Artigo no
Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Fábio Chazyn
O lamento
do príncipe Hamlet sobre o dilema do “Ser ou Não Ser” tem atravessado os
séculos desde os idos 1600. Contudo, se Shakespeare estivesse por aqui agora,
certamente acharia que a questão que atormentava Hamlet era ‘café-pequeno’.
O “ser”-humano
se transformou numa célula do organismo que é a sociedade de consumo e, apesar
das mazelas do fato, as suas questões existenciais -- ainda que reais – viraram
irrelevantes. Foi ruim para a satisfação das carências afetivas dele, mas bom
para a sociedade de consumo. E, como
parte dela, se abriram as portas para ele poder viver com mais conforto e por
mais tempo. Mas tudo isso com um preço: não parar de consumir.
A economia
trata disso. O consumo é a ‘gasolina’ da prosperidade. Sem o consumo a máquina
não funciona. É inútil continuar discutindo sobre como melhorar o desempenho da
máquina quando falta combustível.
Quando a
economia está em recessão, a primeira medida a ser tomada é botar combustível,
ou seja, estimular o consumo, para reativar o seu funcionamento. No momento da
recessão, recorrer a dogmas ou tabus que atrapalhem essa iniciativa é medida
contraproducente.
As duas
preocupações permanentes dos técnicos da área econômica são a administração da
dívida e o estímulo ao investimento e, por consequência, ao emprego, pois daí
advém o consumo. Para enfrentar a questão da dívida, a cartilha do economista o
obriga a reduzir o déficit fiscal, ou seja, a reduzir o prejuízo entre a
receita de impostos e a despesa com os gastos do governo e com tudo o mais que
interessa o dia-a-dia do cidadão: a educação, a saúde, os transportes, a
segurança, etc etc etc inclusive o custo da máquina pública e o custo das
aposentadorias, sem esquecer é claro do custo da dívida pública.
Numa
situação em que o custo da dívida pública corresponde a 50% do orçamento, ainda
que se argumente que esse custo é só contábil e não drena recursos líquidos do
orçamento, não faz sentido sacrificar só o lado do dia-a-dia do cidadão. Senão,
seria como p’ra fazer regime o cara parasse de comer. Não somente isso não faz
sentido, como também não faz sentido ‘descobrir um santo para cobrir outro’,
pois a redução do custo da máquina pública e da previdência social provoca um
impacto direto na redução do consumo quando essa política não está associada a
um plano abrangente de criação de empregos.
Contudo, o
momento é de dar crédito aos especialistas do superministério da economia, que
devem saber o que fazem para evitar que esse regime contra o déficit fiscal não
leve o paciente a óbito e para ao mesmo tempo criar a confiança necessária nos
investidores, que são os reais responsáveis pela criação de empregos e renda. O
consumo advirá daí.
Mas advirá
somente depois de se sanear as duas dúvidas: 1) a de que a justiça vai ajudá-los
a receber pelo que venderem e 2) a de que não vão ficar trabalhando p’ra pagar
juros escorchantes aos banqueiros gananciosos. É de se esperar dificuldades
nesses quesitos...
Enquanto
isso, com o Lula na cadeia como símbolo da derrocada da política de manter a
população ignorante e miserável nos currais-políticos, a porteira se abriu e as
idéias puderam pulular.
A exemplo
da idéia do “vale-educação”, em que o cidadão recebe um direito de gastar para
se educar como bem lhe aprouver, o “Projeto Vale-Consumo” tem o poder de fazer
a economia ‘pegar-no-tranco’, usando a poupança externa para melhorar
imediatamente a qualidade de vida da população mais carente, transferir
tecnologia e criar empregos no Brasil, sem perturbar a política macroeconômica.
Se aplicado
a setores de cadeia produtiva longa, como eletrodomésticos e carros elétricos,
uma iniciativa inovadora como o “Projeto Vale-Consumo” pode ajudar a recuperar
o tempo perdido com nosso imbróglio político e representar um atalho para a
reindustrialização do País.
O “Projeto
Vale-Consumo” é um exemplo do que chamamos de Comércio Exterior Patriótico
apresentado no artigo anterior dessa série “Por um Novo Itamaraty” e pressupõe
o esforço bem articulado de um colegiado interministerial sob a liderança da
instituição. Um trabalho de “clearance” junto à Organização Mundial do Comércio
na Suíça deverá pavimentar o caminho para se replicar o primeiro projeto-piloto
em outros ramos da indústria.
Mas as
coisas ambiciosas despertam paixões... A favor e contra. Só podem sair do papel
com a cooperação de todos. Resistir às
novidades ou sabotar o que é dos outros é atirar no próprio pé. Será que ainda
prevalece aquela nossa distância cultural com os Estados Unidos onde quem tem
idéia tem visão, enquanto aqui quem tem idéia é só mais um sonhador?
Ou vamos
enfim botar combustível na nossa auto-estima e na nossa máquina econômica pr’a
sair do atoleiro já?
Ser
consumidor já ou não “ser”. Eis a questão.
Fabio Chazyn é Empresário.
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