Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Percival Puggina
Li "O homem medíocre" pela primeira vez em 1999.
Na época, o cetro do poder político brasileiro estava em outras mãos e a
oposição de então apresentava-se como modelo das mais seráficas virtudes. Um
capítulo do livro, em especial, chamou-me a atenção por parecer escrito para
aquela realidade.
O autor, José Ingenieros, tratava, ali, da diferença entre
a mera honestidade e a virtude, bem como da falsa honestidade daqueles que a
exibem como troféu. “Em todos os tempos, a ditadura dos medíocres é inimiga do
homem virtuoso. Prefere o honesto e o exibe como exemplo. Mas há nisso um erro
ou mentira que cabe apontar. Honestidade não é virtude, ainda que não seja
vício. A virtude se eleva sobre a moral corrente, implica uma certa
aristocracia do coração, própria do talento moral. O virtuoso se empenha em
busca da perfeição."
Com efeito, não fazer o mal é bem menos do que fazer todo
o bem que se possa. Ser e proclamar-se honesto para consumo externo é moldar-se
às expectativas da massa e isso fica muito aquém da verdadeira virtude. "Não
há diferença entre o covarde que modera suas ações por medo do castigo e o
cobiçoso que age em busca da recompensa", afirma o filósofo portenho
enquanto sentencia sobre o homem medíocre: "Ele teme a opinião pública
porque ela é a medida de todas as coisas, senhora de seus atos". Temia,
filósofo Ingenieros, temia. O medíocre não mais teme a opinião pública porque a
nação tolerou prostituir-se em troca de umas poucas moedas.
Não demorou muito, daquela minha leitura, para que as
palavras de Ingenieros desnudassem a intimidade do novo círculo de poder que se
instalara no país! Presentemente, após 12 anos disso, sempre em dose crescente,
estou convencido, como nunca, de que jamais enfrentaremos de modo correto a
degradação das práticas políticas brasileiras se não compreendermos o que é a
virtude e como ela se expressa no plano pessoal e no plano institucional.
Há alguns anos, quando se discutia com disposição
semelhante à de agora a conveniência e o conteúdo de uma reforma política,
instalou-se na opinião pública ampla convergência quanto à indispensabilidade
de ser criado preceito que impusesse a fidelidade partidária. "É preciso
estabelecer a fidelidade partidária!", clamavam as vozes nas calçadas, em
torno das mesas de bar, nas academias e nos salões do poder. Cansei de alertar,
em sucessivos artigos, contra a falsa esperança que a nação depositava nesse
instrumento de coerção. Tudo que se lia sobre o assunto passava a impressão de
que a infidelidade partidária sintetizava nossos males políticos e era o
coração ético de uma boa reforma. Por quê? Nunca entendi. Há coisas que se
repetem sem explicação plausível.
Decorridos, já, sete anos de vigência do instituto da
fidelidade partidária está demonstrado que ela em nada melhorou o padrão das
relações institucionais entre o governo e o parlamento, nem a conduta dos
agentes políticos nacionais.
É preciso distinguir, portanto, a virtude que se alcança
por adesão voluntária a um determinado bem, da virtude intrínseca a modelos institucionais que inibem a conduta não virtuosa.
A fidelidade será, sempre, um produto da vontade humana. O pérfido só
renunciará a perfídia quando ela se mostrar inconveniente. O venal pode trocar
de camiseta, mas só não terá preço se não houver negócio a ser feito. É por
esse motivo que quando o STF proclamou a constitucionalidade da Lei da Ficha Lima,
eu escrevi que estávamos trocando de fichas, ou de fraldas como diriam alguns,
mas não estávamos acabando com a sujeira que, logo iria encardir outras tantas.
Por quê? Porque essa lei parece desconhecer que a
corrupção tem causas em duas fragilidades, a da moralidade individual e a
institucional. No plano das individualidades, só teremos pessoas virtuosas em
maior número quando forem enfrentadas certas questões mais amplas, na ordem
social.
Ou seja, quando:
· a virtude for socialmente reconhecida
como um bem a ser buscado;
· escolas e universidades retomarem o
espírito que lhes deu origem e levarem a sério sua missão de formação e
informação e não cooptação;
· famílias e meios de comunicação
compreenderem a relação existente entre o desvario das condutas instalado na
vida pública e o estrago que vêm produzindo na formação da consciência moral e
na vida privada dos indivíduos;
· o Estado deixar de ser fonte de
privilégios;
· for vedada a filiação partidária dos
servidores públicos;
· forem extintos os CCs na administração
direta, indireta e Estatais;
· a sociedade observar com a atenção
devida o método formativo e educacional das corporações militares;
· voltar a ser cultivado o amor à
Pátria;
· a noção ideológica de "la pátria
grande" for banida por inspirar alta traição;
· as Igrejas voltarem a reconhecer que
sua missão salvadora nada tem a ver com sociedade do bem estar social, mas com
sociedade comprometida com os valores que levam ao supremo Bem.
Não há virtude onde não há uma robusta adesão da vontade
ao Bem. E isso não acontece por acaso. É uma busca que exige grande empenho.
Contudo, a democracia (governo de todos), não é
necessariamente aristocracia (governo dos melhores). E será sempre tão sensível
à demagogia quanto a aristocracia é sensível à oligarquia. Portanto, numa ordem
democrática, como tanto a desejamos, é necessário estabelecer instituições que,
na melhor hipótese, induzam os agentes políticos a comportamentos virtuosos ou,
com expectativas mais modestas, inibam as condutas viciosas.
Ora, o modelo político brasileiro parece ter sido
costurado para compor guarda-roupa de cabaré. Não há como frear a corrupção que
se nutre num modelo institucional que a favorece tão eficientemente, seja na
ponta das oportunidades, seja na ponta da impunidade, vale dizer, pela via das
causas e pela via das consequências. Não estou falando de leis que a combatam,
mas de um modelo político que a desestimule.
Como? Adotando procedimentos e preceitos comuns nas Forças
Armadas. Libertando a administração pública dos arreios partidários, por
exemplo. Ao entregar para o aparelhamento partidário a imensa
máquina da administração (que a mais elementar prudência aconselharia afastar
das ambições eleitorais), o Brasil amarra cachorro com linguiça e dá
operosidades e dimensões de serraria industrial ao velho e solitário "toco".
"É politicamente inviável fazer isso no Brasil",
estará pensando o leitor destas linhas em coro com a grande maioria dos que,
entre nós, exercitam poder político. Eu sei, eu sei. Não sou ingênuo. Está tudo
errado, mas não se mexe. As coisas são assim, por aqui.
Do mesmo modo como a fusão do Governo (necessariamente
partidário e transitório) com a Administração (necessariamente técnica e neutra
porque permanente no tempo) cria problemas e distorções de conduta, a fusão do
Governo com o Estado (que, por ser de todos, não pode ter partido) faz coisa
ainda pior no plano da política interna e externa. Desde a proclamação da
República, todo governante trata de aparelhar o Estado e exercer influência
sobre suas estruturas.
Por fim, quero lembrar que o relativismo moral veio para
acabar com a moral. O novo totalitarismo elegeu como adversário os valores do
Ocidente. Multidões, sem o perceber, tornaram-se moralmente sedentárias.
Abandonaram os exercícios que moldam a consciência e fortalecem a vontade. Ao
fim e ao cabo, em vez de uma sociedade onde os indivíduos orientam suas vidas
segundo os conceitos que têm, constituímos uma sociedade onde os indivíduos
conformam seus princípios e seus valores à vida que levam.
Percival Puggina é membro da Academia Rio-Grandense de
Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e
de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
Um comentário:
Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus.
( MATEUS 5:16 )
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