Artigo no Alerta
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Por
Gaudêncio Torquato
Este texto sai um pouco antes do resultado do pleito deste domingo,
estando, portanto, sujeito às intempéries do clima eleitoral, à gangorra das
pesquisas de intenção de voto e aos ventos contrários que o Senhor Imponderável
das Neves costuma soprar quando nos visita. As repetidas sinalizações das
pesquisas mostram não haver tempo para o estreitamento da margem de intenção de
voto que o separa do petista Fernando Haddad.
Sob essas ressalvas, faremos apontamentos, tendo como norte a vitória do
capitão reformado do Exército, Jair Bolsonaro. Mas, com pequenas alterações,
poderiam ser dirigidas também ao candidato petista.
A primeira observação vai na direção da mudança de patamar. O ganhador
há de entender que será governante de todos os brasileiros, condição que exige
altruísmo, compromisso cívico de tentar juntar os cacos quebrados que a
campanha proporcionou e que também teve como ferramenta uma linguagem desabrida
e radical, usada para fustigar adversários e defender um legado de terror,
tortura e medo. Não dê trela ao lema “Nós e Eles”;
Se o país não resgatar a chama do pacifismo, com um chamamento geral ao
bom senso, e continuar sob a expressão de expurgo de contrários – como o
capitão promete em relação a líderes adversários -, a paisagem poderá ganhar a
cor de sangue de confrontos nas ruas entre alas perdedoras e vitoriosas.
Tempos de combate às tradicionais mazelas de nossa cultura política –
mandonismo, caciquismo, nepotismo, grupismo, enfim, fisiologismo – não combinam
com práticas populistas. Conter custos, racionalizar a máquina administrativa
com cortes de contingentes alocados em cargos comissionados, atenuar a
burocracia, reduzir o número de ministérios, são medidas que exigem coragem
para seguir rígidos padrões na economia, na esteira daquilo que prometia
Tancredo Neves, antes de morrer em 1985: “Meu primeiro decreto terá um único
artigo dizendo assim: É proibido gastar”.
Urge aprender a andar sobre o fio da navalha, tendo de escolher quadros
qualificados e estribados em padrões técnicos e, ao mesmo tempo, atender
demandas de partidos que formarão a base de apoio. A lógica do presidencialismo
de coalizão contempla a repartição de poder entre parceiros da governabilidade.
Mesmo assim, impõe-se o dever de preservar a operacionalidade da máquina,
livrando-a de pressões de partidos e grupos, sob pena de comprometer resultados
e afetar a dinâmica governativa.
Desafios enormes estão à vista: como compatibilizar a visão nacionalista
dos militares, sob a qual viceja a ideia de um Estado forte e preservação de
empresas estratégicas nas áreas de energia, petróleo, gás e telecomunicações, e
o anseio do Estado mínimo, tão a gosto do mercado, onde habitam interesses de
conglomerados privados com a ambição de abocanhar nacos das estatais? Haverá um
meio termo que permita dosar políticas liberais com políticas focadas no
controle do Estado em áreas vitais? Até onde o guru Paulo Guedes poderá desfiar
o rolo das privatizações sem romper o casulo do agudo nacionalismo que abriga a
casta militar?
Áreas sensíveis às massas estarão na vanguarda das prioridades, entre
elas, a questão da segurança pública. O tratamento de choque que o novo
presidente promete oferecer –, a partir da concepção de que bandido bom é
bandido morto –,tem condições de ser empregado? Essa questão envolve um
conjunto de situações complexas, como forças mais preparadas (novas
modalidades?), inteligência, maiores recursos, integração das forças policiais,
balanceamento entre ações preventivas e ofensivas, eficiente patrulhamento nas
fronteiras, entre outros programas. Por mais forte que seja a índole “atacante”
contra a bandidagem, não se espere melhoria da segurança pública no curto
prazo.
O consumidor, o anônimo das ruas, o habitante das margens esperam por um
bolso mais recheado, de onde possam garantir o sustento da família e adquirir o
remédio, a comida, os livros da filharada, pagar o transporte, enfim, as coisas
do sofrido cotidiano. Seriam atendidos em um primeiro momento ou vão ter
paciência de esperar, antes de atenderem às convocações de movimentos sociais?
São dilemas que se apresentam ao novo mandatário.
Quanto à última observação, vale enfatizar que as oposições estarão de
olho aceso nas curvas do caminho do novo governo. Agirão sob o impulso de
ganhar fôlego e voltar a ser fortes protagonistas da política. Derrapadas
eventuais ou atrasos no cronograma das ações serão motivo para voltar às ruas.
Que Deus ajude o país!
Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor
titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato
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