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Por Gaudêncio Torquato
O título acima não é meu. É do
clássico livro de John Steinbeck, publicado em 1961, um ano antes de ele
receber o Prêmio Nobel de Literatura. Que, por sua vez, puxou a expressão da
primeira fase da peça Ricardo III, de Shakespeare. Em sua obra, o magistral
escritor norte-americano descreve e interpreta o mundo de um homem atormentado
pelos dilemas impostos pelo dinheiro e pela moral, o protagonista Ethan Hawley,
empregado de uma mercearia, casado, dois filhos, convivendo em uma comunidade
de baleeiros, e atormentado pela ideia de melhorar sua vida e a da família. Até
onde vão os escrúpulos e a vida digna e honesta quando se trata de conseguir
dinheiro? Um ser humano pode suportar a pressão de seu meio social sem romper
com a ética da decência?
A lógica da pecúnia é pontuada
em tom de desencanto, a traduzir o dilema entre seguir a trilha da ordem moral
ou buscar o conforto material para si e os seus. O tema cai bem nesse momento
em que o planeta mergulha em uma catástrofe que já é considerada a maior dos
últimos cem anos. Vive-se um momento em que os valores que permeiam modos e
costumes da vida contemporânea são todos submetidos ao confessionário de nossas
consciências.
Afinal, têm sentido a competição
desvairada entre as grandes Nações, cada qual lutando vorazmente para liderar o
ranking dos bens materiais, quando nenhuma delas, com seus arsenais de guerra,
consegue vencer um bichinho microscópico, de nome Covid-19? Que adianta
angariar grandeza se o poder estratosférico por ela propiciado não consegue
sustar a corrente de milhões de pessoas infectadas e dar um paradeiro aos
milhares de mortos que enchem os cemitérios? E o que dizer da política e de
seus conjuntos que disputam assentos nos espaços dos Poderes?
Questões como essas batem em
nossa mente nesse tormentoso outono, a prenunciar um inverno tomado pela
desesperança e provavelmente pleno de interrogações. A tão aguardada vacina
está chegando ou demorará um ano, dois e até cinco como se lê na mídia? O
arsenal científico das Nações não consegue ter resposta convincente? Quanta
fragilidade em um mundo dominado por aparatos de poder.
Ante uma paisagem deserta de
respostas positivas, fenecem as esperanças. A angústia enche os corações de
amargura quando nos deparamos com estatísticas de mortos, valas abertas nos
cemitérios, pessoas portando máscaras nas ruas, flagrantes de um jeito
esquisito de viver, coisa sui-generis para as três gerações. Mais uma imagem
desenhada em nossas cabeças: a de um portentoso transatlântico que perdeu o
comando no meio da borrasca, tentando se equilibrar nas ondas do mar revolto.
Por nossas águas, a sensação é
da falta de rumos. Nossa bússola perdeu o norte. Na área sanitária, o desastre
ocorre todos os dias, com falta de equipamentos para atender as filas
gigantescas de contaminados; as UTIs estão esgotadas; os heróis do cotidiano –
médicos e profissionais de enfermagem – confessam não dar conta da multiplicada
demanda.
Na frente da economia, o
pandemônio se instala, enquanto o paradoxo emerge com força. Desde o final dos
anos 80, com a débâcle do comunismo liderado pela URSS, alinhou-se a régua
econômica do planeta pelo traçado do liberalismo, com as lições de Friedrich
Hayek (economista e filósofo austríaco, depois naturalizado britânico) e de
Milton Friedman. Eles pregam o Estado mínimo, permitindo maior mobilidade
econômica, sem centralização excessiva de decisões. Estado que zelaria pelo bom
funcionamento do mercado, na esteira de leis de proteção à iniciativa privada.
O monetarismo se desenvolve com força a partir da Universidade de Chicago, onde
nosso atual guru da economia, Paulo Guedes, fez seus estudos.
E quando pensávamos ter um
governo pautado nessa régua, com a promessa de privatizar cerca de 600 braços
do Estado (criou-se até uma Secretaria de Desestatização), eis que estamos na
iminência de alçar ao altar da economia John Maynard Keynes, o economista
britânico (1883-1946), que pontuou sobre a necessidade de forte intervenção
econômica do Estado com o objetivo de garantir pleno emprego e controle da
inflação. Nessa direção, tateia um designado plano Pró-Brasil. Qual será o
porte do Estado brasileiro, sob mando de um ex-capitão do Exército e cercado de
generais?
Afinal, onde estamos, para onde
vamos? À nossa frente, o risco de queda de 5% do PIB para este ano, com aumento
desenfreado do desemprego. E há quem diga que essa pandemia tão cedo não
desaparecerá.
Daí nossa desesperança. Tememos
que o vento frio do inverno apague a chama bruxuleante de nossa lamparina.
Gaudêncio Torquato, jornalista, é
professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato
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