Não tem moleza no horizonte do “Superministério” da Justiça sob comando
de Sérgio Fernando Moro. Além do combate à corrupção – marca previsível do juiz
que virou herói nacional na Lava Jato – e do milagre a ser feito na área da
segurança pública, existe um outro importante desafio para Moro: o combate à
formação de cartéis – um danoso crime contra a economia popular – dificilíssimo
de atacar.
A
extrema dificuldade de se comprovar a existência de um cartel – mesmo nas
oportunidades em que sua prática salta à vista – é o maior dos problemas para o
seu combate. A atribuição de resolver tamanho “B.O.” é do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão vinculado ao Ministério da
Justiça. Grandes grupos econômicos brincam de gato e rato com o Cade – que
nestas horas opera entra no jogo do “Cadê”.
A
dificuldade para se comprovar a atuação de tais “associações de empresas para
lesar consumidores” se verifica nos mais diversos casos, quer sejam cartéis
formados por pequenos fornecedores de prefeituras do interior do país, cartéis
formados por donos de postos que combinam o preço da gasolina, cartéis de
fornecedores de produtos hospitalares, cartéis de empreiteiras de obras
públicas, e por aí vai...
E
por causa da grande dificuldade de comprovação da existência do cartel, as
empresas que praticam tal tipo de crime não se intimidam diante das diversas
penalidades a que estão sujeitas, que incluem uma multa pecuniária de valor
exemplar, calculado como um substancial percentual do faturamento da empresa.
Para
ilustrar o fracasso no combate a cartéis no País, nada mais apropriado que
relembrar o caso do cartel de gases medicinais e industriais, conhecido como o
“Cartel do Oxigênio” – organização criminosa que, inclusive, fraudava o caráter
competitivo das licitações para superfaturar contra nossos combalidos hospitais
públicos.
O caso do “Cartel do Oxigênio”
Apesar
de ser velho conhecido dos consumidores e das autoridades, a comprovação da
existência do “Cartel do Oxigênio” só foi possível por causa de uma sucessão de
fatos que muito raramente ocorrem.
Em
primeiro lugar, no final de 2003, as autoridades que têm a atribuição de
combater tal tipo de crime receberam uma denúncia com os nomes dos funcionários
que combinavam os acordos, representando as empresas integrantes do cartel.
Em
segundo lugar, diante da consistência da denúncia, a Justiça autorizou a quebra
do sigilo telefônico de tais funcionários acusados.
Em
terceiro lugar, as gravações telefônicas possibilitaram a obtenção de indícios
suficientes para determinar uma Operação de Busca e Apreensão nas dependências
das transnacionais Aga, White Martins, Air Products e Air Liquide.
Em
quarto lugar, a Operação de Busca e Apreensão, realizada em fevereiro de 2004,
foi repleta de êxito. Nela, foi apreendido até mesmo o conjunto de regras que
ficou conhecido como o “estatuto do cartel”.
Dentre
as regras contidas no inusitado “estatuto”, destacavam-se a forma de se dividir
o mercado, a sistemática da cobertura em licitações públicas, os procedimentos
para eliminar do mercado concorrentes “indesejáveis” e, até mesmo, a maneira de
se punir os integrantes que transgredissem as normas de conduta do cartel.
Diante
da robustez das provas obtidas na Operação de Busca e Apreensão, foram instaurados
dois processos: um Processo Administrativo junto ao Cade contra as empresas por
formação de cartel, e um Processo Criminal junto ao Ministério Público do
Estado de São Paulo, por formação de quadrilha, contra os funcionários que
representavam as empresas nas negociações.
Após
uma polêmica tramitação do processo, em setembro de 2010, o Cade aplicou nas
empresas uma multa de cerca de três bilhões de reais, cabendo à White Martins
R$ 2,2 bilhões. Acontece que as empresas recorreram à Justiça, e conseguiram
anular as penalidades, alegando vício na obtenção das provas. A argumentação da
defesa se baseou no fato que a denúncia na qual o processo se originou foi uma “denúncia
anônima”.
De
nada valeu as autoridades terem apreendido o chamado “estatuto do cartel”,
documento que registrava as normas compactuadas. Afinal, a comprovação da
existência do cartel foi feita a partir de uma denúncia consistente, porém
anônima. Ou seja, uma brecja jurídica, em meio à insegurança do Direito no
Brasil, salvou as empresas.
Resumo
da ópera: valeu o entendimento segundo o qual todos os frutos de uma
árvore envenenada se encontram contaminados. Assim, a multa aplicada pelo
Cade foi anulada pela Justiça, juntamente com todos os documentos que
comprovavam o “modus operandi” do cartel. O erro venceu.
Incontestavelmente,
a lição tirada do caso do “Cartel do Oxigênio” nos remete a duas verdades: 1 –
é indispensável a adoção de novas medidas para se comprovar a existência de
cartéis; 2 – as novas medidas deverão considerar um fato inquestionável: a
necessidade da colaboração de alguém que conheça, por dentro do esquema, os
detalhes do funcionamento do cartel a ser investigado.
Ocorre
que, normalmente, a pessoa que se dispõe a colaborar quer ter a sua identidade
preservada. E isto contraria o Judiciário brasileiro, que não aceita denúncia
anônima. Para contornar tal impasse, torna-se inevitável uma alteração na
legislação, com a criação do que aqui é chamado de “informante confidencial”.
O “informante
confidencial”
A
criação de uma figura diferente do informante anônimo (mas que tenha a sua
identidade mantida em sigilo) já havia sido proposta, com outro objetivo, nas
“10 Medidas Anticorrupção”. Lá, foi proposta a regulamentação do que foi
chamado de “reportante do bem”.
Obviamente,
para alguém se sujeitar aos inconvenientes de ser um informante, não basta que
a ele seja oferecida a manutenção do sigilo de sua identidade. A ele terá que
ser oferecido algum tipo de benefício, como acontece nos casos das delações
premiadas que viabilizaram a Operação Lava Jato.
Conforme
se sabe, nos casos das delações premiadas, devido ao fato de o delator também
ter participado dos crimes, a ele é oferecida a diminuição da pena como
principal benefício. No caso dos cartéis, para atrair o interesse daqueles que
não estejam envolvidos no crime, sua recompensa deverá ser feita da maneira
mais direta possível, isto é, em dinheiro.
Como
sugestão, os benefícios a serem oferecidas ao denunciante poderiam ser uma
adaptação do que é oferecido pelo Programa Whistleblower
da U.S. Securities and Exchange Commission – SEC, criado pelo Congresso dos
Estados Unidos para fornecer incentivos monetários com o objetivo de atrair
indivíduos que venham relatar à SEC possíveis violações de determinadas leis
federais.
Importante
notar que não interessa às autoridades norte-americanas saber o motivo que
levou a pessoa a fazer sua denúncia (caça de recompensa, vingança de ex-mulher,
razões ideológicas, etc.). Só importa às autoridades o fato de, ao repassar à
SEC valiosas informações, a pessoa estar colaborando para defender o interesse
da sociedade.
No
caso da SEC, os denunciantes têm direito a uma recompensa que varia entre 10% e
30% das sanções monetárias efetivamente pagas pelo denunciado no âmbito de
referido programa www.sec.gov/whistleblower .
Conclusão
A
maior importância da criação da figura do “informante
confidencial” candidato a receber recompensa” se deve ao fato de sua
existência atingir em cheio o estado psicológico dos potenciais integrantes de
cartéis. Afinal, como reagiria um potencial integrante de cartel, sabendo que,
à caça de recompensa, um seu funcionário ou um funcionário de uma de suas
cúmplices poderia delatar a organização criminosa?
Para
finalizar, o seguinte exercício de imaginação: se o denunciante do “Cartel do
Oxigênio” fosse um “denunciante confidencial” e não um “denunciante anônimo”,
em vez de ter sido jogado no lixo cerca de seis anos processo, o denunciante
teria sido recompensado com cerca de R$ 300 milhões e os cofres públicos teriam
recebido mais de R$ 2 bilhões.
Por
isso, o combate aos cartéis é um assunto de extrema importância para Sergio
Moro pensar com todo carinho...
Mais
conselhos para Moro
O
Desembargador Carlos Henrique Abrão, articulista habitual neste Alerta Total, faz
uma lembrança importante ao futuro Superministro da Justiça:
“Não se
esqueça que combate a corrupção e crime organizado dependem fundamentalmente de
bons projetos não apenas na esfera criminal, mas na empresarial, concorrência e
mercados”.
Por
isso, Abrão faz uma lista de temas que precisam ser tratados por Moro e suas
comissões de trabalho:
1) Reforma
da lei bancária
2) Reforma da lei de mercado capitais
3) Revisão da lei de recuperação e quebra
4) Reformulação do código comercial com um ordenamento
empresarial
5) Reforma da lei de portos e concessões, gargalo da corrupção
6) Reforma do setor de transporte (há uma legislação em
tramitação que não atende ao setor)
7) Legislação aberta e unificada sobre o Seguro
8) Analise no direito empresarial dos prazos de decadência e
precrição
9) Uniformizar a Lei geral de títulos de crédito
10) Marcas e patentes com um modelo especial e de proteção ao
setor industrial nacional
Lista
transitória
O
Presidente Eleito Jair Bolsonaro viajou cedinho para Brasília, a fim iniciar as
articulações pré-governo, com os titulares dos três poderes.
O
ministro Extraordinário da Transição e futuro titular da Casa Civil, Ônyx Lorenzoni,
divulgou ontem a lista do time de transição do governo Michel Temer para o de
Jair Bolsonaro.
A
equipe já começa a trabalhar no Centro Cultural do Banco do Brasil, em Brasília,
com a seguinte escalação:
MARCOS AURÉLIO CARVALHO,
PAULO ROBERTO,
MARCOS CÉSAR PONTES,
LUCIANO IRINEU DE CASTRO FILHO,
PAULO ANTÔNIO SPENCER UEBEL,
AUGUSTO HELENO RIBEIRO PEREIRA,
GUSTAVO BEBIANNO ROCHA,
ARTHUR BRAGANÇA DE VASCONCELLOS WEINTRAUB,
GULLIEM CHARLES BEZERRA LEMOS,
EDUARDO CHAVES VIEIRA,
ROBERTO DA CUNHA CASTELLO BRANCO,
LUIZ TADEU VILELA BLUMM,
CARLOS VON DOELLINGER,
BRUNO EUSTÁQUIO FERREIRA CASTRO DE CARVALHO,
SÉRGIO AUGUSTO DE QUEIROZ,
ANTÔNIO FLÁVIO TESTA,
CARLOS ALEXANDRE JORGE DA COSTA,
PAULO ROBERTO NUNES GUEDES,
WALDEMAR GONÇALVES ORTUNHO JUNIOR,
ABRAHAM BRAGANÇA DE VASCONCELLOS WEINTRAUB,
JONATHAS ASSUNÇÃO SALVADOR NERY DE CASTRO,
ISMAEL NOBRE,
ALEXANDRE XAVIER YWATA DE CARVALHO,
PABLO ANTÔNIO FERNANDO TATIM DOS SANTOS,
WALDERY RODRIGUES JUNIOR,
ADOLFO SACHSIDA, e
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE.
Vida que segue... Ave atque Vale! Fiquem com Deus. Nekan Adonai!
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© Jorge Serrão. Edição do Blog Alerta Total de 6 de Novembro de 2018.
Um comentário:
Ótimo artigo!
Era muito bom se esses conselhos chegassem ao Moro.
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