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Por Cássio Faeddo
A MP 881, conhecida como MP da Liberdade
Econômica, teve seu texto amplamente modificado na Câmara dos Deputados. Uma
das inclusões no texto permite que os trabalhadores deixem de anotar o ponto. A
previsão consta no relatório do deputado Jerônimo Goergen (PP-RS) que foi
aprovado em comissão especial do Congresso.
Desta forma, empregados e empregadores poderão
estabelecer acordo individual para não mais anotarem os registros de
entrada, saída e intervalo. Somente serão anotadas horas extras, folgas,
faltas e férias.
Se implementada, a inclusão desta medida será
verdadeiro presente de grego para empregados e empregadores.
Explica-se:
O atual texto do artigo 74, § 2º,
da CLT, dispõe da seguinte forma:
Para os estabelecimentos de mais de dez
trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em
registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas
pelo Ministério do Trabalho, devendo haver pré-assinalação do período de
repouso.
É importante esclarecer que somente
estabelecimentos com mais de dez trabalhadores devem manter anotação de ponto.
Quanto ao intervalo, apenas exige-se a anotação de pré-assinalação de horário
previsto para o intervalo, pois a lei não obriga anotar diariamente os
intervalos efetuados pelo empregado.
De pronto há consequência jurídica
indesejável. O espelho de ponto é uma prova pré-constituída, ou seja um
documento existente fora e antes de um eventual processo judicial. É uma prova
que antecede a hipótese de existência futura de um processo judicial.
Este é o Cavalo de Tróia que o texto da MP 881
contém. Em termos das lides judiciais, se o empregado questionar a existência
de horas extras que não foram anotadas em controle de ponto a prova será
exclusivamente testemunhal, apesar de o texto da MP 881 exigir a
obrigatoriedade. Ocorre que a MP incentiva o desprezo a anotação de jornada de
trabalho. É porta aberta para fraudes.
Na prática diária trabalhista há jornadas de
trabalho antecipadas ou prorrogadas pelo empregado que hoje são anotadas em
espelhos de ponto, mas não são quitadas pelo empregador. São horas extras
conhecidas como “não autorizadas”, mas que são efetuadas pelo empregado que não
pode deixar de concluir o trabalho.
Na falta de um documento no qual as horas de
entrada e saída possam ser anotadas, restarão apenas depoimentos imprecisos de
testemunhas que podem causar prejuízos a uma das partes, especialmente nesses
casos nos quais as horas extras ocorreram, mas não são reconhecidas a
priori pelo empregador.
Observe-se que a redação do Código de Processo
Civil, em seu artigo 373, determina que o ônus de prova incumbe ao autor,
quanto ao fato constitutivo de seu direito; e ao réu, quanto à existência de
fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Da mesma forma
o art. 818 da CLT, ainda que este último seja mais econômico em seu texto.
Mas não é só. A ausência de controles
poderá afetar também a aplicação de justa causa como nos casos faltas e atrasos
reiterados cometidos pelo empregado, pois a única prova do empregador será a
testemunhal. Esclareça-se que o ônus de provar a ocorrência de justa causa é de
quem alega, neste caso, ônus do empregador.
Essas são apenas algumas das prováveis
consequências jurídicas que podem complicar a vida tanto de empregado quanto de
empregador pelo abandono de um simples documento de anotação de jornada sob a
roupagem da liberdade das partes.
Cássio Faeddo é Advogado.
Mestre em Direitos Fundamentais, MBA em Relações Internacionais - FGV SP.
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