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Por Hélio Duque
O artigo 102 da Constituição define
que a sua guarda é competência do Supremo Tribunal Federal. Quando um ministro
da corte suprema resolve afrontar o texto constitucional, faz da lei tabula
rasa, abrindo flanco por onde interesses anti-republicanos podem prosperar.
A lambança comandada por Ricardo
Lewandowski, presidente do STF e Renan Calheiros, presidente do Congresso
Nacional, no fatiamento do art.52 da Carta Magna, na votação do impeachment da
presidente Dilma Rousseff, cristalizou a trama que vinha sendo amadurecida há
semanas. Apresentado o destaque de votação binária do texto constitucional, o
presidente do STF, ao invés de rejeitar a proposta, optou pela militância
política. Aceitou as duas votações, justificando com considerações simplórias,
demonstrando que havia se preparado para acatar o atropelamento constitucional.
O art.52 da Constituição estabelece
competência do Senado para processar e julgar o presidente, definido no
parágrafo único que a condenação, advinda por dois terços dos votos dos
senadores, determinará: “à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos,
para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais
cabíveis.” Afrontando o texto constitucional, o ministro Lewandowski
justificou: “A pena inabilita o condenado ao exercício de qualquer função
pública. De professor, de servidor de prefeitura, enfim, até de merendeira de
um grupo escolar.”
A sentença do impeachment fatiado, ao
condenar Dilma Rousseff, por crime de responsabilidade obteve 61 votos sim e 20
votos não. Naquele que a inabilitaria para o exercício da função pública foi
vitoriosa pelo placar de 42 a 36. Imagine se o resultado houvesse sido o
inverso. Não teria sido cassada do mandato presidencial, mas estaria
inabilitada para o exercício de função pública. Realidade muito bem traduzida
pelo jornalista Vitor Hugo Soares, na “Tribuna da Bahia” (2-9-2016): “A
sociedade brasileira e o mundo testemunharia um episódio real e transcendente
importância política e institucional, mas com desfecho à moda de fado
tropical”.
Ao subverter o princípio de segurança
jurídica, o presidente do STF, interpretando com criatividade indecente o art.
52 da Constituição, deixou uma porta escancarada para o futuro. Se no primeiro
momento beneficia a ex-presidente, o objetivo claro é garantir os direitos
políticos dos futuros réus da “Operação Lava Jato”. Não é sem propósito que o
grande defensor da diferenciação da perda de mandato e perda dos direitos
políticos tenha sido o senador Renan Calheiros. No plenário exibindo a
Constituição, com eloquência, dizia que “não podemos ser desumanos.”
O comando compartilhado dos
presidentes do STF e do Congresso Nacional, na manobra do fatiamento
constitucional, esconderia mistérios para os leigos, mas facilmente decifrável
para quem é razoavelmente informado. As várias dezenas de políticos que serão
denunciados (espera-se com provas irrefutáveis) na “Lava Jato” passam a nutrir
a esperança de ver os seus direitos políticos intocáveis. Os quadrilheiros
enrolados na Justiça, detentores de mandatos, seriam os grandes beneficiados
pela votação expressada nos 42 sufrágios dos senadores, muitos deles envolvidos
no patrimonialismo oficializado, nas investigações da mega corrupção da
Petrobrás e na ladroagem em vários setores da administração pública.
Em tempo: Na Itália, com a “Operação
Mãos Limpas”, a aliança do legislativo e setores do judiciário, anulou os
avanços no combate à corrupção mafiosa que detonou todo o sistema político. Em
13 de julho de 1994, o Congresso Nacional, aproveitando a euforia popular com a
Copa do Mundo nos EUA e as vitórias da “squadra azzurra”, aprovou uma nova
legislação. Anistiava os corruptos, centenas de empresários e políticos
envolvidos nas falcatruas fartamente operadas nos vários processos. Os
italianos honestos apelidaram a lei: “Salvi Ladri”. Estaria, no Brasil, em
desenvolvimento a operação “Salvi Ladri tropical”?
Helio Duque é doutor em Ciências,
área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado
Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.
2 comentários:
Nossas autoridades e poderes merecem respeito, mas levando para um lado brincalhão, existe uma semelhança com o hotel Transilvânia. A nova presidente do STF tem um "ar" de quem mora em um castelo daqueles(lembra um personagem do extraordinário Chico Anísio); o presidente já é famoso pela comparação com o "drácula"; seu ministro de relações exteriores também já carregava essa imagem de "vampirão". So falta a festa de aniversário dos "cento e dezoito aninhos" para a micinha. Os fantasmas já se foram: Lula e Dilma. E por aí vai...
Com todo o respeito e em sintonia com a maior parte do texto, percebo que houve um equivoco, pois os 42 a que se refere votaram pela aplicação da pena, a inabilitação.
O problema se deu na sentença, que lastreada em uma premissa falsa, a de que era exigido quórum de 2/3 nesta situação, o que absolutamente não procede, inverteu a decisão majoritária e soberana do Senado, obediente ao texto constitucional.
Este quórum só é exigido para a condenação, até por que a inabilitação era pena obrigatória
. uma simples leitura do artigo 52 da CF deixa clara esta condição
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