Artigo no Alerta
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Por Gaudêncio Torquato
Quando o olhar de esperanças começava a enxergar os umbrais do futuro,
eis que a paisagem devastada por lama e rejeitos de ferro, em um território
adornado por morros e montanhas, desvia a vista para uma horrenda fotografia do
passado. Carlos Drummond de Andrade, em 1984, já descrevia a cena: “O Rio? É
doce. A Vale? Amarga. Ai, antes fosse/Mais leve a carga. Entre estatais/E
multinacionais/Quantos ais!”
O futuro ensaiava ser um misto de harmonia ambiental, desenvolvimento
social, alegria de viver em segurança, com o homem tirando a riqueza da terra
para formar seu pibizinho de felicidade. Era isso que se via pelas frestas do
amanhã: um país retornando ao porto seguro, depois de anos de borrascas que
sugavam as energias de seu povo, serviços públicos essenciais – saúde,
educação, segurança, mobilidade – resgatando sua eficiência, um dinheirinho
mais gordo no bolso.
Já o passado contém curvas, artimanhas, adereços e aquele jeitinho que
nossa gente herdou desde remotos tempos: a mamata nas tetas do Estado, o
nepotismo, a apropriação dos bens públicos por grupos encastelados nos vãos e desvãos
da República, o amaciamento de leis, a devastação da natureza, as tragédias
anunciadas com a visão de mortos enfileirados, o conluio político, a dinheirama
jogada no balcão de recompensas, os Poderes constitucionais sob permanente
tensão, entre outras mazelas.
Até chegamos a confiar no lema do comandante dessa que se apresentava
como empresa-orgulho do Brasil, a Vale: “Mariana nunca mais”. Há 3
anos, o rompimento da barragem de Fundão, a 35 kms do centro de Mariana,
conferiu ao Brasil a marca: o maior impacto ambiental da história brasileira e
o maior do mundo. A barragem pertence à Samarco, empreendimento de propriedade
da brasileira Vale e da anglo-australiana BHP Billiton. O desastre de Mariana
se repetiu.
E o que se enxerga a essa altura? Desculpas esfarrapadas. Explicações
que davam a barragem do córrego Feijão como segura. Bloqueios de bilhões da
empresa. Como se sabe, não vingarão. O caminho longo do Judiciário fará
retornar os recursos. Endurecimento da legislação sobre concessão ambiental? O
então candidato Jair Bolsonaro e o então candidato Romeu Zema, governador de
MG, prometeram em campanha o contrário: amaciar, flexibilizar, sob o argumento
de desburocratizar. Portanto, o novo governo está numa encruzilhada.
Sob a égide privatista, dentro do imenso guarda-chuva do liberalismo que
guiará a equipe econômica, o meio ambiente não deverá ser tão protegido. O
agronegócio esticará seus braços sobre as paisagens verdejantes. Pode até se
reaver o projeto arquivado no Senado com vistas ao endurecimento das leis
ambientais. Receberá endosso das bancadas duras? Difícil.
Não há, então, fresta na janela do amanhã que possa fazer brotar as
esperanças? Só se for a janela do ministro Sérgio Moro, da Justiça, de onde
descortinaríamos melhor visão. Mas ele terá que aguentar o tranco e sustentar a
força investigativa do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF),
este mesmo que está de olho nas contas do senador eleito Flávio Bolsonaro. Moro
parece estar entre a cruz e a caldeirinha. Se o órgão for em frente, fará
crescer a montanha de suspeitas sobre o filho do presidente e outros
protagonistas, ameaçados de flagra fazendo o jogo da “rachadinha” (uma parte
pra lá, outra prá cá).
O fato é que o futuro continua preso no cordão do passado. Por mais que
se procure cortar os laços, nossa cultura política se banhará por muito tempo
nas águas lamacentas de fontes contaminadas, com chances ainda de ficar
soterrada na lama e em rejeitos que fluem por todo o território. A assepsia
será um exercício de longuíssimo prazo.
Até lá, com paciência e persistência e, sobretudo, com fé, poderemos
empurrar o balão da política na direção de novos ventos.
Gaudêncio Torquato,
jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de
comunicação Twitter@gaudtorquato
2 comentários:
Telhado de vidro, hein torquato. Pelo visto vc está sendo inquisidor, juiz e executor do Flávio Bolsonaro. Vc é ninguém, zero à esquerda. Não tem moral nem estofo para criticar o Flávio. Vê se se enxerga.
Flávio Bolsonaro depende do depoimento de Queiroz para poder se defender, enquanto a esquerda aproveita para alardear que essa demora é prova de sua culpa.
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