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Por Carlos I. S. Azambuja
O texto abaixo é o prefácio do livro título deste artigo.
Foi escrito por FRANK DIKÖTTER. Nascido na Holanda em 1961, formado em História
e Russo pela Universidade de Genebra. É professor catedrático de Humanidades da
Universidade de Hong-Kong.
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Entre 1958 e 1962, a China desceu ao inferno. Mao Tsé-Tung, presidente do Partido Comunista Chinês, jogou o seu país em um delírio com Grande Salto Adiante, uma tentativa de alcançar e superar a Grã-Bretanha em menos e quinze anos. Ao liberar o maior ativo da China, uma força de trabalho que se contava em centenas de milhões, Mao sonhou que poderia catapultar seu país para a dianteira dos competidores... em vez de seguir o modelo de desenvolvimento soviético,que se inclinava acentuadamente para a indústria, a China “caminharia sobre duas pernas”.
Entre 1958 e 1962, a China desceu ao inferno. Mao Tsé-Tung, presidente do Partido Comunista Chinês, jogou o seu país em um delírio com Grande Salto Adiante, uma tentativa de alcançar e superar a Grã-Bretanha em menos e quinze anos. Ao liberar o maior ativo da China, uma força de trabalho que se contava em centenas de milhões, Mao sonhou que poderia catapultar seu país para a dianteira dos competidores... em vez de seguir o modelo de desenvolvimento soviético,que se inclinava acentuadamente para a indústria, a China “caminharia sobre duas pernas”.
As massas camponesas foram mobilizadas para transformar a
agricultura e a indústria ao mesmo tempo, convertendo uma economia retrógada
numa sociedade comunista moderna, com abundância para todos. Na perseguição de
um paraíso utópico, tudo foi coletivizado, e os aldeões foram arrebanhados em
comunas gigantescas, que proclamavam o advento do comunismo. As pessoas do
campo foram roubadas de seu trabalho, de seus lares, de suas terras, de seus
pertences e de seus meios de subsistência.
A comida, distribuída às colheradas nos refeitórios coletivos
segundo o merecimento, transformou-se em arma para forçar as pessoas a seguir
todos os ditames do Partido. As campanhas de irrigação forçaram até a metade
dos camponeses a trabalhar durante semanas a fio em projetos de reservatórios e
água gigantescos, freqüentemente distantes de casa, sem alimento e descanso
adequados. A experiência terminou na maior catástrofe que o país jamais
conheceu, destruindo dezenas de milhões de vidas.
À diferença de desastres comparáveis, como, por exemplo, os que
aconteceram sob Pol Pot, Adolf Hitler ou Joseph Stalin, as verdadeiras
dimensões do que aconteceu durante o Grande Salto Adiante continuam pouco
conhecidas, isso porque durante muito tempo o aceso aos arquivos do Partido foi
proibido a todos, exceto aos historiadores confiáveis, respaldados por
credenciais do Partido. Mas uma nova Lei do Arquivo abriu, recentemente, grande
quantidade de material para historiadores profissionais, mudando o modo de
estudar a era maoísta.
Este livro se baseia em bem mais de mil documentos, coletado
durante vários anos em diversos arquivos do Partido, do Ministério das Relações
Exteriores, em Pequim, e de grandes coleções provinciais em Hebei, Shandong,
Gansu, Hubei, Hunan, Zhejiang, Sichuan, Guizhou, Yunnan e Guangdong, e em
coleções menores, porém igualmente valiosas, em cidades e condados por toda a
China.
O material inclui relatórios secretos do Departamento de
Segurança Pública; minutas detalhadas de encontros da cúpula do Partido;
versões sem censura de discursos de importantes lideranças; pesquisas das
condições de trabalho no campo; investigações de casos de assassinatos em
massa; confissões de líderes responsáveis pela morte de milhões de péssoas;
inquéritos coligidos por equipes especiais enviadas para descobrir a extensão
da catástrofe nos últimos estágios do Grande Salto Adiante; relatórios gerais
da resistência camponesa durante a campanha de coletivização; pesquisas
secretas de opinião; cartas escritas por gente comum e muito mais.
O eu surge desse massivo e detalhado dossiê transforma o nosso
entendimento do Grande Salto Adiante. Quando se traa do número geral de mortos,
por exemplo, os pesquisadores tiveram, até agora, de inferir das estatísticas
oficiais de população, incluindo números dos censos de 1953, 1964 e 1982. Suas
estimativas vão de 15 a 32 milhões de mortos. Mas os relatórios de segurança
pública compilados na época, em como os volumosos relatórios secretos cotejados
pelos comitês do Partido nos últimos meses do Grande Salto Adiante mostram como
esses cálculos são corretos e apontam para uma catástrofe de magnitude muito
maior: este livro mostra que pelo menos 45 milhões de pessoas morreram
desnecessariamente entre 1958 e 1962.
O termo “Fome” ou até mesmo “Grande Fome”, é freqüentemente
usados para descrever esses 4 a 5 anos da era maoísta, mas o terno não consegue
captar as muitas formas pelas quais as pessoas morreram sob a coletivização
radical. O uso displicente do termo “fome” também deu suporte à versão
amplamente disseminada de que essas mortes eram conseqüência não intencional de
programas econômicos mal feitos e mal executados. Assassinatos em massa não são
usualmente associados a Mao e ao Grande Salto Adiante, e a China continua a se
beneficiar de uma comparação mais favorável com a devastação comumente
associada ao Camboja e à União Soviética.
Mas, como demonstram as novas provas apresentadas nesse livro,
coerção, terror e violência sistemática foram a base do Grande Salto Adiante.
Graças aos relatórios freqüentemente meticulosos compilados pelo próprio
Partido, podemos inferir que entre 1958 e 1962, em estimativa aproximada, 6% a
8% das vítimas foram torturadas até à morte ou sumariamente mortas –
ascendendo, no mínimo, a 2,5 milhões de pessoas. Outras vítimas foram
deliberadamente privadas de comida e morreram de inanição. Muitas outras
desapareceram porque eram velhas, fracas ou doentes demais para trabalhar – e,
portanto, incapazes de ganhar seu sustento.
Pessoas eram mortas seletivamente porque eram ricas, porque
faziam cera, porque falavam, porque simplesmente não eram estimadas ou por
qualquer outra razão, pelo homem que empunhava a concha no refeitório.
Incontáveis pessoas foram mortas indiretamente por negligência, uma vez que os
oficiais estavam sob pressão para focar mais os números que as pessoas, para
garantir que preenchessem as metas que lhes eram entregues pelos responsáveis
pelo planejamento.
Uma visão de abundância prometida não apenas motivou um dos
assassinatos em massa mais terríveis da História, como também infligiu danos
sem precedentes à agricultura, ao comércio e ao transporte. Panelas, caçarolas
e ferramentas eram atiradas em fornalhas de fundo de quintal para aumentar a
produção de aço no país, vista como um dos mágicos fazedores do progresso.
Os rebanhos declinaram precipitadamente não apenas porque os
animais eram abatidos para o mercado externo, porque também sucumbiam em massa
de doenças e fome – apesar dos extravagantes planos de gigantescas fazendas de
criação de porcos que traiam carne para todas as mesas. O desperdício aumentou
porque produtos em estado bruto e suprimentos eram mal alocados e porque os
chefes das fábricas deliberadamente quebravam as regras para aumentar a
produção. Como todos cortavam caminho na incansável perseguição de uma produção
maior, as fábricas cuspiam bens de qualidade inferior que se acumulavam nos
desvios das linhas férreas sem serem recolhidos.
A corrupção se infiltrou em todos os lugares e aspectos da vida
chinesa, manchando tudo, do molho de soja às usinas hidroelétricas. O sistema
de transporte se deteriorou totalmente até parar por completo, incapaz de
atender às demandas criadas por uma economia planificada. Bens no valor de
centenas de milhões de yuans se acumulavam em refeitórios, dormitórios e até
nas ruas, grande parte do estoque simplesmente apodrecendo ou enferrujando.
Teria sido difícil planejar um sistema de maior desperdício, em que os cereais
eram deixados sem serem recolhidos à beira de estradas de erra no campo,
enquanto as pessoas roubavam raízes ou comiam lama.
Este livro também documenta como a tentativa de saltar para
dentro do comunismo resultou na maior destruição de propriedade da História
humana – superando de longe os bombardeios da Segunda Guerra Mundial. Até 40%
de todas as moradias se tornaram entulho, enquanto casas assim eram derrubadas
paa cultivar fertilizantes, construir refeitórios, reassentar camponeses,
endireitar o trajeto de estradas, abrir espaço para um futuro melhor ou
simplesmente para punir seus ocupantes.
A natureza também não escapou da destruição. Nunca saberemos
qual foi a perda total de cobertura de florestas durante o Grande Salto
Adiante, mas um ataque intenso e prolongado à natureza reclamou até metade das
árvores plantadas em algumas províncias. Rios e cursos d’água sofreram também
em todo o país, represas e canais construídos por centenas de milhões de
fazendeiros a um custo humano e econômico, tornaram-se, na maior parte, inúteis
ou até perigosos, resultando em deslizamentos de terra, obstrução de rios,
salinização do solo e devastadoras inundações.
Assim, o significado deste livro está de forma alguma restrito à
fome. O que relata, freqüentemente com angustiante detalhamento, é o quase
colapso de um sistema social e econômico no qual Mao havia apostado seu
prestígio. Enquanto a catástrofe se propagava, o líder atacava seus críticos
paa manter a posição como indispensável líder do Partido.
Depois que a fome chegou ao fim, no entanto, novas facções
apareceram, opondo-se fortemente ao presidente: para ficar no Poder, ele teve
de virar o país de cabeça para baixo com a Revolução Cultural. O elemento
essencial da história da República Popular da China foi o Grande Salto Adiante.
Qualquer tentativa de compreender o que aconteceu na China Comunista deve
iniciar por colocá-lo no centro de todo o período maoísta.
De maneira muito mais geral, enquanto o mundo moderno luta para
encontrar um equilíbrio entre a liberdade e a regulação, a catástrofe
desencadeada na época permanece como um lembrete do quanto é profundamente
equivocada a idéia do Estado planejador como antídoto para o caos.
Carlos I. S. Azambuja é
Historiador.
Um comentário:
Sr. Historiador:
Releve a minha ousadia, mas faço-lhe uma sugestão que, certamente, vai aumentar a satisfação e o número dos seus leitores. O senhor tem postado textos interessantes, mas desprovidos de cuidados na apresentação, de uma boa edição e de uma necessária correção dos erros de ortografia (ou digitação) e de concordância primários, tornando a leitura enfadonha, no mínimo. Veja alguns exemplos: no post de 22/08/17, “A Grande Fome de Mao – I” já no título está grafado “Mão” (será que todos os leitores do Alerta Total sabem, realmente, quem foi Mao Tsé-Tung?), e a melhor tradução para esse projeto maoísta é “Grande Salto para a Frente”. A seguir, observações sobre alguns parágrafos: 3º § - ...projetos DE reservatórios de água.../ 5º § - ... mil documentos COLETADOS.../ 7º § - O QUE surge...Quando se TRATA do.../...BEM como os volumosos.../ 8º § - O termo “Fome” ou...é frequentemente USADO... mas o TERMO..., etc. Parei aqui.
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