Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Fábio
Chazyn
O
Presidente da República, em meio a uma persistente crise econômica e sem base
parlamentar para dar sequência às reformas, foi encurralado pelo Congresso
Nacional que usurpou as funções do Poder Executivo. Sua permanência no cargo,
só com apoio popular.
Entretanto,
o sonhado apoio popular foi o tiro-que-saiu-pela-culatra e Guedes e Mourão dão
o golpe-de-misericórdia na Constituição Federal.
Guedes e
Mourão não são personagens vindos da ficção. Carlos Luís Guedes e Olímpio
Mourão Filho são os dois generais “salvadores-da-pátria” que desencadearam o
movimento de 1964, que depôs o Jango, depois que a “Marcha da Família com Deus
pela Liberdade” conseguiu reunir mais de 500 mil pessoas, 50 anos antes das
nossas grandes mobilizações populares iniciadas em 2013 com o “MPL- Movimento
Passe Livre”.
A história
se repete a cada 50 anos?
Há duas
correntes de pensamento. Comparando o golpe contra a democracia perpetrado por
Napoleão Bonaparte com o do seu sobrinho Luís Napoleão 50 anos depois, o velho
Marx saiu com a máxima, mais do que usada-e-abusada-fora-do-contexto pelos
intelectuais de esquerda, de que “a história quando se repete, a primeira vez é
como tragédia, a segunda como farsa”.
Outro
entendimento é que a repetição da história é um processo cíclico da luta do
cidadão por seus direitos.
Vamos
preferir ficar com a evidência da explicação cíclica que se aplica a todos os
eventos e sempre envolve ameaças à democracia. No período pré-64, vivíamos a
ameaça à democracia pelas mãos da “República Sindicalista” encarnada no Jango.
Hoje vivemos a ameaça à democracia pelas mãos do presidencialismo-de-coalizão
inviabilizando a sobrevivência da nossa Constituição Federal vigente.
De fato, se
a existência do atual Estado Democrático de Direito está ameaçada, é porque a
nossa Constituição Federal não está sendo capaz de protegê-lo.
A história
vai continuar cúmplice da luta pelos direitos do cidadão, porque a história é a
história da luta pela democracia. A cada ameaça a ela, não há tapa-buraco que
resolva. A única alternativa é, sempre, instaurar uma reforma política ampla. É
o que exige o nosso atual momento histórico.
Num
contexto de justiça pautada no pleno direito do contraditório quando este é
baseado numa parafernália de recursos praticamente ilimitado, judicializar disputas vira a trincheira de quem pode pagar
processo judicial para no final se safar do malfeito impunemente. É a
legalização da venda da honra para oprimir o cidadão de bem. O Estado de
Direito deixa de ser do Direito do povo e coloca em xeque a prevalência da
Democracia.
Essa excrescência
acontece no STF, como acontece na Justiça comum em que um escudo de mais de 100
milhões de processos pendentes coíbem o direito do cidadão comum na defesa da
sua própria segurança. A este afronte à democracia, a única saída é o redesenho
das instituições via uma Nova Constituição Federal.
Mas, não se
pode esperar que o nosso Novo Estado Democrático de Direito surja de uma classe
política que desfruta do Poder antidemocraticamente. Os parlamentares, sob o
regime do presidencialismo-de-coalizão, desfrutam de bônus sem ônus; têm
direitos sem a contrapartida nas responsabilidades. Estas são exclusivas do
presidente que fica refém de partidos-políticos-balcão-de-negócios-espúrios
para poder governar.
Salvo
exceções, que não dão quórum, nossos pseudo-representantes em Brasília estão
preocupados em conseguir se livrar da punição pelos seus crimes, via
engavetamento em foro-privilegiado, prescrição penal ou postergação de prisão.
Na “Era Lava-Jato”, as pautas de interesse do cidadão ficaram para depois que
conseguirem salvar a própria pele.
Reformas
pontuais, como esta infindável reforma da previdência, são só tapa-buracos,
remendos em material velho. Não duram. Precisamos de um amplo projeto de
renovação da Nação brasileira. Sem ele vamos continuar de crise-em-crise: crise
econômica, crise politica, crise social, crise financeira, crise diplomática,
crise institucional, etc, etc, etc. É como andar em ruas mal mantidas, de
buraco-em-buraco.
O Brasil
precisa redesenhar as suas instituições para adequá-las ao futuro que já
começou. Precisa construir um Novo Estado de Direito genuinamente defensor do
cidadão; genuinamente Democrático.
Não há mais
tempo a perder. Precisamos atacar as nossas pautas mais autênticas:
Como alçar
o presidente a um nível de governabilidade viável sob uma estrutura de poder
que seja democrática, ou seja, com menos Brasília e mais Brasil? Como garantir
ao cidadão um sistema jurídico baseado na segurança do seu direito, com mais
previsibilidade e menos impunidade? Como evitar que o imposto gerado numa
comunidade pobre seja usado para melhorar uma comunidade rica? Como garantir
que o representante parlamentar esteja mais preocupado com as crianças do
bairro que o elege e com a segurança de seus vizinhos do que com privilégios
dos burocratas em Brasília? Como fazer um comportamento ético ser mais do nosso
interesse do que é a “Lei de Gerson”?
Não podemos
esperar que a mídia de natureza mercenária vá tratar desses temas. Pelo
contrário. Ela vai continuar abusando da boa-fé do cidadão manipulando a sua
consciência com os velhos truques de novelas das oito.
Vamos
continuar passivos assistindo a mídia promover a desconstrução da nossa cultura
e nos embrulhar em Jornal das oito e tanto? Vamos esperar passivamente que o
Guedes e o Mourão da vez venham nos tirar das garras dos bandidos? E se os
“salvadores-da-pátria” não se apresentarem dessa vez?
Vamos
correr o risco de perder o trem-da-história ou seria do nosso interesse
arregaçar as mangas para lutar pelo futuro que já começou? Estamos na
encruzilhada: ou uma Nova Constituição Federal já ou esperar pelo próximo trem
da democracia daqui a outros 50 anos...
Fabio Chazyn, empresário, engenheiro,
cientista político, mestre em história econômica pela London School of
Economics e escultor.
Autor do livro: “Consumo Já!” – Por
um Novo Itamaraty (2019) - fchazyn@chazyn.com
Um comentário:
Importante garantir que o representante parlamentar esteja mais preocupado com as crianças do bairro do que com os poderosos de Brasília, porque esse representante sempre alegará a seus eleitores distritais que precisa "fazer política" com o legislativo central para garantir as melhorias que prometeu.
Postar um comentário