Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por
Gaudêncio Torquato
A constatação se escancara a todo o momento: o
Brasil padece da síndrome do touro. Em vez de pensar com a cabeça e arremeter
com o coração, faz exatamente o contrário. Querem ver? O presidente Bolsonaro
ouve os impropérios contra militares em mais um vídeo de Olavo de Carvalho,
insere-o em sua rede social, retira-o depois de 20 horas de exposição. Solta
uma nota repudiando o libelo acusatório, mas exaltando a figura do guru dos
Bolsonaros. O filho Carlos, pondo mais pólvora na fogueira, acaba
compartilhando o vídeo com seus seguidores. Síndrome do touro.
O governo, trôpego e à procura de um rumo,
embala uma proposta para reformar a Previdência, encaminhando-a sem discussão
prévia à Câmara dos Deputados. Por fragilidade de sua articulação política, o
pacote ganha intensa discussão em uma comissão que deveria analisar apenas a
questão da admissibilidade, não o mérito: é constitucional ou não? Os deputados
de oposição procuram obstruir a sessão de aprovação na CCJ. A tensão entre
Executivo e Legislativo se mostra por inteiro, sob a dúvida: quem efetivamente
vai comandar os próximos passos na Comissão Especial e no Plenário? Síndrome do
Touro.
O STF, criado em 1890 com a responsabilidade
de ser a instância máxima de um dos três Poderes recém-instituídos pela
República, entra em parafuso com a decisão tempestuosa de seu presidente,
ministro Dias Toffoli, de censurar a revista Crusoé e um site por veicularem
uma reportagem intitulada “o amigo do amigo de meu pai”. Nossa mais alta Corte
padece uma das maiores crises de credibilidade de sua história. Alguns de seus
ministros são alvo constante de intenso bombardeio midiático. Síndrome do
Touro.
As relações entre os três Poderes da República
atravessam um momento crítico. De um lado, o Legislativo, com o intuito de
criar um escudo em defesa de prerrogativas, sentindo-se acuado pela Corte, põe
em sua agenda a tentativa de criar uma CPI da Toga, instrumento com o qual
tenta pressionar os membros do Supremo. Em outra frente, um alto ministro acusa
o Ministério Público de “hiperativismo”, com “procuradores usando métodos
questionáveis em sua estratégia de persuasão para transformar investigados em
delatores”. Sobram termos como “gentalha, cretinos, incivilizados”.
Procuradores mais destemidos partem para cima de magistrados. Um deles sofre
processo administrativo disciplinar aberto pelo Conselho Nacional do MP.
Síndrome do Touro.
Difamação, injúria e calúnias, sob gigantesca
coleção de adjetivos espetaculosos e acusações recíprocas, inflamam grupamentos
que tomam posição na arena de lutas em que se transformaram as redes sociais.
Os partidários do bolsonarismo digladiam com os fanáticos do lulismo, sobrando
flechadas para quem se dispõe a inserir na lateral um comentário ou mesmo um
esclarecimento. O clima de campanha não amainou. Cicatrizes do embate eleitoral
permanecem abertas. A fogueira recebe cargas de lenha a todo instante,
agigantando o apartheid social que cria um fosso entre núcleos sociais.
Síndrome do Touro.
A esfera artística, cujos integrantes em sua
larga maioria perfilam-se à esquerda, ressente-se da política do novo governo
de rebaixar para R$ 1 milhão o teto de patrocínios culturais. A Lei Rouanet
estava na mira do novo governante desde a campanha, sendo previsível mudança
substantiva de seu escopo. A decisão amplia o fosso que separa artistas de
todos os naipes da administração bolsonariana, fechando circuitos de
interlocução e articulação. Por falta de diálogo, a classe artística deverá
tocar alto suas trombetas, com forte poder de irradiação. Síndrome do Touro.
Os parlamentares ainda não se deram conta da
imprescindibilidade das reformas – previdenciária, tributária, pacto federativo
– para fazer avançar o país. Sem elas, não haverá amanhã radioso. Um país de
grandes riquezas ameaça se transformar em um território de carências que se
multiplicarão a cada dia. O Congresso mais parece uma Torre de Babel. Onde
muito se fala e pouco se ouve. E o que se ouve nem sempre é a mensagem mais
adequada.
Que se proclame para cima e para os lados: o
momento sugere que se pense com a cabeça e arremeta com o coração. E não como
faz o touro.
Gaudêncio Torquato, jornalista, é
professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato
Um comentário:
Mas... Hadad acabou de levar uma surra monumental nas urnas e já quer outra?
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