Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Odilon de Oliveira
Trava-se uma polêmica a respeito de
levantamento do sigilo de conversas telefônicas gravadas com ordem judicial,
especialmente quando um dos interlocutores, não investigado, tem prerrogativa
de foro por conta do cargo.
Lembrei-me da época do Império, cuja
Constituição Política dispunha que “a pessoa do Imperador é inviolável e
sagrada: ele não está sujeito a responsabilidade alguma” (artigo 99). O governo
era hereditário, passando de pai para filho, segundo as normas da
primogenitura. Uma dinastia. A Constituição elitizava os abastados. Estabelecia
um limite mínimo de renda pra ser senador, deputado e até para votar. Para ser
senador, o interessado tinha que provar “um rendimento anual, por bens,
indústria, comércio ou empregos a soma de 800.000” Elitizava, igualmente, a
família imperial, sobretudo a esposa, em favor da qual era instituída um ganho
para manter o “decoro de sua alta dignidade”.
Tudo isso mudou. O bem comum, de
todos, embora muitos ainda resistam, deve ser um dos objetivos fundamentais de
qualquer governo. O exercício da cidadania tem que se sobrepor ao sentimento
elitista. O interesse da sociedade é legitimado para enquadrar o poder do
governante, pois o homem é a base de tudo. O poder da sociedade é amplo e só
pode ser limitado por seus próprios interesses. O governo é passageiro. A
sociedade é vitalícia, tem supremacia.
Há princípios que regem a relação
entre o Poder e a sociedade, dentre eles o da publicidade, traduzindo em
transparência. O mandatário exerce governo do povo, para o povo. A publicidade
é uma cintilografia a permitir que qualquer pessoa veja, com seus próprios
olhos, o funcionamento do intestino da Administração Pública, que compreende
Executivo, Legislativo e Judiciário. A publicidade é o espelho da verdade e
revela a textura ética de qualquer servidor público, do mais humilde ao
Presidente da República. Nenhum cuidador da coisa pública pode se desvincular
do princípio ético, que é de natureza impositiva. Nada a esconder em relação
aquilo que faço ou falo como obreiro do povo.
A Constituição Federal garante o
sigilo das conversas telefônicas e, por outro lado, impõe que os julgamentos e
atos processuais sejam do conhecimento de qualquer pessoa. O juiz pode limitar
essa publicidade nos casos em que “a preservação do direito à intimidade do
interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”. Quando
se trata de conversa que diga respeito direto ao serviço público e sua
revelação não prejudique interesse da segurança nacional, o princípio da
transparência, de natureza vinculante, surge com maior imposição: o juiz deve
levantar o sigilo e dar publicidade.
Nenhuma diferença existe entre a
revelação do conteúdo de um interrogatório, prestado na polícia ou em juízo, e
a publicidade, por decisão judicial, do que tenha dito a mesma pessoa, ou
outra, por telefone ou por qualquer meio de comunicação. O juiz, conciliando o
direito à intimidade com o interesse público à informação, deve, em casos
assim, levantar o sigilo das conversas que digam respeito aos fatos
investigados e resguardar essa garantia dos demais diálogos. A Constituição
Federal protege a inviolabilidade, sim, mas apenas em relação a quem faz bom
uso das garantias constitucionais inerentes às comunicações. Seria uma
imoralidade conferir idêntica proteção a situações tão diferentes. A Lei n.
9.296/96, que disciplina o monitoramento telefônico/telemático, deve ser
interpretada de acordo com a Constituição Federal, a primar pelo interesse
público.
Odilon de Oliveira é Juiz Federal. É
titular da única vara especializada em crimes financeiros e de lavagem de
dinheiro de Mato Grosso do Sul. De 2005 a 2013, recuperou do crime organizado
em torno de 250 imóveis urbanos, mais de 100 imóveis rurais, 20 aeronaves e
quase mil veículos, além de milhares de bovinos, valores etc. Originalmente
publicado no blog do autor em 4 de abril de 2016.
2 comentários:
A democracia pressupõe que os eleitos - diretos, indiretos e subordinados - trabalhem para o país, para o povo, para o bem comum.
Os que estão aí são usurpadores...formam diversas gangues, verdadeiras quadrilhas, que tomaram conta do país e se servem dos recursos do povo.
Intervenção Constitucional já!
Senhores,
O ditado da gravura que ilustra essa matéria está errado.
O correto é: Manda quem pode, DESOBEDECE QUEM TEM JUIZ (no bolso)!
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