Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Elio Gaspari
O grande poeta Cacaso (1944-1987) fez um versinho que
pareceu datado e revelou-se eterno:
“Ficou moderno o Brasil,
ficou moderno o milagre.
Água já não vira vinho.
vira direto vinagre.”
A modernidade do século XXI tem os velhos toques de
arquitetura futurista, mais privataria e terceirizações. Somando-se a isso,
cria-se uma boa página da internet e, tchan, o futuro chegou.
Quem passa pela Avenida Presidente Vargas, no Rio, vê um
lindo prédio branco. É a Biblioteca Parque, do governo do estado. Foi uma joia
da coroa da campanha do candidato Pezão, que prometeu construir mais 11.
Inaugurada em 2013, foi entregue à empresa Instituto de Desenvolvimento e
Gestão, o IDC.
Funcionava ali outra biblioteca pública, resultado de uma
iniciativa de Dom Pedro II. Às vezes ia bem, depois ia mal. Darcy Ribeiro
remodelou-a, mas no governo Sérgio Cabral decidiu-se passar o Rio a limpo. O
velho prédio foi demolido. No lugar, ergueu-se o outro, moderno e lindo (com
isso os empreiteiros e fornecedores de serviços faturaram pelo menos R$ 71 milhões).
Com o milagre, a água viraria vinho.
Virou vinagre. Um ano depois de sua festiva inauguração, o
IDC resolveu reduzir o horário de atendimento. A instituição funcionava das 10h
às 20h. Funcionará das 12h às 18h30m, de terça a sexta, e não abrirá mais nos
fins de semana. A empresa tem seus motivos, pois Pezão lhe deve R$ 10 milhões.
Vale notar que o novo horário exclui todos aqueles que trabalham na região e
que o IDC acha problemático abri-la no fim de semana. São muitas as grandes
cidades brasileiras que não têm bibliotecas abertas aos domingos, mas se o Rio
quiser mudar de patamar, não fecha a sua.
Construir ou reformar bibliotecas rende imediatos
faturamentos e cerimônias. Mantê-las é outra história, coisa que depende de
recursos e servidores dedicados. Pezão tropeçou nessa ponta dessa equação. Em
outros casos, piores, caiu-se na primeira, na qual paga-se parte da obra e
deixa-se a instituição à matroca.
A Biblioteca Nacional de Brasília, construída em 2002,
tornou-se um excelente salão de leitura e centro de exposições, mas biblioteca
nacional não é. A Biblioteca Pública do Rio Grande do Sul está fechada para
reformas há oito anos. A Câmara Cascudo, de Natal, e a Pública de Maceió estão
em reformas, fechadas há quatro anos.
A Biblioteca Municipal de Manaus, fechada há três anos,
foi ocupada por moradores de rua e depredada em setembro do ano passado. Isso
para não se falar do Museu do Ipiranga, fechado desde 2013, com reabertura
prevista para 2022. De tempos em tempos, a cripta onde deixaram Dom Pedro I
vira mictório.
Muito mais importante do que construir novos prédios e
contratar administradores privados é cuidar direito do que já existe, com os
servidores que lá estão. Uma das Bibliotecas Parque do governo do Rio, logo a
da Rocinha, foi apanhada num lance de superfaturamento.
Numa trapaça da vida, a única biblioteca criada nos
últimos meses funcionou, inclusive aos domingos, na carceragem de Curitiba,
onde os empreiteiros presos pela Lava-Jato compartilharam sua leituras de
bordo.
Elio
Gaspari é jornalista. Originalmente publicado em O Globo em 22 de abril de
2015.
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