Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Gaudêncio
Torquato
O
dado é surpreendente. Cerca de 80 grupos criminosos têm algum controle sobre os
presídios. Exercem o extraordinário poder de mandar matar, extorquir,
comercializar drogas, enfim, expandir a violência por todo o território. A
situação preocupa ante a moldura que se desenha, no caso, o fim das prisões
após condenação em 2ª instância. Ah, mas a prisão provisória vai continuar,
alguns argumentam. Mas a previsão é de que os cárceres ficarão ainda mais
superlotados.
Hoje,
já somam 337 mil os presos “provisórios”, 41,5% de todos os encarcerados. A
perspectiva é a de que, acabada a prisão após condenação em 2ª instância, o
país aprofunde o ciclo da prisão provisória. O que seria mais um
estrangulamento no nosso sistema prisional. Pior, um retrocesso com o endosso
de nossa mais alta Corte.
Generaliza-se
a sensação de que o País continuará a navegar nas ondas da impunidade. Donos de
lavanderias de dinheiro, exércitos do crime, bandidos de todos os espectros,
flagrados com a mão na massa, continuarão leves e soltos, a confirmar a tese de
que o Brasil é, por excelência, o território da desobediência explícita. Nada
mais surpreende. O esculacho chega a tal ponto que os chefes dos grupos
criminosos, mesmo jogados em prisões longínquas dos grandes centros,
transformam o cárcere em escritórios. O Estado formal não consegue enfrentar o
mando do Estado informal.
Os
criminosos, aliás, têm na ponta da língua a indagação: qual a diferença entre
nós e os bandidos de colarinho branco?
Ondas
de terror se expandem, sob a expressão enganadora de governantes que dizem
controlar grupos organizados do crime. Balela. O poder invisível, que parece
festejar a barbárie que consome o País, não tem escrúpulos nem receio de
mostrar a cara.
Elevam-se
ao nível do poder do Estado. Só falta mesmo os grupos criminosos mobilizarem
seus “exércitos nas ruas e nos cárceres” em movimentos cívicos pela punição aos
“criminosos da política”.
E
não será surpresa se parcela significativa da população aplaudir a bandidagem
do andar de baixo contra a turma que faz zoeira no andar de cima. Afinal de
contas, a passarela da criminalidade e o desfile de impunidade assumem
dimensões grandiosas e formas escandalosas. O ex-juiz Sérgio Moro até imaginou
que, na condição de ministro do governo, poderia agregar mais força e aumentar
a estrutura para combater o crime. Ledo engano. O Legislativo, por
conveniência, faz sérias restrições aos projetos do ministro.
O
fato é que, ante a possível decisão do STF no sentido de acabar com a prisão de
condenados em 2ª instância, corruptos e facínoras, com o mesmo status perante a
lei, vão se valer dos mecanismos de protelação – recursos e embargos até
eventual condenação em 3ª instância ou em última e com trânsito em julgado de
suas causas.
Não
é de estranhar que a anomia - o descumprimento da lei - tome conta do País.
Voltaremos aos idos da Colônia e do Império. Pinço um caso do passado. Tomé de
Souza, primeiro governador-geral, chegou botando banca. Os crimes proliferavam.
Avocou a si a imposição da lei, tirando o poder das capitanias. Mandou amarrar
um índio que assassinara um colono na boca de um canhão. Mas o tiro não
assombrou os tupinambás. Não havia jeito de evitar a desordem. Foi então
que apareceram as Ordenações do Reino (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas), que
vigoraram até 1830. Severas, estabeleceram a pena de morte para a maioria das
infrações, coisa que chegou a espantar Frederico, o Grande, da Prússia, que ao
ler Livro das Ordenações, indagou: “Há ainda gente viva nas terras de
Portugal?” Com o tempo, o rigor foi atenuado e o crime voltou com força.
Entre
sustos e panos quentes, o Brasil semeou a cultura do faz-de-conta na aplicação
das leis. E aí passamos a sofrer a doença espiritual da Nação: a indiferença da
população diante de crimes mais atrozes.
Esse
é o ambiente que faz florescer o poder invisível, cancro das democracias
contemporâneas. O custo da violência no Brasil passa de cerca de R$ 300
milhões por dia, em cálculos feitos pelo ex-secretário nacional de Segurança
Pública, coronel José Vicente. Fosse esse o único saldo negativo, o País
poderia comemorar. Mas o custo emocional é impagável. Morre-se um pouco a cada
dia, levando a esperança, a fé e o sonho de termos uma Grande Pátria.
Gaudêncio Torquato,
jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de
comunicação Twitter@gaudtorquato
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