Por H. James Kutscka
Há mais de dois anos, por gentileza de meu amigo Jorge Serrão, toda segunda feira me utilizo de seu site como uma tribuna para escancarar toda a podridão que tomou conta de nosso país.
Embora seu
prestigiado “site” conte com centenas de milhares de visitas toda semana,
minhas denúncias e de outros articulistas para meu espanto, não levaram a
nenhuma mudança no essencial da porcaria.
Portanto,
como eu mesmo já estou cansado de bater nas mesmas teclas apenas mudando os
dedos, resolvi dar um tempo e com a anuência do “dono do pedaço”, publicar um
conto extraído de meu livro “Casa dos Mortos” Contos do dia 33, com a
ilustração feita por outro querido amigo: Hector Gómez Alísio.
Venham para o recreio comigo, espero
que se divirtam.
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Caso:
“COURIER”
Logo abaixo
do título, Club do Catálogo Universal, em carácteres dourados, estava impresso:
Trazemos qualquer coisa de qualquer lugar em uma semana.
As palavras
“qualquer” estavam em “bold”, como que para enfatizar seu sentido amplo, e
brilhavam mais que as demais.
Foram elas
que chamaram a atenção de “Caco”- como era conhecido Carlos Coroña por seus
vizinhos e raríssimos amigos. Caco vivia sozinho, não por opção sua, mas
provavelmente por opção do resto do mundo. Baixinho, gordinho, meio careca e
prepotente, não tinha muitos atrativos que pudesse oferecer para conseguir
companhia.
Em termos
financeiros, sobrevivia bem graças a uma agencia de publicidade medíocre que
dirigia com um sócio que desprezava.
Estava
acostumado a receber catálogos por correspondência de tudo quanto era porcaria.
Um ex
funcionário seu, despedido por ter um coeficiente intelectual maior do que o
desejado, estava se vingando dele, usando o seu nome para responder e pedir
catálogos de todos os pilantras que apareciam com anúncios vendendo coisas
raras, pinçados com cuidado só justificado pelo ódio - de revistas de
fotonovelas ou de pornografia.
No começo
Caco ficara puto.
Havendo
recebido aviso dos correios de que havia um pacote em seu nome e não sabendo do
que se tratava, fora levado pela curiosidade a pagar para saber o que esse
continha.
Cento e
cinquenta reais revelaram ante seus olhos a única e autentica Cruz de
Caravaggio.
Uma pequena
cruz de metal com um cristal incrustrado, pendurada em uma correntinha de metal
dourado embalada em uma caixinha plástica, mais um diploma dando-lhe os
parabéns por ter adquirido esta joia da sorte, que prometia curar qualquer mal
de quem com fé a utilizasse, desde uma simples falta de sorte até a impotência.
O pacote
todo na melhor das hipóteses, não valeria mais que dez reais.
Da segunda
vez, pagou quarenta reais para retirar uma fita de vídeo de vinte minutos
intitulada “O melhor do sexo Gay”
Houve é
claro a terceira, a quarta vez, e muitas mais, mas Caco já não se incomodava de
ir até ao Correio.
Simplesmente
lhes ignorava os avisos e o pacote voltava ao remetente.
Quanto à
correspondência que lhe chegava em casa, ainda não havia encontrado uma maneira
de evitar as dezenas de catálogos de coisas inúteis que brotavam embaixo de sua
porta todas as semanas.
No começo
os guardou por curiosidade, e as vezes até dava uma olhada, mas seis meses
depois já apenas os chutava para o lado da porta onde o zelador os havia
deixado quando chegava em casa após o trabalho.
Naquele dia
no entanto, Caco havia chegado do escritório mais cedo e o sol da tarde
entrando pela janela brilhou na palavra qualquer, impressa em ouro na capa de
um dos catálogos que se encontrava na penumbra, espalhado com outros pelo chão.
A
curiosidade o levou a abaixar-se e recolher a revista.
Na capa
trazia uma placa metálica com a imagem tridimensional de uma orquestra
sinfônica sobre ela. O texto logo abaixo da foto dizia: TV Holográfica.
Você ainda
não viu nada se não viu a nova Simphonic 4000.
Oferta
especial para nossos sócios, só esse mês US$ 39,99.
- Apenas
outra daquelas merdas de catálogos que o estavam levando à loucura, pensou.
Aquilo não
teria mais fim, era uma bola de neve.
Quem quer
que fosse que houvesse iniciado o processo, talvez não tivesse ideia do que
detonara, o nome de Caco entrara no circuito através de algumas dezenas de
editoras às quais seu ex-funcionário havia enviado resposta aos anúncios mais
ridículos que havia encontrado.
Posteriormente
seu nome fora negociado junto com milhares de outros, agora com o pomposo nome
de “Mailing”.
Esse
“mailing segmentado de “compradores” ou “vítimas mais suscetíveis”, foi vendido
a tudo quanto é negociante de bugigangas pelo correio existente no país.
Como alguns
deles tinham tentáculos no exterior, no terceiro mês Caco já estava recebendo
todo tipo de correspondência e ofertas dos Estados Unidos, Europa e até dois
catálogos da Austrália.
Foi mais ou
menos por aí que Caco percebeu que poderia colecionar os mais interessantes e
os provenientes de lugares mais estranhos.
Esse que
agora tinha em suas mãos, ganhava de longe o prêmio de mais criativo de todos.
A oferta da
capa era só o começo de uma deliciosa sequência de aparelhos que fariam parecer
a mais alta tecnologia atual, como o arco e flecha em relação ao raio laser.
Aquilo
deveria ser um “gimmik” (criação de um fato intrigante para ser desvendado por
uma campanha publicitária posterior) para o lançamento de algum seriado de TV
de ficção científica ou algo que o valha.
Dentro do
catálogo, com a promessa de: “Sua satisfação garantida ou seu dinheiro de
volta”, existiam desde descascadores de frutas à laser até “cyborgs” de ambos
os sexos que prometiam satisfazer qualquer de suas preferências sexuais, sem
guardar memória do fato além de servir como criado.
O catálogo
parecia impresso em algo similar a um tecido plástico que dava relevo e
tridimensionalidade às fotos dos produtos.
Caco nunca
havia visto nada igual, e embora nunca houvesse comprado nada por catálogo,
resolveu levar a brincadeira adiante e fazer um pedido pelo número de “toll
free” impresso com tinta luminosa na contra capa.
Para sua
surpresa, do outro lado da linha foi atendido por uma voz eletrônica que lhe
navegou pelos circuitos indicando em cada porto o que deveria fazer para ter
seu pedido atendido.
Assim a
máquina arrancou seu número do American Express Card, seu endereço, seu CEP, e
é claro seu pedido.
Uma tv
holográfica por US$ 39,99 frete incluído. Afinal de contas o que eram US$
40,00?
Uma semana
depois Caco já havia esquecido completamente o pedido, por isso mesmo
surpreendeu-se, quando o zelador lhe disse que havia chegado um pacote para ele
de um tal de “Clube do Catálogo Universal.
- Acabaram
vencendo o senhor, heim seu Caco? comentou o zelador com uma intimidade que o
incomodava.
- Carlos,
por favor me chame de Carlos.
- Desculpe
seu Carlos, mas pensei que o senhor houvesse dito que jamais compraria algo
destes picaretas que lhe enviam catálogos.
Caco não
respondeu, pegou o pacote que parecia uma destas embalagens com que as
pizzarias fazem entrega à domicílio e inclusive pesava como tal e dirigiu-se ao
elevador que acabava de chegar ao térreo, trazendo a gostosa da cobertura que
passou por ele sem o cumprimentar.
Carlos
nutria por ela um tesão reprimido, e um ódio mais público pelo empresário que
lhe pagava o aluguel e uma vez por semana vinha cobrar seus favores.
- Vaca,
pensou enquanto entrava no elevador que ainda rescendia a seu perfume
importado.
Durante o
percurso até o décimo oitavo andar, aquela fragrância penetrante distraiu sua
atenção do pacote que tinha em mãos e o conduziu por sonhos eróticos onde ele
imaginava seu nariz metido nos loiros pelos da intimidade da vizinha.
- Estariam
esses também perfumados? Talvez com um leve toque de mar, pensou.
Ouviu-se um
“plin” e Carlos voltou à realidade. A porta do elevador abriu e o pacote que
durante seu devaneio havia perdido o peso, voltou a obedecer às leis da
gravidade em suas mãos. Era claro que
havia sido enganado, uma tv holográfica fosse como fosse, o dia que existisse,
deveria pesar mais e ser maior do que aquilo que tinha agora sobre a mesa de
centro da sala de seu apartamento.
Pelo menos
era isso que seus parcos conhecimentos de física e eletrônica insistiam em lhe
dizer. Dentro da caixa aberta sem muito interesse, apenas uma placa metálica
quadrada de uns cinquenta cm. de lado por no máximo um cm. de espessura, não
pesaria mais de umas quinhentas gramas, na verdade, o que dava peso à caixa era
um livro, Manual de Instruções de sua Simphonic 4000 que havia sido
acondicionado junto à placa que supostamente era o aparelho.
Agora
curioso, Carlos colocou a placa sobre a mesa central.
Gravados em
baixo relevo, sobre a placa podia se ver em suas bordas vários retângulos com
símbolos, um deles dizia liga / desliga, outro dizia, tradutor universal, outro, definição, outro,
canais, assim por diante passando por coisas que ele somente saberia para que
serviam lendo o compendio que acompanhava o aparelho.
É claro que
Caco como bom brasileiro não leu nem a primeira página do manual antes de
apertar o botão Liga.
Imediatamente
sobre a placa, apareceu uma linda mulher morena de uns cinquenta centímetros de
altura, vestida apenas com um tecido leve e translucido, que parecia balançar
ao sabor de uma brisa inexistente no calor de janeiro de seu apartamento
fechado.
Quando
Carlos deu por si, estava sentado no espaldar do sofá olhando absolutamente
maravilhado para a pequena e sensual criatura, que parecia falar com ele. Com o
susto, havia perdido as primeiras palavras, mas a imagem tridimensional seguia:
...onic 4000 você agora vai poder ver o que de melhor é produzido na galáxia
como se estivesse presente. Nosso aparelho permite a seleção de até quatro mil
canais de notícias, entretenimento e lazer, para melhor disfrutar de seus
recursos, recomendamos a leitura do manual de instruções que o acompanha.
Parabéns e boa diversão. Como por encanto, a mulherzinha desapareceu e o
silêncio voltou a reinar na sala escura.
-Porra!
isto não é possível, alguém está tirando uma com a minha cara.
Agarrou a
placa sobre a mesa e começou a examiná-la por todos os ângulos.
Não havia marcas
de solda nem de parafusos, e ainda por cima o peso, era quase nada. Além das
gravações em baixo relevo, na parte de cima que aparentemente funcionavam por
eletricidade estática através do toque, nada mais podia se ver que remotamente
explicasse o milagre.
Quem
tentara foder sua vida acabara dando-lhe um presente, se aquilo era verdade ele
ficaria rico.
Carlos era
um negociante, não precisava ver mais nada, o que precisava era do catálogo;
onde mesmo o colocara?
Guardou a
placa dentro da caixa e passou a procurar o catálogo, que a uma semana atrás
havia largado em algum lugar do qual não se recordava.
Lá pela uma
da manhã desistiu, perguntaria no dia seguinte a Benedita, a faxineira que
vinha uma vez por semana para pôr ordem na bagunça que ele deixava no
apartamento nos outros seis dias.
Durante a
noite sonhou com seus desafetos, todos juntos em uma sala de reuniões
gigantesca, sentados em volta de uma enorme mesa da qual ele ocupava a
cabeceira. Uma porta encimada pelas letras CCC de Carlos Coroña Corporation se
abria e por ela uma loira fatal entrava e em passos lentos e cadenciados cobria
toda extensão da mesa que parecia infinita, até encostar seus lábios carnudos
nos dele, fazendo com que todos os circunstantes engolissem em seco.
Neste
momento Carlos punha-se em pé e dava uma solene banana a todos.
A loira, é
claro, era a vaca da cobertura, que por ser dele, agora havia sido promovida de
bovino à gatinha.
Acordou
cedo, havia muito o que fazer.
Benê, só
viria lá pelas dez da manhã, a essa hora já havia mandado seu sócio na agência
de publicidade, para a puta que o havia parido e jogado suas ações na mesa para
que esse as enfiasse onde melhor lhe aprouvesse. Começava uma nova vida. Ele
que nunca havia sido simpático com ninguém, agora podia exercitar toda sua
antipatia sem medo.
Antes de
sair da agência, disse o que pensava de cada um dos funcionários, desde o
diretor de criação que para ele não passava de um cornudo puxador de fumo para
o qual odiava ter de pagar um alto salário, até o humilde “office boy” que ele
insistia em chamar de mameluco.
Ao meio dia
sem amigos, mas com o espírito renovado, foi para casa para o início de sua
nova vida.
Primeiro,
pediria um Cinturão Temporal que de acordo com o catálogo, possibilitava
locomover-se no tempo; o resto seria consequência.
Quando
chegou no edifício em que morava, imagens de grandeza revoavam por seu cérebro
desordenadas como bandos de andorinhas ao entardecer.
- Boa tarde
seu Caco, disse o zelador ao vê-lo adentrar à portaria.
- Carlos,
energúmeno! disse dirigindo-se ao elevador.
Abriu a
porta do apartamento mecanicamente já gritando por Benê.
-Dna.
Benedita onde a senhora pôs um catálogo grande, mais ou menos do tamanho de uma
revista Veja, tinha na capa com letras douradas “Clube do Catálogo Universal.
- Sei não
seu Caco, deve ter ido junto com todos os outros catálogos que o senhor recebe
e mandou eu jogar no lixo.
-Não pode
ser Benê, sua burra, e não me chame de Caco, meu nome é Carlos, senhor Carlos.
Com um ódio
crescente pelas classes menos privilegiadas, olhou para a mesa da sala e não
viu a caixa que deixara sobre ela na noite passada.
- Onde você
pôs a caixa que estava em cima da mesa?
- Ah! a
caixa da pizza, já joguei com o resto do lixo no incinerador do prédio seu
Carlos, tinha um livro lá dentro e o suporte, foi tudo junto, se o senhor pôs o
livro lá dentro, em uma caixa de pizza é porque queria que eu jogasse fora não
é mesmo? perguntou Benedita já sem tanta certeza.
Carlos
matou Benedita estrangulada com a corda do ferro de passar roupa que essa usava
quando ele chegou em casa.
A defesa
alegou insanidade temporária.
Baseada nos
testemunhos de seu antigo sócio e empregados sobre o acontecido na agência na
manhã do crime não foi difícil, para seu advogado, trocar a cadeia por uma
instituição mental, onde Carlos assina e responde à todas as ofertas de clubes
de compra que chegam às suas mãos, e é
conhecido pelos outros internos como “o cliente”.
-Pô, Guedes
cê vai querê que a gente acredite nesta cascata?
O
investigador Lauro Guedes que estivera contando o caso para os companheiros no
fim do expediente na quadragésima oitava, olhou para Tonhão que comia uma
coxinha engordurada, e entre uma mastigada e outra o interrompera e seguiu.
- São só
histórias que eu ouço Tonhão, não têm porque serem levadas à sério.
Enquanto
dizia isso, acabava de recortar, deixando pedaços de papel sobre a mesa do bar,
um anúncio da revista Ilusão, no qual se vendia uma pedra por apenas quarenta
reais, que prometia curar a impotência.
Na fórmula
impressa para o pedido, havia colocado o nome Carlos Coroña- o endereço era o
da casa de saúde.
Guedes
pediu licença e saiu, - Desculpem, mas tenho que por uma carta no correio.
Quando
Guedes acabou de sair, Raeli, outro dos que haviam acompanhado a história
completou: - Não sei o que um sujeito culto destes faz sendo tira, sei que já
foi até publicitário.
-Vai vê que
até conheceu esse tal de Caco que matou a doméstica, disse Tonhão tomando mais
um gole do chopp quente que estava à sua frente.
-É... vai vê que até pode sê. Completou
Raeli olhando a porta.
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