Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Sérgio Alves de Oliveira
Está cada vez mais difícil guardar na
memória o nome de tantos escândalos que
acontecem na política e na Administração Pública. A Polícia Federal, com suas
infindáveis e competentes “operações”, não tem mais um minuto sequer desossego
frente a tanta corrupção. As inúmeras operações que desencadeia, basicamente atingindo órgãos com alguma ligação ao setor público, são de tal intensidade, que o
escândalo do dia de ”hoje” acaba
abafando o de “ontem”, e assim sucessivamente, numa cadeia sem fim. Com as manchetes e notícias dos jornais dá-se
o mesmo. Não há mais espaço para o escândalo de “ontem”. Só para o de “hoje”,
que amanhã também não terá mais lugar.
Seria preciso um computador com
grande capacidade ou um dicionário quase enciclopédico para armazená-los. A
“simples” memória não basta. Essa triste situação demonstra que a sociedade
civil no seu conjunto perdeu totalmente a capacidade de indignação, e mesmo de
“vergonha-na-cara”, vivendo mergulhada
num caos moral, com ele se conformando quase ao nível da covardia ou mesmo
solidariedade. Nada mais abala a consciência moral da sociedade. Por isso, provavelmente a sua inércia em reagir. Mas essa inação já
configura quase uma cumplicidade com esse estado de coisas. Por isso a
sociedade está doente. Muito doente. Chegou,ou quase chegou,a um estado de
doença “terminal”.
Gosto de “matar a cobra e mostrar o
pau”( o pau que matou a cobra,para que
se evite interpretação maliciosa). Faz menos de uma semana que as manchetes dos
grandes jornais deram enorme destaque às descobertas da “Operação Greenfield”, pela
Polícia federal, a qual apontou desvios e rombos que podem passar dos cem
bilhões de reais em alguns fundos de pensão que têm como patrocinadoras
empresas da Administração Indireta da União, mais precisamente, na PREVI (do
Banco do Brasil), na FUNCEF (da Caixa), no POSTALIS (dos Correios) e na PETRUS
(da Petrobrás).
Esse enorme rombo vai afetar e
prejudicar imensamente durante o resto
das suas vidas uma população estimada em QUINHENTOS MIL pessoas, que são os participantes ativos e assistidos dos referidos fundos de pensão, e suas
respectivas famílias e dependentes. Essa vultosa quantia “roubada” dos fundos e
seus participantes pela “NOMENKLATURA”
brasileira, ou seja, por aquela casta privilegiada de ladrões do serviço
público, especialmente investida no Governo, basicamente foi construída pela
poupança dos trabalhadores durante muitos anos, descontada dos salários com o
objetivo de mais tarde complementar o valor das
suas aposentarias e assim
poderem enfrentar as dificuldades
naturais que surgem com o decurso dos anos.
Essa mesma “Operação Greenfield” foi
alvo de um artigo que escrevi logo após o anúncio do escândalo (Considerações
sobre a roubalheira nos Fundos de Pensão). Mas agora o enfoque é outro. Dita
“operação”,em menos de uma semana, quase
já foi esquecida pela opinião pública e pelos jornais. Só não o foi pelos trabalhadores prejudicados
e roubados,que lembrarão disso pelo resto das suas vidas. Agora, como sempre
foi, estão surgindo novas “operações”, tomando todos os espaços e todas as
memórias. Aquela “outra” já está
sepultada. Talvez esse seja o principal motivo da perda de indignação da
população brasileira. Quem apanha todos
os dias, sem reagir, acaba nem sentindo mais.
Abrindo essa “conversa”,surpreendente
é observar que os principais atores desse rombo e desvios contra os trabalhadores
vinculados aos fundos de pensão, são em sua maioria,justamente os defensores do que
eles chamam de “SOCIALISMO”, cujas principais bandeiras deveriam ser o combate da “exploração” do trabalho pelo
capital,da “mais-valia”, e assim por diante.
Mas essa “gente” inovou e aperfeiçoou
a capacidade e o alvo da exploração. Um detalhe que não pode ser esquecido, é
que esses pretensos “trabalhadores” (que nem trabalham de verdade) não são mais
os “explorados” de antigamente. Como
num passe de mágica, transformaram-se nos “exploradores” da atualidade. E do trabalho. A
consequência é queeles não são
explorados, nem exploradores, do capital. São, isso sim, falsos
trabalhadores que exploram e roubam os verdadeiros trabalhadores. Essa
ridícula situação,ou seja,o trabalho explorando e roubando o trabalho,evidentemente seria muito mais
grave, para os autênticos socialistas,do que a “antiga” exploração do capital sobre o trabalho. Estaúltima
estaria “obsoleta” frente ao modelo
implantado pela delinquência socialista tupiniquim.
No fundo ,até poderia ser contestada a legitimidade da “mais-valia”,onde o
trabalhador venderia a sua força de trabalho por um preço inferior ao que vale
e produz. Mas o que ninguém pode negar é que o capital também tem um papel importante, mesmo fundamental, na produção
econômica. Assim o capital é também um
instrumento que o trabalho usa para produzir as riquezas. Um dá os meios (o
capital) e outro a execução (o trabalho).
Mas a nova modalidade de exploração
do trabalho no Brasil é muito pior,
porque o agente explorador não possui capital, nem mesmo trabalha. Ele é um
mero parasita de “merda” que tomou o lugar do capital para explorar e roubar os
trabalhadores, não dando qualquer contribuição à produção econômica, como
acontece com o capital e o próprio trabalho. Seu papel repugnante o iguala a um
“gigolô” do trabalho. No escândalo da “Operação Greenfield” essa situação toma
contorno extremos e aviltantes. O crime foi contra uma população de quinhentas
mil pessoas.
Mas toda essa situação não é novidade
no mundo. Ela também aconteceu na Rússia após a Revolução Bolchevique de
outubro de 1917. Ali se instalou a
NOMENKLATURA,que era a burocracia ou casta dirigente da então União Soviética
,incluindo os altos funcionários do Partido Comunista e trabalhadores que
gozavam de algum prestígio no partido.
Nos dizeres de Bloch e Bettelhein,a burocracia nascida da classe
trabalhadora,no seu desenvolvimento histórico,tornou-se uma classe social
distinta do proletariado.
Portanto,a Nomenklatura soviética se
referia a uma elite que dirigia a burocracia
estatal,ocupando os cargos administrativos mais importantes,usufruindo
de privilégios exclusivos dessa condição. Alguns pensadores soviéticos
criticaram a Nomenklatura porque ela estaria atentando contra a essência do
comunismo,ao se constituir numa classe privilegiada,dentro de uma sociedade
onde todos deveriam ser iguais.
A grande diferença da “Nomenklatura”
soviética para a “Nomenklatura” brasileira, que agora está mais clara, reside
no tempo e no espaço onde ocorreram. Mas a principal delas é que os soviéticos
a implantaram POSTERIORMENTE à Revolução de 1917, após instalado
formalmente o socialismo e a queda do
regime dos Czares,ao passo que no Brasil
a “Nomenklatura” tomou as rédeas do
poder político antes da instalação formal do socialismo, no início da sua gestação,
em pleno regime capitalista.
O certo é que em nenhuma outra
situação ficou tão clara a ação da “Nomenklatura” brasileira como na
roubalheira que provocaram nos principais fundos de pensão do país. Essa foi a
maior prova da sua existência. Esse enorme rombo nas finanças dessas entidades,
prejudicando para sempre os seus
participantes, decorreu de um escancarado conluio envolvendo políticos, administradores
públicos, governantes, partidos políticos e fundamentalmente os próprios
dirigentes dos fundos. No caso específico do escândalo dos fundos, da “Operação
Greenfield”,aí está a composição da nossa particular“Nomenklatura”.
Esclareça-se que nenhum centavo
poderia ter sido roubado ou desviado dos fundos de pensão sem a participação
direta dos seus dirigentes responsáveis pelos investimentos e aplicações ,os
únicos com poderes formais para representar juridicamente os fundos,em vista da
personalidade jurídica própria e de direito privado dessas instituições.
Causou-me certa estranheza e até perplexidade a “Nota” da
Associação Nacional dos Participantes dos Fundos de Pensão – ANAPAR, com o
título “Nota da Anapar sobre a Operação Greenfield”, publicada na
imprensa. Essa nota quase se solidariza
com alguns dirigentes de fundos de pensão conduzidos coercitivamente pela
Polícia Federal para prestar esclarecimentos. Nela também consta a informação
de que um dos “conduzidos”trata-se do Diretor Presidente daprópria Anapar,que
simultaneamente ocupa a Diretoria de
Planejamento e Controladoria da FUNCEF (fundo da Caixa), um dos fundos
envolvidos na roubalheira. Fica,então,a dúvida:
essa associação é dos participantes dos fundos de pensão, ou dos seus
dirigentes? Esse esclarecimento se impõe porque é quase impossível que os
dirigentes dos fundos não estejam de algum modo envolvidos nas operações
irregulares apontadas pela Polícia Federal, pelas razões antes esmiuçadas.
Mas quem quiser se aprofundar no
estudo da “Nomenklatura” poderá buscar essas informações nos livros “A
Nomenklatura: os privilegiados da URSS”,de Mikhail Voslenski, “, “A Nova
Classe”,de Milovan Djilas, e principalmente nos esclarecedores estudos sobre
esse tema publicados recentemente numa série de artigos do Historiador Carlos
I.S.Azambuja, no blog “Alerta Total”, e
que de certo modo me serviram de guia e inspiração, apesar do fato dele
estar escrevendo sobre a União
Soviética pós 1917, e eu estar enxergando nos seus escritos a
realidade do Brasil de hoje.
Sérgio Alves de Oliveira é Advogado e
Sociólogo.
3 comentários:
O rombo nos fundos de pensão das estatais não se fixa como escândalo na opinião pública porque os participantes dos fundos são percebidos como elite burocrática, seja pelos milhões de desempregados e contribuintes da Previdência Social, seja pelos servidores públicos da administração direta que amargam a imagem de ineficientes em um setor propositalmente sucateado por interesses alheios à sua vontade, e ainda são confundidos pela população como recebedores dos altos salários dos que trabalham na administração pública indireta. O povo consciente ainda não reagiu aos desmandos porque não identificou uma elite digna de encarnar seu repúdio ao descalabro reinante.
Sr.Anônimo:O Senhor tem toda a razão.Mas esse tipo de "opinião pública" à qual o Senhor se refere é a mesma "matéria prima" que alimenta a pseudodemocracia brasileira,quer dizer,a sua OCLOCRACIA,onde o lixo da sociedade é escolhido,por ela mesma,para comandá-la. Essa opinião acima de tudo muito idiota , injusta e invejosa, é de que "se eu não tenho, ninguém poder ter",que é longe de qualquer princípio de justiça. Mas essa distorcida "opinião pública",que é própria ao Brasil,esquece dois pontos fundamentais. Um é o de que o produto do assalto contra esses trabalhadores vinculados a fundos de pensão significa uma parte dos seus próprios salários,descontados para os fundos,ou seja,os benefícios futuros estão sendo comprados e pagos. Outro é que o produto desse assalto não vai favorecer em nada em os que pensam assim ,porém a minoria de burocratas e ladrões da "Nomenklatura",ou seja,estamos frente a uma Operação "Robin Hood" às avessas,onde o produto do roubo não vai
para os mais pobres,porém para os mais ricos que os assaltados.
Observo essa reação de indiferença na maioria citada, e não há como obter seu apoio emocional a uma situação racionalmente injusta, mas comparativamente menos aflitiva. Eles são considerados egoístas que buscaram solução exclusiva para a iniqua remuneração dos aposentados face às suas contribuições, além de beneficiários da remuneração e reconhecimento devidos aos servidores públicos originais. Não é apenas nos Estados Unidos que a falta de solidariedade dos melhor aquinhoados é mal vista.
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