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Por Carlos I. S. Azambuja
O texto abaixo foi transcrito do livro “GUIA BIBLIOGRÁFICO DA
NOVA DIREITA”, escrito por LUCAS BERLANZA, com prefácio de RODRIGO CONSTANTINO,
editado pela Resistência Cultural.
Palavras do Autor: “O conceito com que trabalho em meu livro de
estréia é exatamente esse que ele formula. A Nova Direita é todo mundo:
liberais e conservadores, monarquistas e republicanos, missesianos, hayekianos
e burkeanos. É uma expressão TEMPORAL, fazendo referência a um marco histórico
no Brasil Contemporâneo em eu uma movimentação de maior densidade se efetivou
em torno dessas idéias que andaram profundamente ausentes do grande debate
público. É uma expressão interessante para nos dar o senso do lugar histórico
que estamos tentando ocupar”.
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Chegou-me às mãos o primeiro volume de uma série de dois,
intitulada Grandes Momentos do Parlamento Brasileiro, produzido no final
dos anos 90, quando Antonio Carlos Magalhães era o presidente do Senado. Com
muito contentamento encontrei os dois volumes em áudio na Internet,
documentando pronunciamentos de figuras históricas, de diferentes partidos e
tendências, expressando aspectos importantes da cultura nacional.
São muitas as pérolas... As ácidas críticas do memorável Afonso
Arinos, da UDN, ao governo Vargas, após o atentado de Toneleros, a longuíssima
e espirituosa defesa de Carlos Lacerda, quando alvejado pela suposta divulgação
de códigos secretos; as renúncias e trocas de cargos de inúmeras figuras de
relevo tanto da UDN, quanto do PTB e do PSD; a sessão solene de posse de João
Goulart; as discussões intensas a respeito da adoção do sistema parlamentarista
em 1961 e da renuncia de Janio Quadros; a agitação esquerdista de Francisco
Julião; a relativização da propriedade em razão da sua “função social”, de
Vieira de Melo, em sua defesa da reforma agrária, com intervenções ácidas do
udenista Antonio Baleeiro; os discursos em homenagens a falecidas lideranças,
como Juscelino Kubitschek e Ulysses Guimarães, feias por outras lideranças
históricas como Tancredo Neves.
Há até a transcrição do rebuliço célebre de 1964, quando o
presidente do Congresso Auro de Moura Andrade, declarou vaga a Presidência da
República, abrindo caminho para o regime militar, e as discussões sobre o sistema
bipartidário e a estrutura centralizadora do regime. Em suma, uma seleção de
tesouros que demonstram como os agentes históricos se comportavam, e se
relacionavam no ambiente parlamentar, durante as maiores crises de nossa
trajetória desde os anos 50 até os 90.
Que deduzimos desse material? Em primeiro lugar, os aspectos
negativos. Nossos problemas auaís, por mais diferenciada que seja a formatação,
não mudaram totalmente em natureza. Podemos ver, mesmo em seu valoroso discurso
contra a corrupção e o autoritarismo de Vargas, Afonso Arinos se ufanar do
apoio ao monopólio estatal do petróleo, que a UDN sustentou através de várias
de suas alas. Mesmo no partido de disposições mais liberais e conservadoras da
época havia muitos que não escapavam, aqui ou ali, do nosso estatismo
paralisante.
Entre os discursos transcritos, apenas o de Carlos Lacerda, em
uma defesa apaixonada da livre iniciativa, e o de Roberto Campos, com suas
menções positivas a Eugênio Gudin, escaparam às tradições desenvolvimentistas e
nacionalistas das nossas classes políticas – sem que se esqueçam as
divergências acidas que tiveram no governo Castelo Branco, mencionadas por
Campos em sua fala selecionada e 1983, constante do segundo volume -. Também
não podemos desconhecer as terríveis brigas que ocorriam – conta-se que com
direito ao saque de armas -, a despeito de nossos parlamentares de ontem não
serem, em sua maioria, animalescos como os de hoje, que protagonizam
espetáculos circenses quase toda semana.
Entretanto, obrigo-me a reconhecer: muitos de nossos
parlamentares de ontem eram oradores extraordinários, com referência s a
representantes de nossas melhores tradições políticas, como rui Barbosa, e a
ícones do pensamento e da cultura ocidentais. Em seus discursos, externava-se
uma concepção geral de mundo, uma apreciação dos fatos do seu tempo e uma
intenção explícita em inserir o Brasil no cenário da civilização planetária.
Encontramos esses elementos até, por exemplo, em um grande discurso do
petebista Santiago Dantas, que não deixa de condenar o comunismo em sua
explanação. Nisso decaímos visivelmente; o discurso do então ex-udenista
Teotônio Vilela em homenagem ao antigo adversário morto, Juscelino Kubitschek,
é peça de notável conteúdo emocional, que nossos oradores de hoje não
reproduziriam. O consenso temático abjeto, a atmosfera ideológica
criminosamente agredida pelo gramscismo e a conseqüente ausência de virilidade
das oposições impedem que vislumbremos essas qualidades na atualidade.
Numa coisa parecemos bem iguais, ontem e hoje: essas peças de
brilhante oratória, em muitos aspectos, permaneciam alheias aos matizes da
realidade. Mesmo no Império, quando tivemos brilhantes figuras, os
parlamentares pairavam sobre um país manchado pela escravidão. Ainda assim,
acredito que lideranças de peso, que saibam traduzir em palavras organizadas os
dramas do país e do mundo, sabendo transmitir com emoção as verdades racionais
que defendemos, são indispensáveis para o sucesso de um movimento de retração
do Estado no Brasil. Nesse sentido, mergulhar em nossa cultura política e no
comportamento das antigas lideranças populares, desvistalizadas pelo regime
militar, pode ser muito útil.
Há um pedaço pequeno do primeiro volume que gostaríamos de
destacar. Em seu discurso, Carlos Lacerda extrai, do livro “América Latina,
Continente em Ebulição”, de Eudocio Ravines, uma análise em 12 pontos do que o
autor chamava de “justicialismo”, em referência ao caso argentino, mas seria o
que nós chamamos d “populismo” caudilhesco latinoamericano. Nesse resumo,
define-se que os populistas “proclamam a necessidade de anular a influência das
oligarquias, assim como a intromissão dos consórcios estrangeiros na política
interna e uma repartição da riqueza mais concorde com o reinado da justiça
social”.
O movimento operário se torna engrenagem do aparelho do Estado.
Seu movimento se gesta nas grandes cidades e não na periferia, assemelhando-se
ao fascismo em sua organização econômica. São de viés esquerdista, não
proletário, mas como o populismo não é capaz de formular, por si mesmo, uma
doutrina autônoma, desemboca na doutrina marxista e na adoção de sua filosofia
de luta de classes, adaptando sua retórica ao cenário de miséria da região.
Exploram os sentimentos nacionais contrários ao espírito de lucro e a
intromissão regressiva na política interna dos consórcios estrangeiros, levando
a um nacionalismo xenófobo, antianque, essencialmente artificioso e demagógico,
pervertendo os melhores sentimentos do orgulho nacional.
Fizeram-se empresários ardorosos da industrialização interna dos
planos qüinqüenais (ou outros) e da transformação do Estado em empresário
industrial, pouco se cuidando das possibilidades concretas de investimentos do
país, da mesquinhez do mercado interno. Impuseram, com maior ou menor disfarce,
o regime do partido único, com tolerância dosada, outorgada como privilégio, a
grupos subjugados e domesticados para manterem, através dessa aparência, um
simulacro de vida democrática.
Caracterizaram-se pela tendência à expansão política para fora
do país, sempre ao amparo da fraternidade latino-americana e da necessidade de
união de seus povos. Fizeram-se, por fim, campeões do intervencionismo estatal
na economia, tendo sido sua norma uma drástica intervenção do Estado (...) tanto
porque assim espera chegar mais depressa à administração da justiça social,
tanto porque o dirigismo econômico converteu-se em poderoso instrumento de
jugulação de toda força opositora, em arma absolutista para subjugar, para
corromper e para outorgar favores.
Perguntamos: não é muito familiar e em boa parte idênticos, ao
que vemos acontecer hoje na mesma região? Não é uma descrição atualíssima do
DNA do petismo e do bolivarianismo, devendo ser apenas ser incrementada com o
maior radicalismo com o maior radicalismo ideológico e o ambiente ainda mais
culturalmente enfermo que vemos hoje? Caminhamos muito pouco. Muito mais,
portanto, nos serão úteis as lições oferecidas pelos que vieram antes de nós,
tanto em seus acertos quanto em seus erros.
Carlos I. S. Azambuja é
Historiador.
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