Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Maynard Marques de Santa Rosa
Interpretar o
cenário nacional é um desafio ao discernimento. A multiplicidade de apelos de
conteúdo emocional parece criar perplexidade, anulando nos brasileiros o senso
de responsabilidade pelo próprio destino. Dessa forma, temas vitais, porém
desgastantes, como os da segurança pública, podem ser relegados impunemente na
agenda legislativa.
Outras questões
essenciais têm sido, igualmente, postergadas de modo sutil, como as do ajuste
fiscal e da governabilidade. O acerto das contas públicas torna inevitável a discussão
da questão previdenciária, mas não pode prescindir da racionalização do setor
público. Contudo, essa preocupação tem-se restringido ao âmbito do Executivo e
implicado cortes de incentivos ao setor privado, investimentos federais e
custeio, sobretudo, da segurança. Infelizmente, não há notícias de ajuste no
topo de nenhum dos três poderes.
No tocante à
governabilidade, o dilema constitucional vem sendo omitido da agenda, como se
tabu fosse. Curiosamente, o caso da Previdência mostra que mesmo a carta magna
é suscetível à mudança de opinião, quanto o é a biruta à força do vento. Na Constituinte de 1988, o MDB atendeu às
corporações de servidores, ao unificar o seu regime previdenciário, antes
dividido por categorias de celetistas e estatutários. A “conquista” da
aposentadoria integral, celebrada por milhares de funcionários, mas sem a
contrapartida do tempo de contribuição, selou o destino futuro da previdência
pública.
Agora, o mesmo
partido propõe uma reforma sumária, presumindo a necessidade de erradicar
privilégios. O projeto, de inspiração draconiana, não deixou margem para uma
solução transitória, como a que foi aplicada às estatais. Por isso, a reação
implacável das corporações. E de fato, se aprovado como está, somente restaria
aos quadros públicos a opção do mercado de previdência privada, tornado
extremamente promissor, pela expectativa de afluxo dos novos clientes.
A inadequação da
ordem jurídica agrava o fenômeno da carência de lideranças. A “Constituição
Cidadã” revestiu-se de “cláusulas pétreas”, que o constituinte pretendeu
perpetuar, à revelia da lei natural do progresso. No capítulo dos direitos
individuais, por exemplo, o inciso XVIII do Art. 5º estabelece que: “A criação
de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização,
sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”.
Ao interditar o
direito de defesa do Estado, estimulou-se a proliferação de
organizações-não-governamentais, hoje calculadas em mais de 700 mil, muitas
delas projetadas para atender a interesses ocultos, como os do crime organizado
e os dos órgãos de inteligência estrangeiros que operam no território
brasileiro.
Com as regras em
vigor, nenhum presidente seria capaz de impulsionar as reformas estruturais
necessárias. O gigantismo do Legislativo e a complexidade dos interesses
partidários conspiram contra a agenda. A ineficácia dos processos age em favor
da inércia, quando não impede a aprovação das proposições estratégicas. O poder
executivo está submetido a uma dependência perigosa do Parlamento. Sem fazer
uso da política abominável do “toma lá, dá cá”, fica praticamente impossível
aprovar qualquer legislação que afete os interesses dominantes.
Em acréscimo, por
razões atávicas, a administração pública tem, ainda, de conviver com a
hipertrofia da fiscalização dos órgãos de controle. A lei merece ser escoimada
de ambiguidades, para simplificar os processos administrativos, assegurar a
punibilidade dos corruptos e proteger a gestão pública da ingerência externa.
Por outro lado, a fluidez do
“espírito da época” tem estimulado o surgimento de “outsiders” capazes de
ameaçar o espaço de poder dos atores do “estamento burocrático”, dando ensejo
aos balões de ensaio que, inexplicavelmente, surgem do nada. O mais recente foi
a proposta de mudança para o regime semipresidencialista, uma solução que nega
ao presidente os instrumentos da gestão política, assegurando a manutenção do
“status quo”.
Em resumo, portanto, a carência maior
do Brasil de hoje é de ordem em todas as suas expressões: política, econômica,
social e jurídica. E o primeiro passo para alcançá-la é a revisão da Carta
Magna.
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