Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Carlos I. S. Azambuja
O texto abaixo é de Wlodzimierz Brus,
economista e político. Durante o breve período de reforma da Polônia, em 1956,
Wlodzimierz Brus emergiu como um líder teórico do socialismo de mercado e
defensor da democracia. Depois de anos de perseguição, porém, ele deixou
sua terra natal e estabeleceu-se em Oxford, onde se tornou professor na Wolfson
College. Morreu em 2007, aos 86 anos.
Depois da Segunda Guerra Mundial, o
sistema de funcionamento da economia socialista, que se constituiu na URSS no
início dos anos 30, foi transplantado para todos os países de direção
comunista, inclusive aqueles que – como a Iugoslávia e a China – podiam
sustentar terem levado a cabo suas próprias revoluções, daí retirando
fundamentos políticos autóctones, para serem postos na base da nova ordem
sócio-econômica.
Esse transplante significou que o
sistema em questão era considerado um modelo de validade universal, e não
somente como adequado às condições e aos problemas específicos da Rússia
soviética. Em algumas “democracias populares” (o termo se refere aos
países do Leste europeu incluídos no bloco soviético), fizeram-se inicialmente
tentativas para elaborar uma versão modificada do planejamento centralizado (o
que vale, em particular, para a Checoslováquia de 1946-47), mas, junto com a
imposição generalizada do stalinismo, o sistema econômico de todas as
democracias populares se tornou uniforme e estritamente modelado segundo o
exemplo soviético, que se indicava como uma encarnação incontestável da idéia
marxista de planejamento.
É digno de nota de que o sistema
altamente centralizado fazia parte daqueles elementos da experiência soviética
que verossimilmente, foram adotados pelos lideres comunistas dos países do
Leste Europeu sem nenhuma reserva ou relutância (ao contrário do que acontecera
quanto a outros elementos, pelo menos em álbuns casos); não havia nenhuma
experiência prática alternativa ao planejamento centralizado, e aquilo que se
sabia, então, sobre o desenvolvimento econômico soviético, contraposto à sempre
lembrada “grande crise” do Ocidente em 1929, parecia justificar a confiança
depositada. A escolha, indiscutivelmente autônoma, feita nesse sentido pelos
iugoslavos após a guerra, e pelos chineses no início dos anos 50, ratificava
essa opinião.
Esse estado de coisas estava
destinado a mudar sob o impacto de dois fatores: 1) os obstáculos surgidos na
realização prática do sistema de tipo soviético; 2) as condlções políticas que
induziram a efetuar um exame analítico de tais obstáculos e a discutir as
possíveis soluções alternativas. Ambos os fatores se verificaram simultaneamente
na Iugoslávia, após a ruptura com a URSS e seus satélites em 1948. Nos outros
países da Europa Oriental e na própria União Soviética, o debate sobre a
validade do sistema só pôde começar após a morte de Stalin. Na China, o
primeiro debate segundo linhas análogas às do Leste Europeu, veio à luz no fim
do primeiro Plano Quinquenal, em 1956-57.
O desafio iugoslavo ao sistema de
tipo soviético nasceu de necessidades práticas de tipo inteiramente particular:
depois de um curto período caracterizado pela tentativa de preservar a imagem
de uma fé injustamente acusada de heresia, o Partido Comunista Iugoslavo se viu
diante do duplo problema de achar os meios de satisfazer melhor as exigências
econômicas, em particular as expectativas da população, e de formular uma
alternativa ideológica ao modelo soviético. Ambas as coisas adquiriam uma
enorme importância política na situação então existente.
Por isso, as mudanças introduzidas na
Iugoslávia a partir de 1950 – autogestão, descentralização econômica e adoção do
mecanismo de mercado – não foram jamais discutidas no contexto prático de um
aumento de eficiência, mas estiveram sempre subordinadas à questão mais geral
do socialismo autogestionário. Não foi assim na URSS e nas democracias
populares, especialmente no início da reflexão pós-stalinista: as considerações
práticas foram postas em primeiro plano, e os confrontos ideológicos evitados
tanto quanto possível; e isto tanto mais quanto violentas eram as acusações de
revisionismo. Por outra parte, as questões discutidas nas democracias populares
(e até na URSS, a partir de 1957) superavam os limites dos mecanismos de
planejamento e de controle da economia nacionalizada, compreendendo outros
temas, como a direção da política econômica, as relações entre o setor privado
e o nacionalizado, etc.
Isto é verdade, em particular, para o
período do chamado “novo curso”, que se desenvolveu praticamente logo após a
morte de Stalin na URSS e nas outras democracias populares e se volta para uma
redistribuição dos recursos a favor da agricultura e da indústria leve; as
mudanças de políticas e as discussões que as acompanharam foram particularmente
amplas na Hungria durante a primeira presidência de Imre Nagy (1953-55).
Tudo isso são problemas que
indiscutivelmente têdm uma estreita relação com o tema deste ensaio, mas não os
analisaremos especificamente aqui, pois a atenção estará concentrada sobretudo
no sistema de planejamento e de controle da economia planejada.
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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