Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Arnaldo Jabor
O que é o “militante imaginário?” O
filósofo José Arthur Giannotti criou essa expressão e eu a achei perfeita. O
“militante imaginário” é o sujeito que se acha revolucionário, mas nunca fez
nada pelo povo. Chamemo-lo de MI. É-se militante imaginário como se é Flamengo
ou Corinthians. Agora, nesta grande crise de mutação que vivemos, pululam
militantes imaginários.
O MI se julga em ação, só que não se
mexe. Ele é a favor de um Bem que não conhece bem. O que é o “Bem” para ele, o
nosso militante imaginário?
Para o MI de hoje o “Bem” é uma mistura
de crenças ideológicas que nos levariam a um futuro de felicidade. A mente de
um MI é um sarapatel de leninismo vulgar, socialismo populista, subperonismo,
vagos ecos getulistas e um desenvolvimentismo tosco.
Eles gostam de ser militantes porque
é bonito ser de uma vaga esquerda enobrecedora; ela abriga, como uma igreja,
muitos tipos de oportunismo ideológico. São professores universitários,
intelectuais sem assunto, jovens sem cultura política e até mesmo os black
blocs que já são tolerados e viraram uma espécie de “guarda revolucionária” dos
militantes.
Existem vários tipos de militantes
imaginários.
Há o militante de cervejaria, de
estrebaria e de enfermaria. Bêbados, burros e loucos.
O MI é um revolucionário que não
gosta de acordar cedo. É muito chato ir para porta de fábrica panfletar.
O militante verdadeiro, puro,
escocês, só gosta de teorias. A chamada “realidade” atrapalha muito com suas
vielas e becos sem saída. Os MIs odeiam a complexidade da realidade brasileira,
porque eles aspiram a um absoluto social num mundo relativo; eles querem um
Brasil decifrado por três ou quatro slogans.
A grande paixão do MI é a certeza.
“Dúvida” é coisa de burguês reacionário, frescura social-democrata ou
neoliberal. O MI só pensa no futuro; odeia o presente com suas complicações,
idas e vindas. O militante odeia meios; só tem fins.
Para o MI, o presente é chato. O
futuro é melhor porque justifica qualquer fracasso: “falhamos hoje, mas isso é
apenas uma contradição passageira na marcha para a grande harmonia que virá!”
E, quanto mais fracassos, mais fé. O MI perde o poder, mas não perde a pose e a
fé. A cada uma de suas frequentes derrotas, mais brilha sua solidão de “vítima”
do capitalismo.
Aliás, ser “contra” o capitalismo
justifica tudo e garante uma respeitabilidade reflexiva. E hoje, como o
comunismo está inviável, os MIs lutam pela avacalhação do que já existe, pois
não têm nada para botar no lugar.
O MI é uma espécie de herói
masoquista, pois tem o charme invencível do derrotado que não desiste.
Os MIs são em geral românticos, são
até bons sujeitos, mas são meio burros.
Há até MIs cultíssimos, eruditos;
porém, burros. Eles não veem o óbvio, porque o óbvio é muito óbvio. Acham que a
verdade só existe escondida nas nervuras do real.
Depois de 13 anos de erros
sucessivos, quando o PT abriu as portas para o presidencialismo de corrupção,
houve o impeachment. Foram longos meses de cuidados constitucionais até a
conclusão. O STF, o Congresso, a OAB, a PGR, todos consagraram rituais
institucionais corretos.
Mas não adianta; depois de pixulecos
e panelaços, começou a gritaria de “golpe, golpe” e refloriu a primavera dos
militantes imaginários que estavam meio arredios, acuados. A desgraça é que
eles insistem nas dualidades ideológicas, quando o problema do Brasil é
contábil. É a economia, estúpidos! — como disse Carville.
Hoje eles estão pululando e gritando
“Fora Temer”; até sem saber por quê.
Não importa se dilmistas e petistas
tenham arrasado o país, jogando-o na maior depressão da história; o que importa
para os MIs é que, mesmo arrebentando tudo, eles portavam a bandeira mágica da
revolução imaginária que tudo justifica. Espanta-me a frivolidade desses
protestos abstratos. Os MIs não se permitem nem alguns meses da esperança de
que se consertem as contas públicas; destruíram-nas e não deixam consertá-las.
O militante imaginário se considera
superior a todos nós, reacionários e caretas.
O MI é uma alegoria de si mesmo; ele
não é apenas um indivíduo — ele é mais do que isso, ele é o autodeclarado embaixador
do povo. O militante imaginário se considera o sujeito da História, o cara que
vai mudar o rumo do erro; enquanto isso, a direita sabe que a História não tem
sujeito; só objeto (no caso o lucro).
Eles lutam pelo passado. São
regressistas com toques sebastianistas de paz no futuro e glória no passado.
Eles têm uma espécie de saudade de um mundo que já foi bom. Quando foi bom?
Durante as duas guerras, no stalinismo, quando?
Ou seja, eles têm saudade de um tempo
em que se achava que o mundo poderia vir a ser bom... É a saudade de uma
saudade.
O MI acha que o mundo se divide em
esquerda e direita — em opressores e oprimidos. Qualquer outra categoria é
instrumento dos reacionários. O MI detesta contas, safras de grãos,
estatísticas, tudo aquilo que interessa à velha direita. Por isso, ela ganha
sempre.
O militante imaginário não pode ser
confundido com o patrulheiro ideológico. Esse vigia os desvios dos outros. O MI
brilha como um exemplo a ser seguido. O MI só ama o todo.
Enquanto a direita só ama a “parte”
(sua, claro), o MI nunca leu “O Capital”; a direita também não, mas conhece o
enredo. O MI vive falando em “democracia”, mas não acredita nela. Como sempre,
os MIs só defendem a democracia como estratégia (“a gente apoia e depois
esquece...”) .
Ultimamente, os MIs andam eufóricos —
não precisam mais governar e outras chateações administrativas. Agora, estão na
doce condição de vítimas. E por aí vão, se enganando, se sentindo maravilhosos
guerreiros com “boa consciência”, enquanto contribuem para a paralisia
brasileira. É isso aí...
O MI me lembra uma frase de Woody
Allen que adoro:
“A realidade não tem sentido, mas
ainda é o único lugar onde ainda se pode comer um bom bife”.
O MI não quer bife.
Arnaldo Jabor é Cineasta e
Jornalista. Originalmente publicado em O Globo em 20 de setembro de 2016.
Um comentário:
O que o nosso brilhante articulista classificou de MI, a ciência já havia enquadrado como o indivíduo de baixa inteligência emocional. O que que é isso? Somos todos nós perseguidores de emoções. O que não nos produz emoção é chato e nós tendemos a menosprezar. Assim, por instinto , preferimos priorizar as escolhas que nos emocionam em detrimento daquelas que exigem racionalidade. O socialismo, como qualquer movimento sectário, oferece, malandramente, objetivos com forte apelo emocional, embora completamente utópicos. São esses propósitos sentimentalistas que seduzem os "inocentes úteis", hoje, mais justamente qualificados de "idiotas úteis", que são tratados pelos líderes do movimento como simples massa de manobra. A inteligência emocional se caracteriza pois pelo equilíbrio entre emoção e razão, sendo que qualquer tipo de predominância caracteriza o baixo nível de inteligência emocional.
O sentimentalismo é o perfume sublime explorado pelos demagogos para manipular as consciências da massa a ser dominada. E pior, o sentimental acha que essa característica é uma imensa virtude e não se permite, sequer, avaliar essa irracionalidade. Muitas vezes indivíduos com um QI normal, apresentam baixa inteligência emocional mostrando que são inteligências de naturezas distintas sem interdependências.
Em suma, a emoção é o canal pelo qual usufruimos a vida e a razão é o instrumento com o qual descobrimos as relações de causa e efeito entre os fatos. Assim trocar uma coisa pela outra se classifica como burrice emocional.
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