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Por Gaudêncio Torquato
O dado abre uma boa reflexão: a campanha eleitoral deste
ano reúne o maior número de candidatos militares dos tempos de
redemocratização: 90. O que também chama a atenção é a quantidade de convocados
para compor chapas majoritárias aos governos estaduais. Em São Paulo, duas
tenentes coronéis comporão como vices as chapas do governador Márcio França
(PSB) e do presidente licenciado da Fiesp, Paulo Skaf (MDB). No Paraná, a
governadora Cida Borghetti (PP) terá como vice um coronel aposentado da PM.
Qual o significado do afluxo de militares no pleito?
Tentemos formar algumas hipóteses. Primeiro, o ambiente de
deterioração que acolhe a esfera política. Nos últimos tempos, a lama da
corrupção tem escorrido sobre os vãos e desvãos da República, afogando
protagonistas da política, da burocracia estatal e do mundo dos negócios
privados. O mensalão e o petrolão (Lava Jato) compõem as duas grandes operações
que, ao correr de meses, ganharam espaços midiáticos, plasmando a imagem
destroçada de representantes, governantes, executivos e empresários. Pôr ordem
na bagunça que virou o Brasil de ponta-cabeça, eis o apelo embutido no apoio
aos militares. Que assumem conotação de profissionais sérios, de vida
pacata na caserna e corajosa no cotidiano nas ruas, combatendo máfias
criminosas, ainda mais quando a violência se expande nas cidades e nas áreas
rurais.
Portanto, o perfil do militar é entronizado na moldura
cívica do país, nesse momento em que a sociedade se mostra indignada contra
costumes da velha política. Puxá-los para a seara eleitoral seria um esforço
dos políticos para conferir assepsia aos partidos – desacreditados – e oxigênio
às chapas. Essa é a hipótese que explica a ascensão do protagonista militar
que impacta a paisagem eleitoral: Jair Bolsonaro, ex-capitão do
Exército.
Deputado alvejado de críticas ao longo de 30 anos de
mandato, conhecido por frases fortes, algumas de caráter machista, homofóbico e
xenófobo, Bolsonaro não frequentava o ranking dos representantes prestigiados
ou respeitados da Câmara. Foi catapultado ao andar de cima do protagonismo
eleitoral na esteira do clamor social por limpeza na política. De repente, o
acervo discursivo do capitão, considerado folclórico e de baixo nível, passou a
ganhar aplausos de todos os lados. Alguns conceitos a ele atribuídos: “Bandido
bom é bandido morto”; “policial bom é aquele que dá tiros, que mata”.
O capitão, cuja vida militar foi marcada por episódios
vexatórios – acusado de transgressão grave ao Regulamento Disciplinar do
Exército (RDE) – ganha a posição de antídoto às coisas ruins da política e,
ainda, de contundente guerreiro contra o PT, sua filosofia política e seus
líderes, a partir de Lula. Assim adquiriu status de opositor principal ao
lulo-petismo, energizando multidões de militantes que o recebem em aeroportos,
sob o grito de “mito”.
E para arrematar a posição ultraconservadora, de modo a
sinalizar um recorte militarista na chapa, o capitão escolhe um general
aposentado, Hamilton Mourão, que abre a campanha bolsonariana de modo polêmico,
atribuindo ao negro a “malandragem” e ao índio, a “indolência”, traços de nossa
miscigenação cultural. O fato é que os dois militares aposentados do Exército,
formando a chapa presidencial, e os coronéis da PM, compondo chapas
majoritárias nos Estados, a par de uma centena de outros de origem militar nas
chapas proporcionais, constituem um fenômeno de nossa contemporaneidade
política.
O arco ideológico exibe fortes traços à esquerda,
desenhados principalmente pelo PT e suas extensões. Abriga, também, espaçoso
habitat do centro e de suas proximidades, mas o fato novo é o adensamento da
extrema direita, até então, restrita e meio escondida. Agora, seus
simpatizantes aplaudem o lema: “à direita, volver”.
Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor
político e de comunicação Twitter@gaudtorquato
Um comentário:
A popularidade de Bolsonaro mostra que o povo não caiu na artimanha dos articulistas de esquerda de rotular a mínima orientação à direita como "extrema-direita".
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