“O comunismo destitui o homem da sua
liberdade, rouba sua personalidade e dignidade, e remove todas as travas morais
que impedem as irrupções do instinto cego” (Papa Pio XI)
Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Carlos I. S. Azambuja
O texto abaixo faz parte de um dos
capítulos do livro “Depois da Queda - O Fracasso do Comunismo e o Futuro
do Socialismo”, organizado por Robin Blackburn e editado pela Paz e Terra
em 1992. O livro reúne ensaios de onze respeitados intelectuais de diversas
áreas e nacionalidades, sobre o colapso do comunismo a partir de 1989. Eles
examinam, entre outras coisas, a trajetória do comunismo no Século XX, as
razões de seu fracasso, a nova ordem mundial que se seguiu à sua derrocada, e o
futuro do socialismo.
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Com relação à corrente principal do
marxismo, a corrente bolchevique de Lenin veio a representar uma espécie de
voluntarismo político. O jacobinismo e o dirigismo do conceito leninista de
partido revolucionário receberam críticas de Rosa Luxemburgo, de Trotski e
também dos mencheviques. Mas no contexto de uma autocracia incoerente, o culto
leninista à organização e à disciplina fazia sentido para muitos militantes.
A seguir, a carnificina industrial da
I Guerra Mundial e seu impacto devastador na vida de centenas de milhões de
pessoas aparentemente justificou não só a tomada do Poder pelos bolcheviques,
como também a desumanidade com que lutaram para manter o Poder. Dificilmente os
bolcheviques estariam dispostos a aprender lições de humanismo com os
responsáveis pelas hecatombes de Ypres e do Somme, ou com os que se valeram da
fome para intimidar a Europa Central em 1918/1919, ou ainda com os estadistas que
reprimiram selvagemente as aspirações das colônias à independência.
Por outro lado, os bolcheviques de
1917 ficaram impressionados, e provavelmente muito impressionados, com a
economia de guerra da Alemanha, que consideraram prova da eficácia do planejamento
físico. Em Estado e Revolução, Lenin escreveu ser possível organizar
a economia como uma entidade única. Percebe-se nessa afirmação o eco das
opiniões socialistas tradicionais acerca da formação de trustes.
A irrupção da guerra civil, em março
de 1918, e a pressão da escassez de víveres levaram à instauração do que,
depois, veio a ser denominado “comunismo de guerra”, com suas ingentes
tentativas de substituir todas as trocas por requisições. O procedimento foi
eficaz do ponto de vista militar, mas prejudicou muito a produção de pequena
escala, tratando-se de um país atrasado. Além disso, havia também nesse
procedimento um sentido bolchevique de destino, intensificado e inflexível, que
não toleraria qualquer oposição.
A vitória não trouxe relaxamento
político. Em 1921, o messianismo bolchevique foi utilizado para justificar o
monopólio cada vez mais difundido e cruel do Poder. Num espaço de poucos meses,
eliminou-se o que ainda restava de pluralismo nos Sovietes, proibiram-se
facções dentro do Partido, a Geórgia menchevique foi invadida, a revolta dos
marinheiros de Kronstadt foi sufocada militarmente e foram perseguidos e
acossados os partidários “verdes” de Makhno. Estava, assim, preparado o cenário
para Stalin.
Evidentemente não cabe a Lenin toda a
responsabilidade pelo marxismo-leninismo – doutrina que desconhecia. Apesar de
não ser um pensador sistemático, Lenin, de certa forma, intuiu melhor do que
Marx a necessária complexidade, tanto da política quanto da economia.
Juntamente com outros marxistas russos, em especial Bogdanov, Lenin percebeu
que as organizações políticas teriam necessariamente que ser autônomas, ainda
que só em parte. Portanto, não deixava de haver uma genuína intuição no
voluntarismo de suas primeiras obras.
Mas só em seus últimos anos de vida,
Lenin se deu conta de que sua descoberta era uma faca de dois gumes,
contribuindo para criar uma força política possível de ser utilizada para fins
que ele desaprovava. Suas últimas obras, que refletem essa dolorosa
constatação, atacam a autonomia e a arrogância da nova burocracia soviética.
Porém, como demonstraram historiadores marxistas, como Isaac Deutscher e Moshe
Levin, quando Lenin mal começava a perceber os verdadeiros perigos foi tragado
pelo contexto prático e histórico e abatido pela doença.
Nem por isso Lenin e Trotski escapam
à acusação de terem, até certo ponto, preparado terreno para Stalin, por
exercerem a ditadura do Partido de modo não raro cruel. Um dos piores textos
que Lenin escreveu no período revolucionário, How to Organize Competition,
em 1918, está cheio de formulações mal avaliadas e extremadas. Por alguma
razão, ele mesmo decidiu não publicar o texto, que ficou arquivado e só foi
publicado noPravda em 1929. Com base nesse texto, pôde justificar com credenciais
leninistas sua ferocidade impiedosa.
Em seu cuidadoso estudo do período
anterior a Stalin, Before Stalinism, Samuel Parber demonstrou que
Rosa Luxemburgo fora profética ao denunciar as práticas bolcheviques, já em
1918. Faber mostra que os bolcheviques violaram até o seu propalado apego à
legalidade e à autoridade soviéticas. Durante os meses da revolução, os órgãos
do Partido invadiram os Sovietes, restringiram ou aboliram o pluralismo no
campo revolucionário, manipularam eleições, permitiram ou estimularam a
repressão desordenada, impediram a instauração de uma imprensa e um Judiciário
independentes, e restabeleceram a gestão unificada da indústria.
Em seu relato minucioso e
documentado, Farber faz distinção entre o governo bolchevique dos primeiros tempos
e o stalinismo, mas estabelece com clareza elos de ligação. A obra peca,
talvez, por não atribuir o devido peso ao trágico contexto nacional e
internacional, dominado pelas pressões da guerra e da fome. Contudo, Farber não
deixa de observar que o “comunismo de guerra” contribuíra indiretamente para
agravar a escassez de alimentos. Até mesmo Lenin e Trotski reconheceram que as
políticas econômicas do “comunismo de guerra”, independendo de sua
justificativa militar, haviam contribuído para causar à economia violentos
transtornos.
Na Rússia, como no resto da Europa, a
imposição da economia de guerra não funcionou como antecâmara para o
socialismo, bem longe disso; além de não ter evitado a fome e as epidemias,
pode até tê-las agravado. Os fracassos da política econômica, somados aos
problemas políticos, deram margem a protestos populares. Bertrand Russell,
depois de ter estado na Rússia em 1920, publicou uma crítica aos bolcheviques,
na qual afirmou que muitas das características mais lamentáveis e repressivas
do governo bolchevique tinham relação com o fracasso econômico e reconheceu que
o bloqueio econômico influíra nesses fracassos, mas ressaltou que cabia também
aos bolcheviques parte da culpa pelo colapso da agricultura, devido ao efeito
literalmente contraproducente da insistência em se apropriarem da produção dos
camponeses, em vez de simplesmente tributá-la.
Na jovem república soviética, o lider
menchevique Martov aceitou a Revolução de Outubro como fato consumado e
pleiteou sua defesa contra os inimigos. Mas atacou violentamente o “terrorismo
político” e a “utopia econômica” das políticas bolcheviques. Martov
sustentara, desde 1905, que os Sovietes e os sindicatos deveriam contribuir de
modo independente para a vitalidade da sociedade civil – essa independência,
dentro do processo mais amplo da revolução democrático-burguesa, seria
defendida pelos marxistas.
Coerente com essa postura, Martov
opôs-se à dissolução da Assembléia Constituinte em 1918, embora ainda fosse
favorável à atuação independente dos Sovietes e dos sindicatos. As eleições
deixaram patente ser essa a opinião comum à classe operária russa, o que
permitiu aos mencheviques recuperarem grande parte do apoio que haviam perdido
para os bolcheviques em 1917. Martov, ao contrário de Kautsky, tentou
estabelecer ummodus vivendi com os bolcheviques durante a guerra civil,
mas ambos eram de opinião que a guerra criara condições extremamente negativas
para qualquer projeto socialista ou democrático.
Ao ser designado presidente
do Comitê de Socialização, em 1919, Kautsky ficou estarrecido com a
extensão do colapso econômico, e pediu que fosse prioritária a recuperação da
produção. Frisou anda que tal meta seria atingida pelo sistema de controle de
trabalhadores e consumidores, e não pela “burocracia centralizada”. Martov, por
sua vez, fez uma oposição mais coerente e radical que a de Kautsky à guerra
européia.
Afirmou que a guerra imperialista
rompera e dividira a classe operária, fazendo aumentar o lumpemproletariado sem
raízes, desesperado, vulnerável a qualquer demagogia. Escrevendo acerca da Nova
República soviética, Martov diz que “está florescendo... um quase-socialismo de
trincheiras, baseado na simplificação de toda a vida”. Os bolcheviques
fizeram ver o extremismo dessa asserção, e o mesmo fizeram os black
undred. Martov, com relutância, admitiu preferir os primeiros aos segundos. Em
seu entender, porém, por terem adotado a política de requisição de armas à
força, os bolcheviques tinham cavado um abismo entre eles mesmos e os produtores
diretos, tanto nas cidades quanto nas áreas rurais.
Em outubro de 1921, ao justificar a
Nova Política Econômica, o próprio Lenin reconheceu que “erramos ao tentar
passar diretamente da produção à distribuição comunista”. Como se sabe, o
pensamento econômico posteriormente adotado por Lenin passou a conter amplas
concessões à necessidade de mercados internos e de produção em pequena escala,
bem como à necessidade de investimentos externos.
2 comentários:
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acp
Escreva um artigo para desmentir o falso decalogo de lenin que desde que a internet existe engana tolos. Aquele, sobre greves, libertinagem, armas... Nem lenin nem nenhum comuna o escreveu.
acp
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acp
Escreva um artigo para desmentir o falso decalogo de lenin que desde que a internet existe engana tolos. Aquele, sobre greves, libertinagem, armas... Nem lenin nem nenhum comuna o escreveu.
acp
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acp
Tendo sido o livro organizado por alguém, de quem é o capítulo que o trecho forneceu?
O inferno é pouco e pequeno para os comunas
acp
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