Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Maria
Lucia Victor Barbosa
Nessa Páscoa, lembranças fugidias me
perpassam na mente como brisas trazidas do passado. Ressurgem em cores
esmaecidas a grande mesa posta para o almoço familiar, a tolha branca
impecavelmente engomada, o círio pascal ao centro, os pequenos ovos de
chocolate disposto em delicados arranjos perto de cada prato. Tudo aquilo
formava um espetáculo ao mesmo tempo alegre e grandioso para adultos e
crianças, que comemoravam o simbolismo da vitória da vida sobre a morte contido
na ressurreição de Cristo.
Não é possível relembrar exatamente o
que diziam os convidados, mas o burburinho festivo, o ressoar dos risos, as
lembranças que se perdem em tons pastéis como num quadro antigo, sem dúvida
foram responsáveis pela construção de um dos redutos mais importantes de minha
infância.
Agora surgem na memória, como eco das
tradições mineiras em que fui confeccionada a época do colégio Sion de Campanha
passada no internato. Naquele interlúdio de minha vida tudo estava em seus
lugares disciplinadamente. O futuro era sonhado no recreio enquanto se falava
sobre o que cada uma de nós queria ser mais tarde: médica, advogada, bailarina,
mãe de família com uma penca de filhos. Ninguém abria mão de se casar com um
príncipe encantado e havia a crença generalizada de que podíamos controlar
nosso destino.
Na Páscoa, quando a maioria das alunas
passava o feriado em casa, eu que era de Belo Horizonte ficava quase só entre
as imensidões daqueles corredores e salas vazias. Nem por isso era menos feliz
do que as colegas que haviam partido. Ficava com minha grande caixa de ovos de
chocolate que sempre chegava pontualmente, com as leituras piedosas que as
freiras me indicavam e, especialmente, com minhas reflexões. Foi naqueles
confins mineiros que uma semente de compreensão acabou por germinar num
pensamento que me acompanhou pela vida afora: sou uma passageira da eternidade
em busca de Luz.
Essas enevoadas recordações que
emergem de meu remoto ontem misturam-se também às cores dos doces típicos da
quaresma: doce de abóbora, doce de batata roxa, doce de cidra. Ecoam ao longe
cânticos de procissões e retorna o espanto infantil diante da imagem de Jesus
crucificado. Ao mesmo tempo, como era deliciosa a alegria da descoberta dos
ovos de páscoa espalhados pelo jardim.
Comparando aqueles tempos com os de
hoje posso concluir que sob os pores-do-sol de minha Belo Horizonte os
contornos do viver eram mais bem definidos em tradições que hoje se perdem em
feriados eminentemente comerciais. Mesmo assim, Pesach ou passagem (para os
judeus) ressurreição ou Páscoa (para os cristãos), são comemorações que sempre
deixarão subjacentes no coração do humano o desejo de superação do finito, a
vontade de renascer de algum modo, a esperança de renovação. Feliz Páscoa para
todos.
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