Stalin, um OVNI ainda presente em espírito
Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Carlos I. S. Azambuja
O texto abaixo é o resumo de um dos
capítulos do livro "A Nomenklatura -Como Vivem as Classes Privilegiadas na
União Soviética", de autoria de MICHAEL S. VOSLENSKY, considerado no
Ocidente um dos mais eminentes especialistas em política soviética. Foi
professor de História na Universidade de Amizade dos Povos Patrice Lumumba, em
Moscou, e membro da Academia de Ciências Sociais junto ao Comitê Central do
PCUS. O livro foi editado no Brasil pela Editora Record.
NOMENKLATURA, uma palavra
praticamente desconhecida pela maioria dos brasileiros, exceto por alguns
especialistas, merece tornar-se tão célebre quanto o termo GULAG. Designa a
classe dos novos privilegiados, essa aristocracia vermelha que dispõe de um
poder sem precedentes na História, já que ela é o próprio Estado. Atribui a si
mesma imensos e inalienáveis privilégios – dachas e moradias luxuosas,
limusines, restaurantes, lojas, clínicas, centros de repouso especiais e quase
gratuitos -.
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O processo de nascimento da Nova
Classe dominante soviética realizou-se em três etapas. A primeira etapa foi a criação
da Organização de Revolucionários Profissionais, embrião da Nova Classe. A
segunda começou com a tomada do Poder, por essa organização, em novembro de
1917: formou-se uma direção em dois níveis, o nível superior da velha guarda
leninista e o nível inferior da Nomenklatura estalinista.
A terceira etapa foi a liquidação da
velha guarda leninista pela Nomenklatura. Cada etapa teve seus próprios
fundamentos sociopsicológicos. Os bolchevistas não eram idealistas como D.
Quixote, não buscaram a morte em nome de um vago ideal, como os populistas o
fizeram. Engajaram-se nas lutas, nos riscos e e nas privações, porque a
estrutura social que combatiam não lhes oferecia nenhuma perspectiva futura.
Não sentiam o amor romântico dos populistas pelo ‘povo”, e sua simpatia pelo
proletariado era bastante egoísta: era ditada pela convicção de que somente o
proletariado poderia ajudá-los a derrubar o regime vigente.
Os bolchevistas não tinham nenhum
escrúpulo em enganar os trabalhadores: tinham-lhes prometido a ditadura do
proletariado, quando só pensavam em sua própria ditadura. Na luta pelo Poder
não tinham piedade, todos os meios eram bons rara aniquilar o inimigo. Mas
estavam convencidos de que o marxismo era a único doutrina que realmente
poderia permitir a ditadura do proletariado. Queriam sinceramente construir a
sociedade sem classes profetizada por Marx. Lenin não somente foi seu guia, mas
a encarnação de suas ambições.
Stalin foi também o guia e a
encarnação da sua Nomenklatura. Se não foi o oposto exato de Lenin, mas antes
seu continuador, foi o mesmo para a Nomenklatura: em mais de um título, ela foi
a herdeira dos leninistas. Na luta pelo Poder não teve nenhuma piedade, mesmo
para com os próprios membros do Partido. Todos os meios lhes eram bons para
destruir tudo o que se atravessasse em seu caminho – inclusive leninistas.
As acomodações com a consciência, ele
as faia muito facilmente, já que não tinha nenhuma consciência. Tranqüilamente
enganava o proletariado, o campesinato e os outros, mas, contrariamente aos
revolucionários profissionais, jamais enganou a si próprio. Jamais quis o
bem-estar dos trabalhadores, ainda que tivesse feito grandes discursos sobre
esse tema. Sempre teve consciência de somente desejar seu
bem-estar.
Stalin, seu criador, não corria
riscos. Ao entrar no Partido queria fazer carreira a todo preço. Tanto em caso
de vitória quanto em caso de derrota da Revolução. Suas criaturas da
Nomenklatura tinham exatamente o mesmo desejo d poder, pouco importava o fim.
Evtuchenko exprimia bem esse estado de espírito: “Pouco lhe importa que o poder
seja dos sovietes, o importante é o poder!”
Que o marxismo fosse uma teoria
justa, também lhe era indiferente; a fé no marxismo, a Nomenklatura a
substituiu pela terminologia e pelas citações. Os carreiristas estalinistas nem
se preocupavam em propagar que o comunismo seria o futuro radioso da
humanidade. Na realidade, nada lhes interessava menos do que uma sociedade em
que cada um trabalharia segundo suas capacidades e receberia segundo suas
necessidades. Se tivessem corrido tal risco, o mundo assistiria a um espetáculo
muito interessante: ver-se-iam os dirigentes comunistas atrás de barricadas
para lutar contra o comunismo, ou fugir para a Suíça a fim de se colocarem ao
abrigo do perigo.
Qual o significado histórico da
vitória sangrenta da Nomenklatura estalinista sobre a velha guarda bolchevique?
OS COMUNISTAS CONVICTOS FORAM SUBSTITUÍDOS POR PESSOAS QUE SE INTITULAVAM
“COMUNISTAS” À FRENTE DA SOCIEDADE.
Esse fenômeno histórico tem raízes
objetivas: a formação de uma nova classe dominante vai exatamente de encontro à
formação de uma sociedade sem classes – comunista -. Quando os leninistas se
meteram por esse caminho, afastaram-se, naturalmente, do comunismo: seus atos
não correspondiam mais às suas convicções, mas isso não era um cálculo
deliberado. Pelo contrário, a Nomenklatura de Stalin fazia com que seus atos
correspondessem às suas convicções. Tratava-se mesmo de criar e organizar uma
nova classe dominante. Apenas um detalhe: as suas palavras não correspondiam às
suas ações.
Não se pode desprezar essa diferença.
É precisamente ela, e não a data ou a idade de entrada no Partido, que
estabelecia a diferença entre exterminados e exterminadores, nos anos
1936-1938. Molotov, Mikoian. Kaganovitch, Chikiriatov, Pospelov e outros, eram
membros do Partido antes da Revolução, mas estavam do lado dos carrascos,
livraram-se a tempo de suas convicções marxistas e souberam conservar apenas a
terminologia. Tinham apenas uma finalidade: conseguir, da melhor maneira
possível, sua ascensão na nova classe dominante.
Tudo isso foi – e ainda é – camuflado
pelos inúmeros discursos sobre “o papel de direção da classe operária”. No
Manual de História da URSS, surgido em 1971, dizem-nos alegremente: “Naquela
época – durante a Ejovchtchina – a classe operária não somente manteve seu
papel de direção, como também se tornou a classe dominante na URSS. Isso está
confirmado pelo fato de que o Partido Comunista – Partido da classe operária –
reforçou mais sua posição no aparelho do Estado.
Procuraremos agora tirar uma
conclusão: na luta pelo Poder, que se desenrolou sob o radioso sol do
socialismo estalinista, somente ganharam os que procuraram atingir seu fim - o
Poder – pelo caminho mais curto. Foram aniquilados todos aqueles que tiveram a
fraqueza de acreditar sinceramente no marxismo e na construção de uma
verdadeira sociedade socialista. Fraqueza fatal! Mas fatalidade compreensível:
como poderiam ter êxito em construir uma sociedade de classes, quando tinham a
convicção de construir a sociedade sem classes?
Esse processo em três etapas não é
exclusivo da União Soviética (agora, Rússia, novamente). O mesmo fenômenos
ocorreu em todos os lugares onde se instalou esse tipo de regime: o aparelho do
Partido Comunista contém o germe da Nova Classe dominante; após a tomada do
Poder ele produz novos administradores e se desenvolve rapidamente,
transformando-se em uma Nova Classe. Através de depurações sucessivas, os
primeiros membros logo são substituídos pelos carreiristas. Esse
desenvolvimento ocorreu em todos os lugares, prova que se trata de uma lei
histórica.
Os comunistas ocidentais deveriam
refletir seriamente sobre essa lei. Os que acreditam ingenuamente que honrarias
e Poder os esperam após a revolução, se iludem; para muitos será o campo de
concentração ou a execução sumária numa masmorra. Na melhor das hipóteses será
a exclusão do Partido e o esquecimento num miserável emprego subalterno.
Somente a pequena minoria, que saberá
esquecer bem depressa suas convicções marxistas e trabalhar bastante para
ascender aos bons lugares, poderá esperar alguma perspectiva de futuro;
tornar-se-á o carrasco dos comunistas sinceros. Honrarias e Poder serão
reservados àqueles que desejam sinceramente o bem dos trabalhadores. Homens
dessa espécie merecem a mais alta estima.
A seguinte estrofe do Hino soviético
foi a mais cantada após 1977:
“Vimos o sol através das nuvens,
Lenin, o Grande, nos mostrou o caminho,
Stalin nos ensinou a bela obra,
A fidelidade e os grandes feitos”
(Hino da Rússia anterior a 1977)
Lenin, o Grande, nos mostrou o caminho,
Stalin nos ensinou a bela obra,
A fidelidade e os grandes feitos”
(Hino da Rússia anterior a 1977)
Essa estrofe deveria ser cantada a
duas vozes: a primeira metade no tom trêmulo dos veteranos da velha guarda
leninista, e a segunda metade no tom majestoso dos baixos da Nomenklatura.
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