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Por Carlos I. S. Azambuja
O texto abaixo é o resumo de um dos
capítulos do livro CAMARADAS – uma História do Comunismo Mundial -, escrito
por Robert Service, um dos maiores especialistas em história moderna da Rússia
- historiador, acadêmico e escritor britânico; leciona História Russa na Oxford
University -. A importante mensagem transmitida por esse livro, tanto para os
contemporâneos quanto para as gerações vindouras do Século XXI, é que, embora o
comunismo, em seu formato original, esteja morto ou em estado terminal, a
pobreza e a injustiça que possibilitaram seu surgimento ainda vivem perigosamente,
vulneráveis à exploração de extremistas.
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O comunismo causou espanto ao mundo
quando seus adeptos chegaram ao Poder na Rússia em 1917, e na época em que ele
perdeu sua supremacia política no país e em muitos outros Estados, próximo ao
fim do Século XX. Até a Primeira Guerra Mundial, em toda a parte, os marxistas
viviam falando sobre uma boa revoluçãozinha sem fazer muita coisa para
concretizá-la. Fundamental foi a longa tradição de idéias revolucionárias
peculiares à Rússia, no final do Século XIX. Terrorismo estatal, ditadura,
centralização político-econômica e doutrinação atraíram muitos seguidores.
Também ressentimentos profundos permeavam toda a sociedade imperial e o abismo
de sentimentos conflitantes que, de um lado, punha trabalhadores e camponeses
e, de outro lado, as elites poderosas e os ricos.
A guerra contra as Potências
Centrais, a partir de 1914, causou fortes tensões no Império Russo. Quando a
monarquia russa ruiu, o governo provisório enfrentou uma situação de emergência
grave na sociedade e na economia. Com isso, os comunistas tiveram uma chance,
como nenhuma outra na história do país, para fazer uma revolução. Chance que
não desperdiçaram.
Suas primeiras medidas desastradas
para a instauração de um governo comunista deixaram a Rússia internacionalmente
em sua economia e em seu sistema de defesa, situação acompanhada, no plano
interno, por uma crescente onda de descontentamento, alienação e possível
oposição. As políticas de Stalin do fim da década de 1920 industrializaram a
União Soviética e a transformaram numa grande potência.
O comunismo na Rússia foi quase
eliminado pelos Estados não-comunistas, mas, nos últimos meses de 1919, os
aliados ocidentais, em conseqüências de pressões internas e considerações geopolíticas,
haviam abandonado toda ambição imediata de derrubar Lenin. Quando, na década de
30, o poder do Exercito Vermelho aumentou, os países democráticos ficaram ainda
mais relutantes em sua intenção de pegar em armas para enfrentar Moscou. De
mais a mais, seus empresários estavam conseguindo lucros polpudos com
exportações para a URSS.
A sobrevivência do comunismo
soviético resultou também do isolamento político e cultural do país em relação
ao mundo capitalista. Empreendimentos privados, movimentos nacionalistas,
buscas espirituais e cultos religiosos foram mais ou menos erradicados. As
reformas de Kruschev abrandaram um pouco as coisas, e Brejnev, apesar de haver
revertido algumas de suas reformas, absteve-se de restaurar aquele velho clima
de austeridade política. Gorbachev foi alem de Kruschev em matéria de reformas,
revogou o estado de sítio e, sem querer, acabou fazendo o sistema desmoronar.
Contudo, o regime deixado por Stalin
não poderia ter perdurado sem mudanças. Os burocratas eram negligenciados e
ignoravam determinações superiores e as necessidades do povo. A qualidade dos
serviços e produtos, exceto nas esferas mais altas da hierarquia, era muito
inferior à dos padrões mundiais. A economia cumpria os planos quinquenais sem,
contudo, melhorar as condições de vida da maior parte das pessoas. Objetivos
militares pesavam no orçamento e condicionavam toda a organização e cultura da
sociedade.
Stalin era um militarista ambicioso,
mas pretendia também criar uma sociedade próspera, embora nem ele e nem seus
sucessores tivessem chegado perto de satisfazer os anseios populares. Enquanto
os problemas se acumulavam, os dirigentes acabaram percebendo que eram mais
eficientes na supressão do que na eliminação real das tendências
anticomunistas. No subsolo do totalitarismo stalinista jaziam diferentes
espécies de sementes capazes de germinar a qualquer momento. Como se vê, as
raízes pré-revolucionárias haviam se aferrado à vida.
Essa não foi a única razão pela qual
a União Soviética ficou vulnerável quando seus dirigentes afrouxaram o regime
de terror. Quando a economia deixou para trás a primeira fase da
industrialização do país, os dirigentes comunistas se depararam com tarefas de
uma complexidade crescente.
Começaram a surgir questões cuja
solução demandava a ajuda de cientistas, acadêmicos e profissionais da área
gerencial. Com isso, os conselheiros do regime foram adquirindo influência cada
vez maior sobre a elaboração de programas político-sociais, e os repetidos
fracassos dos dirigentes comunistas acirraram o ressentimento popular.
O sistema comunista continha
elementos que inibiam o desenvolvimento de iniciativas que estivessem fora do
âmbito das políticas correntes. Além disso, as autoridades não conseguiam
reproduzir o dinamismo do setor armamentista nos demais setores da economia.
Nenhuma reforma de instituições de agrado dos cidadãos funcionava.
Essa era a feição do sistema quando,
com poucas adaptações em cada Nação ele foi adotado, após 1945, na maioria dos
países do Leste Europeu, onde se acumularam as mesmas dificuldades logo que os
comunistas assumiram o Poder. Nesses países houve opressão política, alienação
social e engessamento da economia.
Burocratas formavam grupos de
apadrinhados. Informações enviadas aos escalões superiores eram distorcidas
para beneficiar os remetentes e frustrar os objetivos impraticáveis ou
desagradáveis dos destinatários. Enganar o poder central tornou-se um modo de
vida. O comunismo, ainda mais do que outros sistemas políticos, precisava
contar com a eficiência de seus administradores para transmitir dados precisos
aos líderes supremos. Porém, ele nunca conseguiu alcançar esse objetivo.
Os comunistas chegaram à conclusão de
que a opressão política, social e nacional era inevitável, mesmo num governo de
democracia liberal. Acreditavam também que o capitalismo, por sua própria
natureza, é instável e injusto. Por isso, achavam que ele estava perto do fim.
Acreditavam que o comunismo se mostraria superior em inventividade tecnológica.
Essa visão era uma mistura perniciosa de exageros e equívocos gritantes. De
forma geral, os países que respeitam os direitos civis e regimes democráticos
têm sido mais eficientes na eliminação de abusos de poder.
A previsão de Marx e Engels de que
haveria um empobrecimento generalizado não se concretizou. Eles argumentaram
que a economia de mercado, à medida que se expandisse reduziria todas as
pessoas à condição de indigentes, e de que guerras mundiais eram inevitáveis
num mundo dominado pelo capitalismo, revelando-se adivinhadores indignos de
confiança.
Ao dar-se conta de que o comunismo
estava frustrando a realização de seus objetivos, alguns líderes comunistas se
entrincheiraram às pressas nas fileiras do nacionalismo. Essa era uma opção na
maior parte dos países da Europa Oriental, onde o poder soviético os mantinha
presos aos grilhões do controle ideológico. Tito e Ceausescu foram exceções.
Isso aconteceu logo depois da Revolução de Outubro. Ah, se pelo menos Lenin não
tivesse morrido tão prematuramente... Se pelo menos Bukharin tivesse sido um
político melhor e tivesse impedido a ascensão de Stalin ao Poder... Se pelo
menos a Rússia não estivesse tão atrasada econômica e culturalmente e não
tivesse sido combatida por tantos países capitalistas poderosos...
Em todos os países, o desejo de poder
gozar de liberdade de escolha em matéria de passatempos, esportes e formas de
entretenimento, continuaram fortes. Perdurou também o anseio de que a sociedade
fosse tratada como algo mais do que simples massa de manobra. Disseminou-se o
conhecimento sobre as realidades vividas pelo Ocidente e as características
grosseiras da propaganda comunista passaram a ser rejeitadas por um numero
crescente de cidadãos. Cresceu o anseio dos povos para derrubar as barreiras
que lhes permitissem gozar das mesmas vantagens materiais e sociais desfrutadas
pelas sociedades estrangeiras.
Muitos governos dos países comunistas
da Europa Oriental que rejeitaram reformas – ou as puseram em prática apenas de
forma limitada –, foram bruscamente derrubados em 1989/1991, pois o comunismo
havia sido mantido de pé à força e uma conjugação de fatores – na geopolítica,
no fracasso econômico, na emancipação social, na mudança de gerações, na
falência ideológica e na busca de alternativas políticas -, o lançou por terra.
Todavia, foi muito mais fácil erradicar o fascismo do que o comunismo.
Todavia, não se pode asseverar com
demasiada ênfase que todas as ações desumanas do Século XX tenham sido
perpetradas pelo comunismo. Hitler chacinou judeus, ciganos, homossexuais e
doentes mentais aos milhões no Terceiro Reich.
Devemos recordar que as forças que
levaram ao comunismo não estão adormecidas. Mesmo porque, a opressão política e
econômica ainda está em toda a parte. Perseguições nacionalistas, sociais e
religiosas ainda perduram. Embora os velhos impérios tenham definhado, persiste
a dominação egoísta do mundo por um punhado de grandes potências. Falta
proporcionar segurança individual, oportunidades de educação e acesso garantido
a alimentos, moradia e emprego a bilhões de pessoas. Existe, portanto, muito
espaço para o aparecimento de movimentos radicais que possam desafiar esse
estado de coisas.
Nesse particular, o fenômeno mais
poderoso e sumamente perigoso é o terrorismo islâmico. Seus fanáticos
expoentes, apesar de seu relativamente pequeno número, já conseguiram abalar o
equilíbrio das forças políticas mundiais. Assim como os intelectuais marxistas,
antes da I Guerra Mundial, abraçaram a causa do proletariado industrial, agora
o Islã vem gerando revolucionários intransigentes dedicados à concretização de
seus valores fundamentais. Não se pode deixar de considerar que tais
movimentos, como o marxismo em 1917, possam assumir o controle de países
inteiros.
Todavia, parece improvável que o
comunismo em si seja ressuscitado na forma que tinha na União Soviética ou na
China maoísta. O certo é que ainda terá uma longa sobrevida, mesmo depois do
desaparecimento do último país comunista.
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