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Por Carlos I. S. Azambuja
O texto abaixo é um dos capítulos do
livro “Gramsci e o Bloco Histórico”, de autoria de HUGUES PORTELLI, nascido
em Constantine,professor de
Direito Público francês, Direito Público
Associado, Professor da
Universidade Panthéon-Assas, Senador do
Val-d'Oise, Prefeito de
Val-d'Oise, União de
personalidade para a Democracia Francesa, União de
personalidade por um Movimento Popular, Personalidade de
republicanos (lado francês), Nascido em setembro
1947 (Dados extraídos do Wikipedia).
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O novo sistema hegemônico, formado em
torno da classe operária deve, segundo Gramsci, resolver o problema da
distinção entre as sociedades civil e política. Primeiramente, no curso da luta
para derrubar o bloco dominante, o novo sistema hegemônico deverá unir
organicamente os dois momentos da superestrutura, face ao bloco dominante, para
quem, a aparente diversidade das organizações - principalmente a da sociedade
civil – é um fator de extens; a superestrutura da direção da classe operária e
de seus aliados deve ser homogênea e mesmo monolítica: essa homogeneidade
traduz-se no papel centralizador do Partido Comunista – aí só pode haver uma
ideologia, o marxismo -.
O Partido deve ser, ao mesmo tempo,
as sociedades civil e política do novo sistema hegemônico: sociedade política
pela direção das operações “militares” de tomada do aparelho de Estado, mas
também pela função de “polícia” do Partido. “É difícil excluir o fato de qualquer
partido político (dos grupos dominantes, mas também dos subalternos) não cumpre
uma função de polícia, isto é, de tutela de uma certa ordem política legal”.
Essa função de polícia, para ser legítima, deve ser progressiva, Isto é, no
interior do Partido deve “funcionar” democraticamente (no sentido de um
centralismo democrático) e, no exterior, “manter na órbita da legalidade as
forças reacionárias destronadas, elevando ao nível da nova legalidade as massas
atrasadas”. Quanto ao partido-sociedade civil, manifesta-se pela difusão, entre
as classes subalternas, da ideologia-concepção do mundo da classe operária, o
marxismo.
Essa unidade no seio do partido, da
sociedade civil e da sociedade política, deve florescer após a derrubada do
bloco histórico e a conquista do Estado. Do novo Estado de transição para a
sociedade sem classes, a superestrutura política e ideológica encontra-se
unificada e centralizada. É no Estado – no sentido gramscista – que cabe criar
“novos e mais altos tipos de civilização, adaptar a civilização e a moralidade
das mais amplas massas populares à necessidade de um desenvolvimento contínuo
do aparelho econômico de produção, e assim elaborar, também fisicamente, tipos
novos de humanidade”.
Essa atividade estatal será facilitada
pela fusão dos intelectuais das duas sociedades no seio do Estado. Esse
Estado-ético é, entretanto, apenas uma etapa transitória para a “sociedade
regulada”, isto é, a sociedade sem classes que a teoria marxista prevê, com o
triunfo definitivo da sociedade civil.
A teoria marxista, aprofundada pelos
estudos de Lenin (particularmente em O Estado e a Revolução), coloca como
objetivo da revolução socialista a sociedade sem classes e o desaparecimento do
Estado. “Somente na sociedade comunista, quando a resistência dos capitalistas
for definitivamente aniquilada, quando terão desaparecido, e não haverá mais
classes (isto é, distinção dos membros da sociedade quanto a suas relações com
os meios sociais de produção), somente então o Estado deixará de existir”, o
Estado que Lenin define como “o aparelho especial de coerção”.
Gramsci, como marxista, sustenta o
desaparecimento do aparelho estatal, em outras palavras: da sociedade política.
Segundo sua própria definição, porém, não concebe ele o Estado como “sociedade
política+sociedade civil”. A noção gramscista de Estado necessita, pois,
de um aprofundamento da teoria do fim do Estado.
Realmente, Gramsci reconhece que
qualquer classe fundamental que aspire à hegemonia, afirma representar a
sociedade inteira e fundar uma “sociedade regulada”. Tal afirmação, realiza-se
parcialmente enquanto essa classe é realmente progressista, fazendo avançar o
conjunto da sociedade. “Qualquer Estado é ético, na medida em que uma de suas
funções essenciais consiste em elevar a grande massa da população a um nível
cultural e moral determinado, nível (ou tipo) que corresponde às necessidades
de desenvolvimento das forças produtivas, bem como aos interesses das classes
dominantes”. Entretanto, o desenvolvimento das relações sociais e econômicas
resulta rapidamente numa ruptura, no seio do bloco histórico, entre a classe
dirigente e as classes subalternas. O Estado-ético desaparece em favor do
Estado-classe e da coerção, em relação às classes subalternas.
“Assim, só o grupo social que coloca
o fim do Estado, e de si mesmo, como objetivo a atingir, pode criar um
Estado-ético tendente a pôr fim às divisões internas dos dominados, e a criar
um organismo social unitário técnico-moral”.
A superação do Estado, a “sociedade
regulada”, é atingida porque a classe que prevê o fim do Estado, representa a
grande maioria da sociedade – a nível estrutural -, mas, sobretudo, porque essa
classe dirige ideologicamente o conjunto dos grupos sociais que compõem essa
sociedade, superando seus próprios interesses de classe, ou, antes, fazendo de
seus interesses os de todo corpo social, o proletariado não precisa exercer a
coerção contra certos grupos excluídos do sistema hegemônico; a sociedade
política está destinada a desaparecer, na medida em que soe utilizada para o
desaparecimento progressivo das antigas classes dominantes: “O Estado e o
Direito tornam-se inúteis por haverem cumprido sua missão”, e a sociedade é
“reabsorvida” pela sociedade civil. O aparelho de Estado é em sua origem,
apenas um desmembramento da sociedade civil e, quando desaparece, é para,
novamente, fundir-se com ela.
Essa concepção gramscista da
sociedade sem classes, demonstra, mas uma vez, o papel primordial atribuído ao
momento da sociedade civil, momento mediato entre estrutura e sociedade
política, fundamento ético desta última. Ela fornece uma resposta à visão
marxista da sociedade comunista, sem questionar a teoria leninista do fim do
Estado, mas mostrando que este não é o momento essencial da superestrutura.
Revela-se, ao final desta análise,
que o momento da sociedade civil é, para Gramsci, o momento primordial da
superestrutura. Essa primazia traduz-se nos Quaderni, por:
- uma evolução terminológica do termo
“sociedade civil” que, de momento da superestrutura, na concepção de Marx,
torna-se momento da superestrutura nos Quaderni;
- a importância atribuída à “direção
cultural moral” na hegemonia da classe fundamental;
- a primazia reconhecida à sociedade
civil, nos países ocidentais, e a necessidade de estabelecer uma estratégia
revolucionária conforme essa primazia;
- o dever primordial de desenvolver
uma sociedade civil autônoma nos países em que ela é pouco importante;
- a solidez da sociedade civil no
seio do bloco histórico, que é o elemento mais difícil de transformar;
- o desaparecimento da sociedade
política e sua reabsorção pela sociedade civil, na sociedade sem classes.
Gramsci opõe, no seio do bloco
histórico, a esfera complexa da superestrutura do mesmo ao momento mais
homogêneo da estrutura, cujo laço orgânico com o momento superestrutural convém
estudar.
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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