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Por Carlos I. S. Azambuja
O texto abaixo foi extraído de
algumas páginas do livro “A Crise do Movimento Comunista”, escrito por Fernando
Claudin - dirigente expulso do Partido Comunista Espanhol em 1965, juntamente
com Jorge Semprun -. Foi publicado na França em 1970, e posteriormente no
Brasil com tradução e Introdução de José Paulo Netto. No livro, Claudin,
através de uma abordagem metodológica fiel a Marx, desenvolve uma investigação
minuciosa que abarca cerca de meio século de História: da fundação da
Internacional Comunista (1919) à invasão da Checoslováquia (1968).
Em novembro de 1936, o VII Congresso dos Sovietes aprovou uma nova Constituição – a Constituição Stalinista – que oferecia uma idílica imagem da sociedade soviética, modelo de democracia sem precedentes, liberdade, humanismo, etc. Nas palavras de Stalin: “A nova constituição consagra o fato, de alcance histórico universal, de a URSS entrar em uma nova etapa de desenvolvimento; na etapa de coroação da edificação da sociedade socialista e a transição gradual à sociedade comunista”.
Em novembro de 1936, o VII Congresso dos Sovietes aprovou uma nova Constituição – a Constituição Stalinista – que oferecia uma idílica imagem da sociedade soviética, modelo de democracia sem precedentes, liberdade, humanismo, etc. Nas palavras de Stalin: “A nova constituição consagra o fato, de alcance histórico universal, de a URSS entrar em uma nova etapa de desenvolvimento; na etapa de coroação da edificação da sociedade socialista e a transição gradual à sociedade comunista”.
No momento em que um terror massivo
se abatia sobre a sociedade soviética, Stalin apresentava-a ao mundo como o
reino da liberdade, “a liberdade de palavra, de imprensa, de reunião (...) a
inviolabilidade pessoal, a inviolabilidade de domicílio, de correspondência; a
democratização completa do sistema eleitoral”, embasado no sufrágio universal.
E todas estas liberdades são verdadeiras, autênticas, não estão falseadas como
na putrefata democracia burguesa, e nem pela exploração do homem pelo homem, e
têm como sólido fundamento “a propriedade dos meios de produção”.
Entre esse espelho da mais perfeita
democracia proletária e a liquidação física das personalidades mais
representativas da velha guarda revolucionária, não mais existia nenhuma
contradição e só os anti-soviéticos empedernidos encontrariam alguma.
Tratava-se de pessoas que se degeneraram moral e politicamente, enquanto que a
massa do povo, sob a sábia direção de Stalin, avançava triunfalmente no rumo do
comunismo. Eram – segundo as científicas caracterizações stalinistas –“monstros”, “lacaios
dos fascistas”, “agentes dos serviços de espionagem da burguesia estrangeira”.
Numa palavra: “inimigos do povo”.
A História “demonstra” que todas as
revoluções tiveram seus traidores, seus renegados, convertidos em “insignificantes
moscas contra-revolucionárias”, frente à grandeza da revolução em marcha. Dos
milhões de “moscas contra contra-revolucionárias”, ainda mais insignificantes,
enviados para os campos de extermínio, ou exterminados sem necessidade de
campos, verdadeiramente não valia a pena falar. E, sobretudo, não se podia
falar, porque nesse aspecto era difícil encontrar precedentes históricos “comprobatórios”.
Comparativamente ao terror
stalinista, o da grande revolução francesa parecia uma bagatela. E, além dessa
falta de precedentes históricos, o extermínio de milhões de moscas ínfimas era
quase impossível de compatibilizar com a luminosa Constituição stalinista,
modelo de liberdade e humanismo. Conseqüentemente, essa faceta da vitoriosa
edificação do socialismo foi guardada em segredo, sob sete cadeados, o mais
sólido dos quais, no interior da URSS, era o próprio terror e o que se lhe
seguia em eficácia, a total incomunicabilidade do mundo soviético com o
exterior, e vice-versa (a organização dasdelegações intelectuais ou operárias
à URSS era parte do mecanismo dessa incomunicabilidade:constituía a sua folha
de parreira).
Apesar de todas as precauções, o
segredo foi revelado no exterior das fronteiras soviéticas, mas os comunistas e
amplos setores do movimento operário não podiam – no sentido mais
literal do termo – acreditar nas denúncias. A própria dimensão monstruosa dos
fatos tornava-os inverossímeis para qualquer operário que tivesse um mínimo de
confiança no Partido Comunista e em seus dirigentes. Só caluniadores profissionais,
agentes da burguesia e do fascismo, poderiam atribuir-lhes tais crimes e
semelhante duplicidade. E os comunistas não tinham um mínimo de desconfiança:
tinham fé ilimitada, religiosa, nos dirigentes soviéticos. Era essa a essência
da formação marxista que receberam nas fileiras da IC.
Uns, sobreviventes das
primeiras gerações de militantes comunistas, eram produto da “bolchevização”:
seu universo mental, seus hábitos, seus esquemas ideológicos, permitiam-lhes
encontrar justificativas para tudo que vinha de Moscou, bem como argumentos
para “explicá-lo” aos neófitos da nova igreja. Estes constituíam, na segunda
metade dos anos 30, o grosso dos efetivos da IC nos países capitalistas.
Formavam a geração do antifascismo e dos planos qüinqüenais. Chegaram à luta
revolucionária sob o signo do ódio ao fascismo e do entusiasmo ilimitado pelo
mundo inédito que surgia das ruínas da velha Rússia. Esse mundo, que a revista URSS
em Construção apresentava como o paraíso terrestre.
Entre as principais características
desses novos comunistas – além da sua combatividade antifascista – figuravam a
absoluta carência de espírito crítico ante tudo que levasse o selo soviético e
o “praticismo”, como se dizia na gíria do partido. A teoria era, para eles, uma
preocupação menor, uma vez que todos os problemas importantes vinham resolvidos
“de cima” e seu principal alimento teórico eram as obras de Stalin.
Concluindo: foi dessa geração de
comunistas que saíram o conjunto de quadros médios e alguns dos principais
dirigentes dos partidos comunistas de todo o mundo nas etapas seguintes, as da
Resistência, da Libertação, dos governos de “União Nacional”, da Guerra-Fria e
da nova fase do Terror Stalinista. Esse é um dado a reter, pois facilita a
compreensão do comportamento dos partidos comunistas depois da dissolução da
Internacional Comunista.
Uma pergunta final: Os comunistas
não-soviéticos, vinculados à direção e ao aparato da Internacional, que viveram
em Moscou naqueles anos, como, por exemplo, o chamado Cavaleiro da Esperança,
alguns completando sua educação marxista, conheciam o interior do mecanismo do
terror stalinista e suas verdadeiras dimensões? Problema importante, mas de
resolução impossível, antes que se conheça o inteiro teor de alguns arquivos,
que começaram a ser abertos por Gorbachev e Boris Yeltsin, e que não se abrirão
totalmente enquanto não chegar o segundo Outubro soviético.
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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