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Por Hélio Duque
Originário da Idade Média, o objetivo
do feudalismo é marginalizar o poder central, estabelecendo a relação de
dependência entre vassalos e suseranos. O suserano é dono de um feudo e a
grande maioria da população é dependente e se submete à vassalagem. O vassalo é
um subordinado submisso que se entrega à dependência do senhor feudal.
A realidade política brasileira,
expressada nas atuais legendas partidárias, submete a sociedade aos valores de
um tempo feudal. Os partidos políticos, ao invés de buscar a arte de bem
governar para o interesse comum, transformaram-se em máquinas de preservação
dos interesses pessoais e de corporações grupais. A esperteza astuta entende
que o Estado deve ser provedor de vantagens, inclusive familiares, como vem
acontecendo.
O vácuo da verdadeira
representatividade popular vem sendo ocupado em grande número pelas dinastias
familiares. O saudoso Ulysses Guimarães,
no livro “Rompendo o Cerco”, alertava: “É indecoroso fazer política uterina, em
benefício de filhos, irmãos, cunhados. O bom político costuma ser mau parente.”
Morto há duas décadas e meia, o timoneiro da redemocratização foi poupado de
viver o tempo presente. A inflação de filhos, irmãos, sobrinhos, esposas,
cunhados e agregados pela genética proliferam na vida pública, formando
disfarçadas capitanias hereditárias políticas na ocupação de cargos no
executivo, no legislativo e até no poder judiciário.
As dinastias genéticas, quase sempre
despreparadas, são grupos liliputianos, deslumbrados com as delícias do poder.
Inexistem como representantes de princípios e ideários e nisso estão a altura
dos partidos a qual são filiados. Estes servem unicamente para o registro de
candidaturas, cultivando o arcaísmo como projeto de poder. Desigualdade social,
cidadania incompleta, falta de compromisso com os valores humanistas, em que liberdade,
igualdade e fraternidade deveriam ser pedra angular, estão fora da agenda
dessas dinastias.
Ignorantes dos ensinamentos do grego
Aristóteles, quando pregava que o valor público supremo é servir ao bem comum,
os políticos uterinos não sabem o que é “res pública”. O poder das dinastias
familiares e fisiológicas é um dos responsáveis, no Brasil, pelo
enfraquecimento do Estado democrático.
Aprofundando a desqualificação da atividade política, levando os melhores
quadros a se manter longe da vida pública. E nesse processo deformado, renovar
por renovar não garante nada. Mudam os prenomes, mas os sobrenomes continuam
intocáveis.
No Rio, o cientista político Alfredo
Sirkis, radiografava essa realidade, recentemente: “A maioria dos bons quadros
da sociedade civil foge dessa realidade nauseabunda. Quem não dispõe de fortuna
pessoal, herança política familiar, púlpito de pastor, microfone de radialista,
direção corporativa, prefere evitar compromissos comprometedores.
Para o político íntegro, essa ave
rara, vai se chegando a quadratura do círculo.” Os feudos genéticos retratam um
tempo de degeneração da ética pública ampliando o poderio familiar nas disputas
eleitorais. Com isso geram a desconfiança, a frustação e o desrespeito do
eleitorado pela atividade pública.
Em passado recente as regiões norte e
nordeste eram líderes absolutas nessa deformação política, onde prevalecem os
clãs familiares. Nos últimos tempos, as regiões sul e sudeste aderiram ao
nefasto modelo, com o feudo familiar arrombando a vida pública. Em nome de uma
falseada mudança renovadora, as dinastias escalam os seus herdeiros nos
governos de Estado, nas Prefeituras, no Congresso Nacional, nas Assembléias
Legislativas, nas Câmaras Municipais, consolidando o Estado patrimonialista.
Com grande sabedoria naquele seu livro
Ulysses Guimarães advertia: “O poder não corrompe o homem. É o homem que
corrompe o poder.” Aí está uma das causas da corrupção estrutural que,
tristemente tem presença no Brasil.
Hélio
Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista
(UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a
economia brasileira.
2 comentários:
A "Constituição Cidadã" do Dr. Ulysses permite o aparelhamento do Estado com a admissão de servidores públicos sem concurso público.
O voto distrital reforçaria essa feudalização.
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