Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Paulo
Rabello de Castro
Jofre me abordou, desesperado, com um problema que também afeta João,
Adriano, Mauro, Letícia, Mariza e, seguramente, mais de um milhão de micro,
pequenas e médias empresas (MPMEs). É o sufoco do crédito bancário. São empresários
e empresárias com negócio bem estabelecido e que prezam por sua reputação de
bons pagadores. Mas, todos, com uma doença em comum: sofrem de embolia
creditícia. Não conseguem mais ventilação suficiente para oxigenar seus
negócios. O capital de giro secou por completo. Rolam o mês atrasando contas de
fornecedores e deixando de pagar em dia os impostos devidos. A grande maioria
já cruzou o Rubicão da solvência financeira ao buscar, como recurso extremo, a
desgraça do cheque especial. Estão com mortes anunciadas para seus
negócios.
Jofre tem 19 empregados. São dezenove carteiras assinadas e serão
dezenove desempregados a mais, caso o negócio de Jofre afunde. Antes que o pior
aconteça, Jofre tentará renegociar seus créditos que, por sorte, estão num
único banco, embora provenientes de linhas repassadas de diversos programas
oficiais que embalaram a esperança de uma economia a pleno vapor no período
dilmista. Os bancos têm ótimas assessorias de previsão econômica: anteviram a
crise e retraíram seus créditos. Desde então, a retração corresponde a uma
queda percentual do PIB de cerca de 5 pontos, ou seja, o crédito às empresas de
qualquer tamanho ou negócio recuou de cerca de 25% do PIB para apenas 20%. Em
reais, foi um recuo gigantesco, de cerca de R$350 bilhões, em cinco anos.
Nesse meio tempo, o juro básico, aquele que o próprio governo paga para
rolar suas dívidas, despencou para um nível nunca antes experimentado. Era para
ter beneficiado Jofre e as MPMEs lá na ponta final da irrigação creditícia. Só
que não aconteceu. O novo governo, do alto de sua crença liberal, achava que os
bancos privados iriam suprir o corte da principal linha de crédito de giro do
BNDES, o conhecido BNDES Giro. Ao eliminar essa linha por completo, o novo
governo detonou as chances de uma rápida retomada da economia. Confiou numa
substituição automática de créditos públicos por privados, sem perceber que o
BNDES Giro já fazia exatamente isso: suprir o mercado por meio do sistema
bancário comercial. O recuo do crédito é alarmante: em 12 meses até agosto,
1,2% do PIB, ou R$84 bilhões, desapareceram da disponibilidade das empresas,
sendo que o setor público colaborou com um corte monstruoso de 1,6% do PIB para
tal recuo, enquanto os bancos privados o ampliavam em apenas 0,4%. A parcela
preponderante desse corte geral de créditos aconteceu em cima dos pequenos
negócios, por óbvio. Não há Jofre nem João que resista a um ritmo bizarro de
eliminação de créditos da ordem de 7 bilhões de reais por mês!
Certas situações econômicas simplesmente não se resolvem com contemplação
e espera. A equipe de governo precisa agir, e rápido, antes que a embolia de
crédito vire uma multiplicação de óbitos empresariais e de empregos. Os bancos
públicos precisam continuar fazendo seu papel. O setor bancário privado também
precisa ser reformado para poder melhor cumprir a missão de expansão do crédito
esperada pelos liberais do governo. Até que a reforma financeira reduza
recolhimentos compulsórios dos bancos e aumente a competição em mercado pelas
instituições financeiras - o que leva algum tempo - o crédito às empresas
precisa ser destravado de algum modo.
A situação é tão grave que lembra a proposta do candidato Ciro Gomes (a
proposta “Nome Limpo”) , na última campanha presidencial, na época desdenhada
pela maioria, entre risos de desconfiança. As linhas de capital de giro
precisam ser renegociadas num sistema mais amplo, como já feito algumas vezes
no passado, mediante recompra de créditos aos bancos que não se disponham a
participar do resgate da pequena empresa endividada, mas viável. Embolia
pulmonar não espera por médicos hesitantes. E embolia creditícia também pode
matar boas reputações de gestores públicos inertes.
Paulo Rabello de
Castro foi presidente do BNDES entre jun. 2017 e mar. 2018. No seu período, o
BNDES Giro foi estimulado e ampliado.
2 comentários:
[ REFORMA DA PREVIDÊNCIA / ESTA NA HORA DE FALAR A VERDADE ] .
Economistas do Cecon apresentam simulação inédita do aumento da pobreza provocado pela Nova Previdência
Uma colega minha da Prefeitura tem uma pequena empresa de construção. Sem poder tomar empréstimos de bancos por causa dos juros escorchantes, ela recorreu a mim. Já lhe emprestei 20 mil.
Ela queria pagar 2% ao mês de juros. Eu disse que não, que isso era muito, que ela poderia pagar 1% por mês de juros.
Salvei a empresa dela da "embolia crediticia".
Creio que agi como um agiota ou banqueiro patriótico. Haverá outro no Brasil?
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