Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Nilson Teixeira
Há um diagnóstico, que me parece
equivocado, de que a atual recessão foi motivada pelo mesmo padrão observado em
economias desenvolvidas. Segundo essa vertente, a forte retração da atividade
no Brasil, assim como nos Estados Unidos, teria sido causada por um expressivo
recuo do crédito. Não há dados que corroborem essa tese.
A última contração da atividade nos
EUA foi originada pelo comportamento do setor privado, enquanto no Brasil a
recessão decorreu do descontrole do setor público. Diversos indicadores, em
particular do mercado bancário, comprovam essa diferença. Nos EUA, o início da
contração coincidiu com o forte recuo do crédito causado pela alta da
inadimplência do setor privado. A concessão de empréstimos bancários no
terceiro trimestre de 2007, que antecedeu o início da crise nos EUA, crescia
10% ante o mesmo período do ano anterior. Dois trimestres depois, os
empréstimos bancários recuaram muito. No terceiro trimestre de 2008, os
financiamentos já haviam contraído 10% desde o início da recessão.
Não foi o caso do Brasil. A recessão
no país teve início no segundo trimestre de 2014, quando o crédito se expandia
acima de 10% ao ano. Decorrido um ano, os empréstimos bancários ainda cresciam
no mesmo ritmo.
Governo deveria agir mais na área
fiscal para reduzir e, de preferência, eliminar o déficit primário no curto
prazo.
A difícil situação financeira de
parte do setor corporativo no Brasil é resultado da recessão e não o contrário.
A desalavancagem do setor privado não financeiro advém de um período prolongado
de retração da economia, com consequências negativas sobre o balanço
patrimonial de empresas e famílias. A expressiva depreciação cambial e o aperto
das condições monetárias em 2015 foram causados pelo desajuste das contas
públicas e contribuíram para a alta do comprometimento de renda do setor
privado não financeiro no Brasil.
A recessão no Brasil está intimamente
ligada ao descontrole fiscal dos últimos anos. A crise financeira de parte das
empresas é consequência dessa dinâmica e, quando muito, explica parcialmente
por que o declínio da atividade é o mais longo e profundo em muitas décadas.
Parece-me que o governo e, em particular, o time econômico têm diagnóstico
similar. O Ministério da Fazenda tem apresentado propostas para reduzir o
enorme desequilíbrio fiscal previsto para as próximas décadas. A imposição de
um limite para o crescimento dos gastos federais e a proposta de reforma da
Previdência Social têm esse objetivo.
Essa abordagem é uma condição
necessária para a recuperação sustentável da atividade. A aprovação da
estabilidade dos gastos em termos reais nos próximos anos foi uma etapa
importante. Porém, simulações do time de economistas do Credit Suisse sugerem
que o cumprimento dessa estabilidade exigirá que, além da aprovação de parte
substancial da reforma da Previdência Social, outros cortes de gastos públicos,
tais como a extinção do abono salarial, sejam submetidos ao Congresso nos
próximos anos.
Infelizmente, as restrições fiscais
são ainda mais abrangentes. Mesmo assumindo que a PEC seja cumprida daqui em
diante e que o PIB cresça 2% ao ano, o país terá superávit primário apenas no
início da próxima década. A dívida pública alcançará 90% do PIB antes de se
estabilizar em meados da próxima década. Do mesmo modo, em um cenário de
crescimento do PIB próximo a zero em 2017, o governo terá que, ao menos,
contingenciar os gastos públicos para cumprir a meta de déficit primário de R$
139,6 bilhões no próximo ano. Isso só não será necessário caso surjam receitas
extraordinárias não previstas no orçamento federal.
Apesar de as medidas propostas pelo
Ministério da Fazenda serem mais amplas e tramitarem mais rapidamente no
Congresso do que a maioria esperava, é preciso que o governo incorpore a sua
agenda propostas que diminuam o elevado déficit primário dos próximos anos. A
reversão desse déficit de 2% do PIB a 3% do PIB previsto em 2017 e 2018 exige
não apenas a diminuição adicional de gastos federais como também a elevação da
arrecadação tributária.
Essa alta poderia ocorrer seja pela
redução de subsídios e desonerações tributárias, que hoje alcançam cerca de 4%
do PIB, seja pelo aumento de alíquotas de impostos e contribuições. Conforme já
defendi diversas vezes neste espaço, os subsídios cujos benefícios não trazem
aumento da produtividade e muito menos queda da enorme disparidade de renda precisam
ser eliminados.
Dada a dificuldade de promover esse
ajuste de forma acelerada, a alternativa é impor, provisoriamente, um aumento
de tributos, por exemplo pela cobrança de impostos sobre dividendos e juros
sobre capital próprio e pela reincorporação da CPMF. O impacto direto da
elevação da carga tributária é o de reduzir a atividade e aumentar a inflação.
Porém, os benefícios indiretos da eliminação do elevado déficit primário e da
consequente redução do risco fiscal mais do que compensariam os efeitos
perversos na atividade e na inflação dessa alta da carga tributária.
Em resumo, o diagnóstico do
Ministério da Fazenda sobre a principal causa da recessão teve uma resposta
precisa em termos de aprovação de medidas para o menor desequilíbrio das contas
públicas no médio prazo. Porém, entendo que seja necessário agregar outras
ações de natureza fiscal para reduzir e, de preferência, eliminar o déficit
primário no curto prazo.
Os resultados favoráveis no Congresso
no segundo semestre deste ano comprovam que o governo e, mais particularmente,
o Ministério da Fazenda, conseguiriam convencer os membros do Congresso sobre a
necessidade de aprovar um ajuste fiscal, apesar da oposição de diversos grupos.
Uma atuação nessa direção sustentaria a recuperação da atividade e contribuiria
para a elevação do crescimento potencial da economia nos próximos anos.
Termino agradecendo a Leonardo
Fonseca, economista do Credit Suisse, que, mais uma vez, comentou meus textos
em 2016, contribuindo para torná-los, espero, mais interessantes.
Nilson Teixeira é economista-chefe do
Credit Suisse (Brasil), Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia.
Originalmente publicado no Valor Econômico em 28 de dezembro de 2016.
2 comentários:
E tudo continua como antes. Os estados falidos com seus balanços fictícios, apavoram seus cidadãos com a calamidade e forçam o governo federal para doar mais dinheiro do contribuinte para jogarem pelo ralo, sem obrigação de controle de gastos nenhum.E vão conseguir.Surpresa? Nenhuma. Sempre foi assim o tratamento dado a educação, saúde e segurança. Deixam as escolas e postos de saúde desabarem para poder beneficiar empresas dos amigos com as obras sem licitação.E ainda querem que acreditemos nesse governo do "Orlando Lero".
Um texto chinfrim que só serve para jornalecos como o valor econômico (escrito em letra minúcscula mesmo).
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