Salvador Allende
Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Carlos I. S. Azambuja
O texto abaixo foi transcrito da
segunda edição do livro ”Democracia e Secretismo” - impresso em Lisboa, em 2002,
pela Editora Publicações Europa-América - de autoria de Oswald Le Winter. Ele
nasceu em Viena, Áustria, e foi para os EUA em 1939, como parte de um esforço para resgatar crianças
judaicas das condições perigosas de Viena após a anexação da Áustria pela Alemanha
nazista. O dr OSWALD LE WINTER faleceu em 2013. Na Introdução, ele escreveu: “Este livro contém
uma quantidade enorme de informações provocadoras. Se está dependente da visão
do mundo que tem atualmente, não continue a ler. Se sente que não pode suportar
emocionalmente o que está a acontecer na realidade deste mundo, não continue a
ler. Porém, se decidir continuar, tenha a certeza de que não há nada a temer. A
liberdade depende do conhecimento. O secretismo é inimigo do conhecimento e,
portanto, é inimigo da liberdade”.
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“Não percebo porque é que temos de
ficar de lado a ver um país transformar-se em comunista devido à
irresponsabilidade do seu próprio povo” (Henry
Kissinger, 27 de junho de 1970).
Salvador Allende, médico de
profissão, chamou a atenção mundial pela primeira quando esteve a três por
cento de vencer as eleições presidenciais de 1958, no Chile. Seis anos mais
tarde, os EUA decidiram não deixar ao acaso. Era altura de apresentarem o povo
chileno à democracia ao estilo americano.
O Governo dos EUA, principalmente
através dos esforços clandestinos da CIA, gastou mais dinheiro per capita para apoiar o adversário de Allende, Eduardo Frei, do que Lyndon
Johnson e Barry Goldwater combinaram gastar, nesse mesmo ano, nas eleições
presidenciais americanas.
Com uma quantia estimada em 20
milhões de dólares de dinheiro dos contribuintes americanos para trabalhar, a
CIA encetou um programa de propaganda anticomunista e de desinformação,
destinado a assustar os cidadãos chilenos, especificamente as mães, para que
acreditassem que uma vitória de Allende resultaria num controle direto da
Rússia no seu país e nas suas vidas. “Não seria possível qualquer atividade
religiosa’, disseram-lhes. Os seus filhos com a
foice o martelo estampados na testa, seriam enviados para a URSS para serem
usados como escravos, alertavam diretamente a rádio e os jornais.
As táticas de medo funcionaram.
Embora Allende tenha conquista os votos masculinos por uma pequena margem.469.000
mais mulheres chilenas escolheram Frei. Inteligentemente manipuladas para
temerem “o sangue e a dor do comunismo, sem Deus, ateu”, as mães do Chile votaram contra o homem que prometia “redistribuir
rendimentos e reformular a economia” através da nacionalização
de algumas indústrias importantes, como as minas de cobre, e a expansão da
reforma agrária. Um grito longínquo do Leninismo, da política de Eurocomunismo
de Allende, isto , comunistas ligando-se a partidos social-democratas, numa
frente unida, como foi, mais tarde,planejada por Aldo Moro – que teve um
destino semelhante por ordem de Kissinger -, era, na grande maioria, tão
inaceitável para o Kremlin como para a Casa Branca.
Quando as eleições chilenas de a970
se desenrolaram, Allende ainda era um jogador de peso, Porém tinha um inimigo
novo e poderoso: Henry Kissinger.
Apesar de outra onda de propaganda
com base nos EUA, Salvador Allende foi eleito presidente da democracia mais
antiga da América do Sul, no dia 4 de setembro de 1970. Pressionado pela ITT e
por outros interesses financeiros que tinham financiado a campanha presidencial
de Nixon, Henry Kissinger (HK) e seu bando tiveram de agir. A Comissão dos 40
foi formada com HK como presidente.O objetivo era não apenas salvar o Chile de
sua população irresponsável, mas afastar, cada vez mais, a prevista maré
vermelha.
“O Chile é um lugar bastante grande,
com muitos recursos naturais”, diz Noam Chomsky,
“mas
os EUA não iam entrar em colapso se o Chile se tornasse independente. Porque é
que estávamos tão preocupados com isso? De acordo com Kissinger, o Chile era um
vírus que infectaria a região, com efeitos até na Itália”.
Numa reunião, no dia 15 de setembro,
convocada para impedir a disseminação da infecção, Kissinger e o presidente
Nixon disseram ao diretor da CIA, Richard Helms, que seria necessário “fazer a economia
chilena gritar”. Enquanto canalizavam pelo menos 10
milhões de dólares para ajudar a sabotar a presidência de Allende, o
assassinato imediato também foi considerado uma opção séria e bem acolhida.
O respeito que as FF AA chilenas
tinham pelo processo democrático, levou Kissinger a escolher como primeiro alvo
de assassinato não o próprio Allende, mas o general Renê Schneider, chefe das
FF AA chilenas. Parece que Schneider acreditava, há muito tempo, que a política
e os militares deveriam manter-se discretos. Apesar dos avisos de Helms de que
um golpe de Estado poderia não ser possível numa democracia tão estável, HK
ordenou o prosseguimento do plano.
“Kissinger tinha conhecimento pessoal
direto do plano da CIA para raptar e assassinar Schneider”, declarou o jornalista Christopher Hitchens. “Foi uma das
relativamente poucas vezes que Kissinger se envolveu no assassinato de um único
indivíduo concreto ao invés de na carnificina de milhares de anônimos”.
Quando o assassinato de Schneider
serviu apenas para solidificar o apoio a Allende, começou um ataque dos Órgãos
de Informações, semelhante ao de 1964, patrocinado pela CIA. Os cidadãos foram
confrontados com relatos diários de atrocidades marxistas e de bases soviéticas
que supostamente estariam sendo construídas no Chile. Eu fazia parte da equipe
da CIA naquele país. A minha tarefa era certificar-me de que as histórias
certas, que induziam medo, eram publicadas pelo maior jornal, oEl Mercurio. Ameaças dos EUA, de corte do auxílio econômico e militar foram
também utilizadas para ajudar a fomentar um “clima de golpe” no seio das FF AA. Estas duas abordagens representaram as
linhas dura e suave traçadas por Nixon e HK.
Até que ponto suave era suave? Edward
Korry, embaixador dos EUA no Chile naquela época, articulou o plano suave ao
declarar que a tarefa dos EUA era “fazer tudo que estivesse ao nosso alcance
para condenar o Chile e os chilenos à privação e pobreza extremas”. Korry avisou: “Nem uma noz ou parafuso poderão entrar no
Chile sob a presidência de Allende”.
Do lado duro, HK começou a reunir
apoios para um possível golpe militar. O historiador HowardZinn escreveu: “Em 1970, um
administrador da ITT, John McCone, que também tinha sido diretor da CIA, disse
a Kissinger e a Helms que a ITT estava disposta a dar um milhão de dólares para
ajudar o Governo dos EUA nos serus planos para derrubar o Governo Allende”.
Estava montado o palco para um choque
de duas experiências. O socialismo de Allende opunha-se ao que, mais tarde, foi
chamado um “protótipo ou experiência de laboratório para testar as técnicas
de forte investimento financeiro num esforço para desacreditar e derrubar um
governo”. Este choque atingiria o climax no dia 11 de setembro de
1973.
A experiência socialista terminou em
violência naquele dia e diz-se que o próprio Allende se suicidou... com uma
metralhadora. Claro que, na época, os EUA afirmaram que não estavam envolvidos
no golpe, do qual nem sequer tinham conhecimento. Porém, quando o Departamento
de Estado desclassificou cinco mil documentos, em 1999, emergiu uma história diferente.
Por exemplo: um documento da CIA no dia anterior ao golpe, declarava
abertamente: “A tentativa de golpe começará no dia 11 de setembro”. Dez dias depois, a Agência anunciava: “Está planejada uma
grande repressão”. Com milhares de opositores do novo regime
reunidos em estádios de futebol, um documento do Departamento de Estado, de 28
de setembro, pormenorizava um pedido do novo Ministro da Defesa chileno a
Washington, para que lhe mandassem um conselheiro especializado em centros de
detenção.
Allende estava morto. No seu lugar, o
povo do Chile conheceu uma repressão brutal e violações dos direitos humanos,
queima de livros, cães treinados para molestar sexualmente as mulheres, uma
poderosa Polícia secreta, e mais de três mil execuções. Dezenas de milhares
mais foram torturados e/;ou desapareceram. Pouco depois do golpe, o auxílio
econômico e militar recomeçou a ser canalizado para o Chile.
O homem à frente de tudo isso foi o
general Augusto Pinochet, um homem que HK podia realmente controlar. “Nos EUA, como
sabe,apoiamos o que está tentando fazer”, disse HK
ao ditador chileno em 1975. “Desejamos sorte ao seu governo. A minha
avaliação”, continuou HK para Pinochet, “é que o senhor é
vítima de todos os grupos de esquerda em todo o mundo e que o seu maior pecado
for ter derrubado um governo que ia ser comunista”.
Mais tarde, nesse mesmo ano, quando
enfrentou uma sala cheia de diplomatas chilenos preocupados com os efeitos que
as violações dos direitos humanos pudessem ter na opinião mundial, HK estava na
sua melhor forma: “Bom, eu li o documento preparatório para esta reunião e não
tinha nada a não ser direitos humanos. O Departamento de Estado é composto por
pessoas que têm vocação para o sacerdócio. Como não havia igrejas suficientes
para todos, entraram para o Departamento de Estado”.
HK estaria realmente preocupado com a
pequena nacionalização da indústria, proposta por Salvador Allende ou havia
outras forças em movimento aqui?
Eis como a CIA viu o assunto três
dias depois de Allende ter vencido as eleições: “Os EUA não têm
nenhum interesse vital no Chile. O equilíbrio vital do poderio militar não
poderia ser significativamente alterado por um governo de Allende. Mas uma
vitória de Allende representaria uma vantagem psicológica definitiva para
a idéia marxista”.
“Até Kissinger, por muito louco que
seja, não acreditou que os exércitos chilenos iam invadir Roma”, explica um professor do MIT, e comentador liberal, Noam
Chomsky. “Não ia ser esse tipo de influência. Ele estava preocupado com a
possibilidade que um desenvolvimento econômico bem sucedido, em que a economia
traz benefícios à população em geral - não apenas lucros para empresas privadas
-, tivesse um efeito contagioso. Nesses comentários, Kissinger revelou a história
básica da política externa dos EUA durante décadas”.
Em conseqüência, em a974, quando o
novo embaixador dos EUA no Chile, David Popper, se queixou das violações dos
direitos humanos, Kissinger enviou imediatamente a seguinte ordem: “Digam a
Popper que deixe de prédicas sobre ciências políticas”.
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