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Por Carlos I. S. Azambuja
O texto abaixo foi extraído de
algumas páginas do livro “A Crise do Movimento Comunista”, escrito por Fernando
Claudin - dirigente expulso do Partido Comunista Espanhol em 1965, juntamente
com Jorge Semprun -. Foi publicado na França em 1970, e posteriormente no
Brasil com tradução e Introdução de José Paulo Netto. No livro, Claudin,
através de uma abordagem metodológica fiel a Marx, desenvolve uma investigação
minuciosa que abarca cerca de meio século de História: da fundação da Internacional
Comunista (1919) à invasão da Checoslováquia (1968).
No dia 10 de junho de 1943, a Internacional Comunista (IC), fundada em 1919 como “centro dirigente do “Movimento Operário Internacional”, deixou de existir. Essa fórmula indicava que as seções nacionais da IC subsistiriam, transformadas em partidos comunistas independentes, liberados das obrigações derivadas dos Estatutos e Resoluções dos Congressos da IC.
No dia 10 de junho de 1943, a Internacional Comunista (IC), fundada em 1919 como “centro dirigente do “Movimento Operário Internacional”, deixou de existir. Essa fórmula indicava que as seções nacionais da IC subsistiriam, transformadas em partidos comunistas independentes, liberados das obrigações derivadas dos Estatutos e Resoluções dos Congressos da IC.
Assim, de Seções de um partido mundial
único, dirigidas por um Comitê Executivo, cujas decisões eram “obrigatórias
para todas as Seções e devem ser imediatamente aplicadas por estas”, os
partidos comunistas passaram a ser, da noite para o dia, partidos nacionais
independentes e desvinculados entre si.
Ora, uma independência absoluta desse
gênero dificilmente se conciliaria com o internacionalismo marxista. Então, a
criação da Terceira Internacional, assim como a das suas duas antecessoras, foi
uma conseqüência lógica, a nível da práxis política, do princípio teórico
formulado por Marx nos Estatutos da Primeira Internacional: “A emancipação dos
trabalhadores não é uma tarefa local nem nacional, mas social e internacional”. Isso
significa dizer que, do caráter internacional da tarefa, derivava a necessidade
de uma organização do mesmo tipo – suas estruturas, funcionamento e programas -.
A teoria do socialismo em um só país
se converteu na doutrina oficial da IC, e passou a ser o princípio diretor da
concepção mundial formulada no programa aprovado em seu VI Congresso (1928). “A
desigualdade do desenvolvimento econômico e político é uma lei absoluta do
capitalismo. Essa desigualdade se agrava e acentua na época imperialista. Disso
resulta que a revolução proletária internacional não pode ser considerada uma
ação única, simultânea e universal. A vitória do socialismo é possível,
portanto, no início, em alguns países capitalistas, inclusive num só país,
tomado isoladamente”. E a marcha da revolução internacional passou a ser a
seguinte: “a transição da ditadura mundial do imperialismo à ditadura
mundial do proletariado engloba um longo período de lutas, revezes e vitórias
do proletariado, um período de crise contínua do sistema capitalista e de
crescimento das revoluções socialistas, de guerras nacionais e de sublevações
coloniais. Um período que compreende a coexistência, no seio da economia
mundial, dos sistemas sociais e econômicos capitalista e socialista com suas
relações pacíficas e suas lutas armadas”.
A marcha da revolução mundial passou
a ser dominada pela “nova contradição fundamental, de envergadura e
significação histórica mundiais, surgida no desdobramento do primeiro ciclo de
guerras mundiais: a contradição entre a URSS e o mundo capitalista”. Daí,
que a ditadura do proletariado na URSS detenha a hegemonia do movimento
revolucionário mundial.
Recorde-se que do II ao VI Congressos
da Internacional Comunista, os seus estatutos foram sendo modificados sempre no
sentido de acentuar a centralização e os poderes do Comitê Executivo. Os
aprovados no II Congresso determinaram que as instruções do Comitê Executivo
têm “força de lei” para todas as seções nacionais. “O Comitê Executivo tem o
direito de exigir dos partidos filiados que excluam os grupos ou indivíduos que
infrinjam a disciplina proletária e pode exigir a exclusão dos partidos que
violem as decisões do Congresso Mundial”.
O V Congresso afirmou que as
diretrizes do Comitê Executivo são “imperativas” e têm de ser “imediatamente
aplicadas”; o Comitê Executivo tem poderes “para anular ou emendar as
decisões dos órgãos centrais e dos congressos das Seções, e tomar decisões,
obrigatórias para os órgãos centrais”; pode excluir da Internacional partidos,
grupos e indivíduos, não só por infringirem as decisões dos congressos, mas
também do próprio Comitê Executivo. No entanto, além disso, o Comitê Executivo
e seu Presidium “podem enviar representantes seus às Seções, tendo que ser
admitidos a todas as reuniões e sessões dos órgãos centrais e das organizações
locais”. Nos congressos, conferências ou deliberações da Seção Nacional, esses
representantes têm direito a “defender opiniões diferentes das do Comitê
Central da Seção, se o exigir a diretiva do Comitê Executivo”.
No VI Congresso da Internacional, o
Informe da Comissão de Estatutos observou que “é totalmente impossível, para o
Comitê Executivo da IC, dirigir desde Moscou”, todavia, o Congresso não deu
passos no sentido da descentralização. Antes, criou, no seio do próprio centro
dirigente, uma série de birôs para ajudá-lo a dirigir âmbitos regionais –
Europa Ocidental, África do Sul, Oriente, etc) -. Ou seja, aumentou ponderavelmente
o aparato burocrático do Comitê Executivo. E, ademais, concedeu a este não só o
direito de enviar “representantes” às seções nacionais, mas também “instrutores”;
Em lugar de afrouxar o nó górdio das estruturas ultra-centralistas da IC, o
apertou ainda mais.
Em radical contradição com a
concepção que Marx e Engels tinham do que deveria ser um partido
revolucionário, tanto em escala nacional como internacional, a IC entronizou
cada vez mais – seguindo a inspiração de Stalin – uma concepção burocrática do
funcionamento da unidade do partido; quer de sua unidade política e
organizacional, quer de sua unidade teórica. A unidade é identificada com a
unanimidade, com o monolitismo. “Essa unanimidade – diz Trotski – é
apresentada como um sinal particular de força do partido”. Onde e quando,
na história do movimento revolucionário, houve um “monolitismo” semelhante?
Toda a história do bolchevismo é a história de lutas internas intensas, nas
quais o partido adquire suas opiniões e forja os seus métodos. As crônicas de
1917 - o tempo mais importante da história do partido -, estão cheias de lutas
intestinas intensas, tanto como as dos 5 anos após a tomada do Poder.
“A divergência num partido, que
parece uma desgraça, demonstra, antes, a sua força” (Hegel). Mas, para entender
isso, há que partir de uma concepção dialética, e o vício fundamental da
concepção staliniana consistia, precisamente, no abandono da dialética. As
contradições inerentes ao desenvolvimento do partido devem ser resolvidas com
medidas administrativas, burocráticas. E, para que essas soluções possam
impor-se, há que converter a “unidade do partido” em mito.
O mito, nesse caso, é a transformação
da “unidade do partido” no bem supremo. Há que subordinar à unidade qualquer
discussão política ou teórica que suscite divergências, porque as divergências
podem converter-se em tendências, as tendências em frações e as frações em
cisão... Não basta que a minoria acate a lei da maioria. É preciso que não haja
minoria. Se, por acaso, aparecerem discrepantes, não é suficiente que aceitem
as opiniões da maioria. É necessário quepensem como a maioria. Assim se
alcança a perfeição monolítica e todas as divergências desaparecem, não só como
ato, mas como pensamento.
Em substância, é esse o sistema
ideológico-organizacional que passou a viger na IC nos anos 30. Sua lógica
conduzia a considerar que a virtude principal do revolucionário, convocado para
a transformação do mundo, suposto portador da ideologia social mais avançada,
consistia em... NÃO PENSAR.
Depois da ascensão de Hitler ao Poder
na Alemanha, a ameaça do fascismo e da guerra e o perigo de agressão à União
Soviética, fornecem a metafísica do “monolitismo”.
Para encerrar, leiam a advertência de
Giorgy Dimitrov, em seu discurso de encerramento do VII Congresso da
Internacional Comunista:
“Aquele que tentar violar a unidade
de ferro de nossas fileiras através de uma ação fracionista qualquer,
aprenderá, por experiência própria, o que significa a disciplina bolchevique
que nos ensinaram Lenin e Stalin. Que isto
sirva de aviso aos poucos elementos que, em certos partidos, pensam em
aproveitar as dificuldades passadas, as feridas, as derrotas e os golpes
assestados pelo inimigo para realizar seus planos fracionistas ou prosseguir
com seus interesses de grupo! Acima de tudo, o Partido! Defender a unidade
bolchevique do Partido como a menina dos olhos, esta é a lei primeira. A lei
suprema do bolchevismo!”
A partir daí, e até os nossos dias, o
terror e a mentira passaram a ser o método exemplar para a defesa da “unidade
monolítica” dos comunistas, dos seus partidos e do Movimento Comunista
Internacional.
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GIORGY DIMITROV (18 de junho de 1882 - 2 de julho de 1949). Foi um estadista búlgaro, Secretário-Geral da Internacional
Comunista entre 1934 e 1943, e dirigente da Bulgária entre 1948 e 1949. Militante comunista desde a juventude, Dimitrov foi um dos
líderes da insurreição revolucionária de 1923 na Bulgária. Exilou-se e passou a trabalhar para o Komintern em
vários países, sendo preso em 1933, na Alemanha, depois que os nazistas chegaram
ao Poder. Após ser processado, conseguiu ser repatriado para a URSS, que lhe concedeu cidadania soviética. Em 1934, foi eleito Secretário-Geral
da IC e, como tal, presidiu seu último Congresso, em 1935, no qual foi aprovada a
tática da Frente Popular.
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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