Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Carlos I. S. Azambuja
O texto abaixo foi publicado no livro “O Fantasma da Revolução
Brasileira”, escrito por Marcelo Ridenti,
professor da UNESP, formado em Ciências Sociais e Direito, e doutorado em
Sociologia. Autor do livro “Política para Que? – Atuação Partidária no Brasil
Contemporâneo”, publicado em 1992.
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Da conhecida resistência à ditadura
militar no meio artístico, destacamos a penetração de grupos da esquerda armada
entre pessoas com ocupações artísticas. Pelos dados estatísticos, construídos
com base nos processos levantados junto à Justiça Militar, a presença de
artistas nas organizações de esquerda era ínfima: 24, dentre 3.698 denunciados com
ocupação conhecida. Vale notar que as organizações armadas urbanas, mais que as
outras, contaram com “artistas”; nelas, participaram 18 artistas – 0,9% do total de 1.897
supostos integrantes dos grupos armados urbanos típicos -, enquanto nas demais
participaram 6 artistas – 0,3% dentre 1.801 envolvidos em processos dos demais
grupos de esquerda -.
As organizações que contaram com o
maior número de artistas, como era de esperar, estavam entre aquelas com maior
penetração nas camadas sociais intelectualizadas, caso da ALN, da Var-Palmares
e do MR-8. Isso pode revelar, à época, o apelo relativamente maior dos grupos
de guerrilha urbana junto aos artistas, por razões que veremos adiante. De
qualquer forma, as cifras são pouco significativas para indicar a efetiva
participação direta dos artistas nos grupos de esquerda durante mais de uma
década de ditadura militar.
No entanto, os dados não mostram que
muitos artistas ligados à esquerda nunca chegaram a ser processados, pois, como
militantes de base ou meros simpatizantes, não foram detectados pela repressão,
sabe-se, por exemplo, que antes de 1964 o PCB contava com um amplo apoio no
meio artístico. Mas não é isso que os dados não mostram. Os artistas tiveram
participação política ativa, principalmente nos movimentos sociais de 1968, em
São Paulo e no Rio de Janeiro. A “classe teatral” realizava
inúmeras assembléias e reuniões para reparar a intervenção conjunta dos atores
nas manifestações de massa, nas ruas. Um sem-número de artistas esteve presente
nos atos públicos de 1968, em especial na “Passeata dos Cem Mil”, no Rio de Janeiro.
Durante os anos de ditadura militar,
em que havia manifestações de massa, os teatros sempre se abriam para
militantes de oposição ao regime convocarem a platéia a participar das
manifestações públicas contra a ordem vigente. A solidariedade, no meio
artístico, aos perseguidos pelo regime evidenciou-se, por exemplo, na doação
aos operários grevistas de Osasco de metade da arrecadação obtida em todos os
teatros de São Paulo, num domingo de julho de 1968. Sabe-se, também, da ajuda
financeira de artistas a organizações clandestinas ou a militantes individuais,
além da proteção humanitária a perseguidos pela ditadura, como o fornecimento
de esconderijos temporários.
O meio cultural também sofreu
perseguição direta, tanto pela censura - mais branda entre 1964e 1968 e
absoluta após essa data -, que impedia a livre manifestação das idéias e das
artes, como pela repressão física configurada em prisões e torturas. Por
um ou outro motivo, muitas artistas viram-se forçados ao exílio. Não tem fim a
lista de pessoas do meio cultural presas temporariamente, ameaçadas
informalmente pela polícia e organismos paramilitares, torturadas ou exiladas.
Inexistem evidências de que a maioria delas tenha tido vinculação mais sólida
com grupos de esquerda. Qualquer crítica ao regime era tomada, após 1968, como
subversiva e comunista, logo, passível de punição.
Ainda há mais desdobramentos não
aferíveis por dados estatísticos, como a simpatia e a solidariedade aos grupos
de esquerda armada que imperavam em setores artísticos e culturais, nacionais e
internacionais, mesmo que na maior parte das vezes isso não implicasse
militância ou concordância ideológica plena com esses grupos, respeitados por
resistirem à ditadura.
Um caso expressivo desse tipo de
simpatia e respeito nos círculos intelectuais internacionais, foi a abertura,
por Sartre, do seu de seu prestigioso periódico francês Les Temps Modernes, para veicular textos de organizações armadas brasileiras. Por
fim, e isso e o mais importante, os dados quantitativos não mostram a presença
das e da cultura nos anos 60. Especialmente entre 1964 e 1968, a efervescência
cultual contribuiu para a adesão de setores sociais intelectualizados à opção
pelas armas no combate ao regime militar.
O golpe de Estado de 1964 não foi
suficiente para estancar o florescimento cultual diversificado que acompanhou o
Ascenso do movimento de massas a partir do Inal dos anos 50. O Cinema Novo, o
Teatro de Arena e o Teatro Oficina, a Bossa Nova, os Centros Populares de
Cultura filiados à UNE – que promoviam diversas iniciativas culturais
para “conscientizar” o povo -, o Movimento Popular de Cultura, em Pernambuco, que
alfabetizava pelo método crítico de Paulo Freire, a poesia concreta e uma
infinidade de outras manifestações culturais desenvolveram-se até 1964. Após
essa data, os donos do Poder não puderam, ou não souberam desfazer toda
manifestação cultural que tomava conta do país e só teria fim após o AI-5, de
dezembro de 1968.
As artes não poderiam deixar de
expressar a diversidade e as contradições da sociedade brasileira da época,
incluindo, por exemplo, a reação e o sentimento social ante o golpe de 1964.
Seria possível escrever várias teses só sobre a relação de cada uma das artes
com a oposição ao regime militar. Sem a pretensão de avançar no debate
estético, cabem algumas reflexões sociológicas a fim de evidenciar o clima
cultural em que emergiu a opção de certos grupos pela luta armada contra a ditadura,
bem como de mostrar uma razão para esses grupos terem encontrado receptividade
nos setores sociais intelectualizados.
Na verdade, a agitaçao artística e
cultural nos anos 60 não se restringiu ao Brasil, mas se deu em escala
internacional, da mesma forma que a opção pela guerrilha também não foi
específica dos brasileiros, generalizando-se por toda a América Latina e, de
forma mais diferenciada, por outros continentes.
Contudo, fugiria aos propósitos
estabelecidos ir além de indicar conexões entre os movimentos políticos e
culturais brasileiros com os internacionais, pois o que se pretendeu foi
abordar a particularidade da guerrilha urbana brasileira e a conexão que
teve com o movimento artístico e cultura específico que se desenvolveu no Brasil
entre 1964 e 1968, ambos reelaborando seletivamente as influências externas
para darem conta das contradições da realidade social, política e cultural
brasileira.
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