Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Marcus Faustini
Mesmo que Michel Temer, presidente
interino, consiga — após a possível aprovação final do processo de impeachment
de Dilma, presidenta eleita — governar até 2018, é impensável que seu governo
motive um pacto mínimo nacional que estabeleça alguma satisfação média dos
brasileiros. Por várias razões. Duas delas: de um lado o foco para retomar
economicamente o país é enfraquecer direitos sociais e trabalhistas, o que
certamente acirrará conflitos; de outro lado, seu governo mantém relação
interna com os grupos que tiveram expostas suas práticas de corrupção como
prática de poder. Ou seja: Temer não atende a nenhuma expectativa de setores da
população brasileira que desde 2013 expressam de diferentes formas a
insatisfação com o sistema político.
Essa fragilidade favorece apenas
pressões de quem tem interesses imediatos, próximos ao poder, para manter
privilégios, gente que atua no varejão característico de governos sem projeto
de futuro do país. Temer ainda corre o risco de, passado o impeachment, com o
desenrolar das investigações de operações como a Lava-Jato, perder seu posto,
por conta de diversas denúncias de envolvimento — fato que, a partir de janeiro
de 2017, colocaria algum deputado na presidência da República, por eleição
indireta. Para aqueles que possuem um real interesse em manter o avanço dos
valores democráticos no país e o sentido de inclusão que proporcionam, será
preciso acompanhar de perto cada movimento do governo como um todo, além da
figura de Temer.
Nesse sentido, os espaços de
expressão de opinião em todas as plataformas de meios de comunicação possuem um
papel fundamental. Mantê-los abertos para críticas e entendimento de todas as
ações, por parte da sociedade, do que é esse governo é primordial. Só isso será
capaz de estabelecer um ambiente minimamente aceitável para os próximos anos.
Não será possível esconder nem menosprezar aqueles que consideram ilegítimo o
governo Temer, por exemplo. E mais: cabe aos meios de comunicação assumir o
momento político difícil por que o país passa e manter o engajamento da
sociedade na busca de saídas para esta crise.
Qualquer tentativa de amenizar a
crise, seus dissensos, pode ainda, como efeito colateral, aumentar o descrédito
dos meios de comunicação.
As críticas ao governo, por sua vez,
também terão o desafio de ir além da polaridade que nos trouxe até aqui. Manter
o debate apenas na figura de Temer enfraquece a dimensão da crítica,
favorecendo o estranho momento que atravessamos: mesmo com toda desaprovação,
seu governo continua avançando sobre a desestabilização de direitos. Em resumo,
quero chamar a atenção, neste espaço semanal que tenho por aqui, para o fato de
que é preciso acompanhar de perto todas as ações desse governo.
A atitude crítica em relação ao governo
Temer é ambígua e constrangida neste momento. Ambígua porque mesmo aqueles que
o criticam limitam-se a escrachar a sua figura como impostor, desarticulando
qualquer iniciativa de tentativa de pressão ou diálogo que vise manter
direitos. Por outro lado, é constrangida pelo pacto silencioso de empurrar com
a barriga o governo, com o argumento de que qualquer crítica estaria apenas a
serviço daqueles que estavam no governo central até então.
Ainda não tivemos nenhuma radiografia
do governo interino, visto que já se comporta como estabelecido — um raro
privilégio adquirido, ao contrário do comportamento da opinião pública, de
instâncias de controle e da sociedade civil com os governos da última década.
Quais os grupos que ocupam, que interesses defendem em cada área? Se aceitamos
que é um governo de transição, é necessário colocar uma lupa em cada área. Ao
fazer mudanças em estruturas governamentais, por exemplo, sem debate com os
vários estratos da sociedade ou aprovação de pleito, podem estar comprometendo grande
parte das ações que desde a redemocratização mitigaram desigualdades — creio
que todo brasileiro sabe, no íntimo, que qualquer futuro do país ainda passa
pela diminuição delas.
Não será fácil ser brasileiro nos
próximos anos. Será ainda mais difícil ser um brasileiro que acredita na
política como instrumento de aumento da democracia e da mobilidade social. O
debate político estará marcado pela polarização. Acontece que, quando ela é
estabelecida como única possibilidade de engajamento, mantém outros caminhos
fechados. Tantos caminhos foram abertos desde 2013, para chegarmos a um governo
que, mesmo sendo sem respaldo de aprovação pública, segue sem controle algum do
debate aberto e democrático. Nenhum amadurecimento da vida política brasileira
acontecerá sem a abertura para críticas ao atual governo e sem a qualidade
melhorada dessa crítica. É preciso ir para dentro de Temer!
Marcus Faustini é Escritor. Originalmente publicado em O Globo em 23 de agosto de 2016.
Um comentário:
Mesmo depois da saída de Temer, as artimanhas e consequências desse julgamento terão grande influência no governo. Os políticos ainda serão os mesmos e tentarão dar destaques para outros fatos e fazer o povo esquecer de tudo, o que será até fácil.
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