Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Carlos Andreazza
O pacto firmado entre Luiz Inácio
Lula da Silva e Sérgio Cabral, tão logo este se elegeu governador, em 2006,
atrelou o destino imediato do Rio de Janeiro ao do Brasil. Foi bacana por um
tempo. O boom do petróleo chancelava a farsa a que gostosamente nos
entregávamos: enquanto houvesse dinheiro, até mesmo Eike Batista seria futuro. As
pessoas queriam crer — a imprensa comprara o enredo — e então, de súbito,
tínhamos a maior quantidade de estadistas da história das relações entre os
palácios do Planalto, Guanabara e da Cidade. Com Lula, Dilma Rousseff, Sérgio
Cabral e Eduardo Paes, todos unidos e cooperando entre si, o destino do estado
era a glória inequívoca — um exemplo de vitalidade federativa. Em 2009, na
Dinamarca, eles penduraram esse retrato na parede, ao comemorarem, juntos, a
escolha do Rio de Janeiro como sede de uma Olimpíada. (A gerentona
trabalhadeira, mãe do PAC, muito atarefada, não pôde comparecer.)
Os sete anos passados, a casa já de
todo caída, converteram 2016 em mirante à melhor compreensão do que terá sido a
sociedade para o estelionato eleitoral costurado por PT e PMDB. Nesse ínterim,
estabelecida a Lava-Jato, o ambicioso projeto de poder político-econômico
desnudou-se em complexa organização criminosa, afinal poliglota, encabeçada —
segundo o Departamento de Justiça dos EUA — por Brazilian Official
1 e Brazilian Official 2.
Ainda assim, 2016 começou com
esperança, uma esperança, a única remanescente de 2009: a boa e velha
Olimpíada, possível salvadora de pixulecos e oxigênios; uma esperança,
portanto, não de natureza pública, nem de sobrevida política, mas de
sobrevivência criminal.
Em Brasília, um governo reeleito sob
conjunto de mentiras sem precedente apostava em que a mobilização para os Jogos
esvaziasse o movimento popular pelo impeachment. Apostava-se, pois, no pão e
circo; na alienação — na estupidez — do povo brasileiro, como se este não fosse
nascido em 2014 e não tivesse visto o desfile de imposturas com o qual João
Santana reelegeu Dilma. No Rio de Janeiro, o governo de um estado quebrado ao
menos desde 2012, em vez de trabalhar por contornar os anos de irresponsabilidade
e minimizar o rombo, preferiu também investir no delírio de reproduzir o
embuste de 2014 e surfar a onda da fé olímpica para novamente maquiar,
camuflar, dissimular — empurrar com a barriga alimentada em Mônaco — o tamanho
real do golpe (a verdadeira palavra de 2016) de Cabral e seus saqueadores.
Sim, houve o mês paradisíaco da
Olimpíada. Tudo, quase tudo, deu certo, o hiato de civilização ergueu a
armadilha de que seria possível perdurar no engodo e o PMDB do Rio de Janeiro —
personificado no prefeito Eduardo Paes — preferiu essa ilusão ao exame do que
se passara com Dilma Rousseff, àquela altura já exilada na embaixada da
irrelevância. Os Jogos, contudo, não dariam ao baronato peemedebista o desejado
período de carência, de tolerância, para manobrar — e o Rio de Janeiro
rapidamente deu mostras de que, em seu cotidiano de violência, lá de onde
traficantes despencam Zona Sul abaixo, não havia lugar para o espírito
olímpico. Foi quando o cidadão fluminense descobriu — com pelo menos cinco anos
de atraso — que a tal UPP, a Unidade de Polícia Pacificadora, nunca passara de
farsa, de política de segurança pública de viabilidade impossível em médio
prazo.
E aí já era final de ano. O Estado do
Rio estava sozinho e abandonado. Pezão, ex-governador em atividade, também.
Dilma, a ex-presidente que passara de vítima de um golpe à condição de tia que
se declara Janete à operadora de telemarketing, idem. (Acostumada a
jornalismo-bajulação, reapareceria apenas para ser coadjuvante sem respostas na
aula do entrevistador Mehdi Hasan, da Al Jazeera.) Cabral, que estava
escondido, ressurgiu para ser preso. Lula — que nunca se escondeu, mas cuja
valentia só conseguiria exibir para plateias seletas, de preferência em casa de
gente rica — chegou a dezembro réu em um punhado de ações penais, e com a
população, gaiata, já não apostando sobre se ele seria preso, mas sobre quando.
E Eduardo Paes? Duramente derrotado
nas eleições municipais, arrumava as malas para uma temporada nos EUA quando
teve os bens bloqueados e desbloqueados. Se escapar da Lava-Jato, pretende
disputar a eleição a governador em 2018. Se vencer, terá de enfrentar o PCC,
grupo terrorista de origem paulista que, depois de se espalhar pelo país e se
impor nas fronteiras brasileiras, chegou com tudo — e com uma nova dimensão
para o tráfico de armas — ao Rio de Janeiro. Se vencer, é bastante provável que
não suceda Pezão — que dificilmente resistirá a um processo de impeachment em
2017.
Feliz ano novo.
Carlos Andreazza é editor de livros.
Originalmente publicado em O Globo em 27 de dezembro de 2016.
Um comentário:
Isso prova que, com certas pessoas, com dinheiro tudo se compra, até virgindade.Povo que faz do mentiroso um exemplo a ser seguido, do bandido um herói e da corrupção um meio de vida, não poderia colher virtudes.Agora, choram tardiamente.
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