudo isso, convenham, compõe apenas matéria de
civilização.
O PSDB não tem opinião formada a
respeito. Não cheguei a avaliar, confesso, se o modelo que proponho será
benéfico ou maléfico para o meu partido. Mas estou certo, isso sim, de que ele
representa um grande avanço para o povo brasileiro.
Os dias andam tristes. A reputação da
política e dos políticos está sujeita a mais especulação do que as ações e o
futuro da Petrobrás. É preciso restaurar a dignidade dessa atividade, que é o
único seguro que temos contra as ditaduras.
O voto distrital nos municípios, já
em 2016, é o primeiro passo de uma restauração moral que pode dar-se alargando
o espaço da democracia. Pense nisso e se engaje nesse esforço. Não é uma
bandeira partidária. Não é uma bandeira ideológica. Não é um projeto de poder.
Trata-se apenas de tornar mais democrática a... democracia!
Caso queira consultar o projeto de lei na integra clique aqui
Caso queira consultar o projeto de lei na integra clique aqui
José Serra é Senador da República (PSDB). Foi Governador e
Prefeito de São Paulo. Originalmente publicado no Estadão em 12 de fevereiro de
2015.
2 comentários:
Serra é o cara que não tem palavra e nem principios segundo Jatene.
Deu sua palava em cartório que não renunciaria a prefeitura, mas o fez e deixou o Kassab que hoje apoia a Dilma.
Essa gente não tá nem aí pra nós (Michael Jackson)
Acho boa a ideia. O que não pode é um cara ter 10mil votos e perder e um com 500 ganhar.
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