Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Percival Puggina
Uma senhora conversa com o médico e lhe
pergunta: “Doutor, quando o senhor acha que a covid-19 vai acabar?” E o médico,
estetoscópio no pescoço, responde: “Não sei, eu não entendo muito de política.”
O inteligente cartum que me chegou por e-mail.
Ao constatar uma realidade do nosso cotidiano, onde a política está em tudo,
como costuma ocorrer em países nos quais o Estado é forte e a sociedade,
frágil, a imagem afirma ironicamente uma grande verdade. A covid-19 domina o
noticiário e onde andam as notícias aí também se infiltram os interesses da
política. Prefeitos e governadores têm sido agraciados pelos meios de
comunicação com espaços que nunca tiveram antes. Nos respectivos partidores, se
agitam candidaturas.
Há um confronto de imprudências. De um lado,
Bolsonaro, com o intuito de manter viva a chama do entusiasmo nacional que o
levou à presidência, desdenha o vírus como se fosse um opositor desprezível,
embora seu governo tenha dado, e bem, todos os onerosos passos para atender
demandas no espaço de ação da União. De outro, governadores e prefeitos jogam
uma partida errada, em que os danos à sociedade aumentam com a submissão de
suas atividades a uma sanfona de abre-e-fecha. No Rio Grande do Sul, para
“achatar” uma curva que sequer se formava, ficamos fechados quando os hospitais
estavam vazios... Agora o vírus chegou, o mapa do governador se pintou de
vermelho, a mesma cor para onde vão os indicadores sociais, os saldos, as
contas, os balanços e as estimativas para o futuro imediato e mediato. Não foi
por falta de aviso, de choro, nem de ranger de dentes.
O vírus desconjuntou ainda mais nosso sistema
político. Calou a nação com a máscara, acabou com as reuniões. Diminuiu o poder
do presidente, aumentou o poder dos governadores e prefeitos. Nos parlamentos e
colegiados franqueou a porta para o autoritarismo de muitos presidentes. Os plenários
vazios são território de um poder vacante. Os mandatos se exercem dentro de
casa, em eventos virtuais, irreais, que nem de longe conseguem prover o
contraditório necessário à democracia, à tomada de decisão e ao melhor
exercício do poder do parlamento. Parlamento silencioso é uma contradição nos
termos. Ele não é um lugar de prolongados silêncios ou em que alguém, na
telinha, fala para uns poucos ouvidos.
A covid-19 calou os parlamentos e deu voz aos
tiranetes oportunistas, sob completo silêncio dos idiotas da objetividade (para
dizer como Nelson Rodrigues), que se submetem a tudo e a qualquer um.
Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é
arquiteto, empresário e escritor.
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