Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por
Roberto Livianu
Num planeta com uma nova sociedade civil, maior, mais arrojada, mais
diversa e informada, conectada pelas redes sociais e também envenenada por fake
news que disseminam ódio, assassinam reputações, tentando tornar a verdade um
animal em extinção, há quase duas décadas, convulsões sociais vêm irrompendo
mundo afora.
Falo não só da Primavera Árabe, com luta pela queda de ditadores, mas
também da Revolução dos Pinguins, em 2006, dos coletes amarelos na França em
2018, inicialmente contestando impostos, mas logo incluindo o déficit de
representatividade política, que se espalhou por outros países europeus.
Refiro-me também a Hong Kong, à Revolução de Jasmim, na Tunísia, às
manifestações no Iraque contra corrupção e desemprego, no Líbano diante do caos
econômico, assim como ao levante chileno – 30 mortos, 2 mil feridos (incluindo
centenas de pessoas que ficaram cegas pelos tiros policiais nos olhos), além de
denúncias de estupros, num país conhecido pelo ótimo nível de desenvolvimento
humano, mas onde 40% da população se queixa de privilégios, da perda de acesso
a serviços públicos privatizados, do sucateamento de aposentadorias e da
péssima distribuição da riqueza.
Em junho de 2013 fomos às ruas pela gota d’água do aumento da tarifa de
ônibus, mas gritamos contra a corrupção, contra a PEC 37 e expusemos o
descolamento brutal entre representantes e representados. O governo sentiu-se
amedrontado e, para pôr água na fervura, ofereceu as Leis 12.846 (anticorrupção
empresarial) e 12.850 (delações premiadas).
Nesse cenário social complexo e angustiante, exatamente no Dia
Internacional de Combate à Corrupção, no STF, chamado a decidir recurso
extraordinário com repercussão geral, o ministro Luís Roberto Barroso, em
iniciativa de extrema coragem e sensibilidade democrática, realizou audiência
pública sobre o tema das candidaturas independentes, ouvindo por dez horas
seguidas quase 40 representantes de partidos políticos, da Câmara, do Senado,
da OAB, da sociedade civil, dos movimentos sociais, da academia.
Por mais que a Câmara, o Senado, a OAB e os partidos políticos (quase
todos) digam que “tem que manter isso aí” em relação ao monopólio do poder de
conceder legendas (ainda que se abuse desse poder, oferecendo-as impunemente a
fichas-sujas), afirmando a incompatibilidade teórica e operacional do nossos
sistema político-eleitoral com as candidaturas independentes, o grito da sociedade
civil foi mais vigoroso em prol da soberania do povo, amparado pela posição da
Procuradoria-Geral da República, defensora constitucional da ordem jurídica e
do regime democrático.
Por mais que o PR de Valdemar Costa Neto, o MDB de Renan Calheiros,
Edison Lobão, Jader Barbalho e Romero Jucá, o PSDB de Aécio Neves e Eduardo
Azeredo e o PT de Lula e José Dirceu insistissem fervorosamente na manutenção
do monopólio partidário, o Instituto Não Aceito Corrupção, a Frente Favela
Brasil, o Acredito, a Bancada Ativista, o Livres, o RenovaBR, o Brasil 21, o
Vem Pra Rua, a Frente pela Renovação e outros defendiam ardorosamente a
abertura democrática, a disrupção do controle de acesso à atividade política
pelos cidadãos, pois, afinal, hoje nove em cada dez países democráticos a
permitem e aqui o monopólio foi instituído no Estado Novo, depois de mais de
quatro séculos anteriores em que se permitiu a candidatura independente.
Também porque pesquisas internacionais apontam cientificamente a perda
brutal de credibilidade dos partidos políticos no mundo, mas especialmente no
Brasil. É o pior índice da América Latina e os brasileiros ao escolherem seus
representantes não levam em conta o respectivo partido (para quase 80% deles
isso pouco importa, segundo o Latino barômetro).
Talvez possamos entender o quadro todo lembrando que o Partido
Trabalhista Brasileiro indicou há dois anos para ministra do Trabalho uma deputada
condenada pela Justiça trabalhista por violar direitos de trabalhadores; ou da
lei recente que autoriza partidos a adquirirem com recursos do Fundo Partidário
(verba pública) iates ou carrões de luxo; ou aquela outra que assassina a
democracia intrapartidária, permitindo que comissões provisórias durem oito
anos.
De intermediadores populares entre povo e Estado, o cientista político
Robert Michels aponta que os partidos tendem a ter estrutura burocrática,
dominada por poucos, e oligarquização de sua direção. Por isso destaco o ganho
social que teríamos com mais competitividade pelo voto, tirando os partidos da
zona de conforto propiciada pela inexistência de democracia interna, compliance
e accountability.
A candidatura independente não se coloca contra a existência dos
partidos, servirá, contrariamente, para seu revigoramento, que exige
simultaneamente uma verdadeira e profunda reforma político-partidária. E não se
argumente que ela poderá favorecer ricos e famosos, pois estes podem
candidatar-se, e o fazem, pelo sistema atual.
Mas não é só. A pauta do fim do foro privilegiado dormita na poderosa
gaveta do presidente da Câmara há mais de ano, à espera de ser pautada no
plenário, não recebendo a mesma prioridade que teve, por exemplo a Lei de Abuso
de Autoridade, incluída em velocidade superior à do som e da luz, causando
perplexidade à OCDE, que veio ao Brasil questionar o absurdo impedimento do
exercício regular das funções do Ministério Público, da magistratura e da
polícia, lei submetida ao STF por afronta à Constituição.
Em tempos de sociedade em ebulição contra a impunidade, demandando
prioridade do Congresso Nacional à contrariedade ao aumento do fundo eleitoral
para quase R$ 4 bilhões (www.naoaofundao.org)
e à possibilidade de prisão para cumprimento de pena após condenação em segundo
grau (www.segundainstancia.com.br),
vale lembrar Neruda: “As pessoas são livres para suas escolhas e reféns de suas
consequências”.
Um comentário:
Poderia ter escolhido outro, que não o comunista Neruda, para ilustrar seu pensamento.
Tanto o foro privilegiado quanto o financiamento público de campanha deveriam ter um debate sério sobre as implicações de serem ou não adotados.
Postar um comentário