Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Régis
Machado
No início
de fevereiro, com a megaoperação de repatriação de 34 brasileiros que viviam em
Wuhan, na China, epicentro da doença coronavirus disease 2019 (Covid-19), o
Brasil testemunhou o prenúncio de um drama que passaria a assombrá-lo dali em
diante. Após ficarem quinze dias de quarentena numa base militar de Anápolis
(GO) e testarem negativo para o vírus Sars-CoV-2 em três sucessivos exames
clínicos, aqueles brasileiros puderam, finalmente, retornar aos seus Estados de
origem [1].
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Passado o
episódio, bastaram apenas mais dois dias para, em 25/2, o Ministério da Saúde
anunciar o primeiro caso de Covid-19 no Brasil: um homem que acabara de voltar
da Itália, país que enfrentava, então, um surto da doença [2]. Um mês depois,
já contando, segundo os registros oficiais, 2.201 casos confirmados e 46
mortes, números esses em ascensão diária, o Ministério reconheceu a transmissão
comunitária da Covid-19 em todo o país, orientando os gestores nacionais a
adotarem medidas para promover o distanciamento social e evitar aglomerações
[3].
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Há,
contudo, uma segunda pandemia em curso, a qual, se não atacada, tem potencial
para causar ainda mais estrago do que a do novo coronavírus. É que, nesse
contexto atribulado, em meio à comoção social causada em torno do combate à
Covid-19, o terreno é fértil para o surgimento de propostas notoriamente oportunistas.
A mais recente, por exemplo, explora o desgaste que o governo, para aprovação
da reforma da previdência, promoveu sobre a imagem dos servidores públicos para
sugerir, covardemente, o confisco de até 50% dos respectivos salários [4].
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Ainda mais esdrúxulo
e perigoso é o PL 791/2020, sendo gestado na Câmara dos Deputados, que institui
um comitê nacional para “chancelar” as contratações públicas relacionadas ao
enfrentamento da pandemia [5]. De acordo com o projeto, os processos de
contratação seriam submetidos à chancela monocrática de um Ministro do Tribunal
de Contas da União (TCU), designado pelo Presidente da Corte, e homologados
pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ouvido previamente o
Procurador-Geral da República. Numa só tacada, seriam completamente afastados
os controles do Ministério Público de Contas da União, de todas as instâncias
do Poder Judiciário abaixo do STF, dos demais Procuradores da República e dos
auditores que compõem o corpo técnico do TCU, o que é flagrantemente
inconstitucional e afronta diversos precedentes do próprio STF. Para se ter
ideia do potencial dano dessa tresloucada proposta, basta lembrar que o
montante envolvido nessas contratações será multibilionário [6].
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Não raro,
esse surto de oportunismo acaba se alastrando para a seara política, o que
agrava ainda mais o quadro. No caso tupiniquim, os governadores de São Paulo,
do Rio de Janeiro e do Distrito Federal, que já externaram pretensões
presidenciais, parecem querer antecipar, de maneira inconsequente, uma disputa
eleitoral que deveria ocorrer somente em 2022. À frente de Estados cujas
contas, em geral, já estão bastante comprometidas [7], esses governadores,
alegando necessidade de promoção do isolamento social em função da Covid-19,
decretaram a parada completa da atividade econômica, mandando fechar,
inclusive, divisas e aeroportos, medida que, além de gerar pânico na população,
implicará na quebra generalizada de empresas e no consequente agravamento do
desemprego [8]. A ideia seria, futuramente, jogar esses problemas na conta do
presidente Jair Bolsonaro, buscando, assim, inviabilizar a sua reeleição.
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Como se
viu, em tempos de pandemia, é sempre recomendável redobrar a atenção com
relação ao surgimento desse outro vírus, o do oportunismo, igualmente
contagioso. No apagar das luzes, membros imunodeficientes do Legislativo e do
Executivo podem manifestar o principal sintoma dessa doença: uma vontade
incontrolável de tentar emplacar propostas descabidas, absolutamente
incogitáveis sob o manto da normalidade. E, se não se cuidar, o Judiciário,
aglomerado ali na Praça dos Três Poderes, também corre o risco de se contaminar
[9]. Saúde!
Régis Machado é Auditor do
Tribunal de Contas da União (as opiniões do autor não constituem posicionamento
institucional do TCU)
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[1]
https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/02/brasileiros-deixam-quarentena-apos-fim-da-suspeita-de-coronavirus.shtml
.
[2]
https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/02/brasil-confirma-primeiro-caso-do-novo-coronavirus.shtml
.
[3]
https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46593-coronavirus-46-mortes-e-2-201-casos-confirmados
.
[4]
https://agora.folha.uol.com.br/grana/2020/03/deputado-do-psdb-apresenta-projeto-para-reduzir-salario-de-servidor-publico-em-ate-50.shtml
.
[5] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2241635
.
[6]
https://www.agoranoticiasbrasil.com.br/jair-bolsonaro-se-reune-com-mais-governadores-e-cita-r-600-bi-em-recursos-contra-covid-19
.
[7]
https://istoe.com.br/a-heranca-petista-e-os-estados-quebrados
.
[8]
https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/bolsonaro-critica-doria-witzel-e-ibaneis-por-clima-de-terror
.
[9]
https://www.poder360.com.br/coronavirus/alexandre-de-moraes-suspende-divida-de-sp
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