Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Percival Puggina
Dois fatores somam-se como principais para produzir uma representação parlamentar que, uma vez empossada e atuante, não representa, objetivamente, ninguém. Refiro-me às equivocadas razões de voto de tantos eleitores e ao sistema feito sob medida para que eleitos e eleitores pouco ou nada interajam. A eleição parlamentar é proporcional, há número excessivo de partidos e candidatos, e a circunscrição eleitoral é o estado inteiro. Tudo irracional, oneroso e ineficiente.
É visível e bem motivada a frustração dos
cidadãos em relação às duas Casas do Congresso. A frustração leva ao
arrependimento quanto ao voto dado, o arrependimento à revolta e esta a um novo
equívoco. “Larguei!”, dizem tantos. Rasgam a carteirinha, desistem de votar.
Até onde a memória alcança, resolvi listar os
parlamentares em quem votei, iniciando pela eleição de meu saudoso pai como
deputado estadual em 1962. Dela constam vereadores, deputados estaduais,
federais e senadores. Raras frustrações. Fui encontrar o motivo numa conversa
de décadas atrás com o querido amigo e mestre, prof. Cézar Saldanha Souza
Júnior. Ensinara-me ele que parlamentares devem ser escolhidos como
representantes de opinião e não de interesses. Eleitores deveriam, portanto,
regalar seu voto a alguém com cujos princípios, valores, ideias e ideais
sintonizassem.
Trata-se, como se percebe, de um critério
muito exigente: o eleitor precisa conhecer o candidato para assegurar-se de
que, na rua esburacada da política, ele não resvalará para a sarjeta. Políticos
eleitos assim cuidam do particular sem perder de vista o geral. Pela firmeza de
seus princípios e valores, não se omitirão, não abrandarão a lei penal, não
deixarão a construção de novos presídios sem verbas, não aprovarão novas
gambiarras no Código de Processo Penal, não admitirão mais verbas para partidos
e seus gastos eleitorais; se empenharão pela possibilidade de prisão após
condenação em segunda instância, alterarão a forma de provimento das vagas no
STF, combaterão a corrupção, e assim por diante, atentos aos anseios nacionais.
Em infelicitada contramão, porém, o mais
frequente motivo de voto, é a ligação do candidato a um grupo de interesse.
Estribada em tal critério, a maior parte dos eleitores escolhe alguém para
cuidar de si. É sua montaria da vez, o parelheiro escolhido para a eleição.
“Vou eleger um deputado para chamar de meu!”, festeja. Na vida real, o
parlamentar selecionado vai deliberar apenas ocasionalmente sobre essas
específicas pautas de interesse de seu eleitor “corporativo”, mas decidirá
sobre tudo mais o tempo todo! E é aí que o remédio vira veneno.
Na vida real, parlamentares eleitos assim,
passam a maior parte do tempo cuidando de seus próprios interesses sem se
importar se eles conflitam (e sempre conflitam) com os do eleitor. A frustração
de muitos com os temas que os congressistas não votam, ou nos quais deliberam
divergindo do interesse nacional e do desejo do eleitor, tem tudo a ver com
isso. Quem assim for eleito passará o inteiro mandato a votar sobre formas de
tomar dinheiro de seu eleitor para atender regalias de outros grupos de
interesse e ampliar sua base eleitoral. O que lhe dá com uma das mãos, tira em dobro
com a outra.
É um paradoxo que não deveria surpreender.
Pergunto: o sujeito que elege um parlamentar para cuidar de si, pode se
aborrecer se o eleito fizer o mesmo e tratar de seu próprio interesse, de seus
negócios, mordomias, parentes, verbas individuais e partidárias? Quem já
acompanhou o que acontece nos plenários quando as galerias estão lotadas
ululando reivindicações sabe o quanto é raro que ali se reivindique a favor do
interesse público. No entanto, os maus deputados estão deliberando e votando,
contra esse interesse, graças a mandatos que eleitores interesseiros lhe
concederam.
Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e
Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário e escritor.
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